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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Nós Transmontanos, Sefarditas e Marranos - ABRAHAM ISRAEL PEREIRA (VILA FLOR, C.1605-AMESTERDÃO, 1699)

Abraham Israel Pereira terá nascido em Vila Flor cerca de 1605 e falecido em Amesterdão em 1699.(1) Foram seus pais António Pereira, e Beatriz Jerónima, ambos de Vila Flor, que no batismo, lhe deram o nome de Tomás Rodrigues Pereira. Provavelmente, o casal Pereira terá fugido de Vila Flor, na sequência de uma enorme vaga de prisões lançada pelo santo ofício e coordenada pelo inquisidor/abade de Vila Flor, Jerónimo de Sousa.(2)

Em Madrid, Tomás veio a casar com Beatriz Rodrigues, natural de Vila Flor, enquanto o seu irmão Duarte Pereira, casou com Ana Rodrigues, irmã de Beatriz. Estes dois irmãos ficariam ligados na atividade comercial e no percurso de vida.(3)

Da vida empresarial de Tomás Pereira em Espanha, sabemos que começou a trabalhar como administrador de salinas, passando à comercialização de lãs, que exportava especialmente a Holanda. Nisso amealhou uma enorme fortuna que, antecipadamente, conseguiu transferir para Amesterdão.

Para esta cidade foi também ele, por 1644, fugindo por Veneza, com a família, já então acrescentada com 5 filhos e 3 filhas. De Amesterdão continuou, porém a importar lãs de Espanha e, clandestinamente, faria entrar neste país quantidade de “velon” (moeda pequena e sem valor), em ação de sabotagem económica concertada com outros grandes mercadores judeus estabelecidos na Holanda e Inglaterra. Nestes tratos de importação/exportação, usaria o nome de Francisco de Gurre, e o irmão, António de Gurre.

Chegado a Amesterdão ter-se-á circuncidado aderindo abertamente ao judaísmo, adotando o nome de Abraham Israel Pereira e a mulher, o de Sarah Israel Pereira. 

Tomás integrou-se muito bem na comunidade sefardita de Amesterdão, breve se tornando figura principal e mais rica. Ao comércio e importação de lãs, acrescentou o seu tratamento e confeção de tecidos, tornando-se industrial de tecelagem. Em 1656 comprou uma tinturaria têxtil por 8 000 florins e tornou-se um importador de anil e pau-brasil, matérias-primas essenciais para o efeito. Meteu-se também no comércio do açúcar e obteve do governo de Holanda autorização para instalar uma refinaria, a primeira que houve naquelas paragens.

A Amesterdão de Israel Pereira era a mais cosmopolita da época e nela conviviam, em permanente disputa, cristãos, calvinistas, luteranos e judeus. Havia porém uma divisão profunda entre os judeus sefarditas, fugidos da inquisição e os asquenazes, corridos da Lituânia e da Suécia. Aqueles eram tidos por “judeus fidalgos” e estes por “judeus vagabundos”. Mesmo no interior da “nação sefardita” grassava uma profunda divisão, personalizada por livres-pensadores cujo expoente maior foi Baruch Espinosa e intelectuais ortodoxos como Oróbio de Castro.

Muitos dos que foram fugidos da inquisição ibérica viram-se confrontados com uma rigidez ideológica para que não estavam preparados e alguns sentiam-se tão longe do judaísmo ortodoxo, que melhor entrariam numa igreja católica do que na sinagoga.(4) Aliás, não seria por acaso que as autoridades rabínicas e os “hahamans” lançaram “hérem” (excomunhão) contra uns 80 membros da comunidade. E o sofrimento e a vergonha dos excomungados não custariam menos a suportar do que as cadeias da inquisição e os humilhantes “sambenitos”.

Tomás Pereira explicará mais tarde que, à chegada, ficou confuso com as exigências dos rabis, considerando-os mistificadores e que dava mais crédito aos livros profanos do que aos escritos rabínicos. Depois integrou-se na comunidade e passou a ser considerado judeu exemplar.

Foi um dos fundadores da yeshiva (espécie de seminário talmúdico) Tora Hor e o grande financiador da impressão de livros e textos religiosos, sob orientação do rabi Menassés ben Israel. Em 1659, juntamente com seu filho Jacob, financiou a fundação de uma yeshiva na cidade de Hebron, na Palestina. Fantástico: os Estatutos foram redigidos em português, significando isso que a yeshiva seria predominantemente frequentada e dirigida por judeus fugidos de Portugal. A sua influência foi muito para além de Hebron, contribuindo decisivamente para a formação de uma nova geração de “talmidins” (doutores da Lei) o que muito contribuiu para que a cidade de Jerusalém se impusesse, em termos demográficos e de cultura judaica.(5)

Como cidadão israelita exemplar, mandou escrever na fachada principal da sua fábrica esta frase: — Defende-me ó Deus, porque eu procuro em Ti o meu refúgio. E também escreveu dois livros com o objetivo de incentivar os seus concidadãos ao aprofundamento das crenças e práticas da lei de Moisés. Veja-se, a propósito, uma curta citação, extraída do seu livro La Certeza del Camino:

— Estou profundamente chocado, pois considero a religião que alguns professam, de fachada e só se dizem judeus por conveniência pessoal. Valores como a caridade e o amor do próximo perderam-se e o arrependimento deu lugar à arrogância.(6)

Por aqueles anos de 1655/56, o mundo judaico foi abalado por uma nova extraordinária: o aparecimento do Messias, Sabbatay Tsevi, que se fixou em Gaza, Palestina, onde o já então famoso cabalista, Nathan de Gaza, o reconheceu como o Messias verdadeiro e iniciou a pregação da mensagem.

Amesterdão, a Jerusalém do Norte, era então a capital mundial do judaísmo e o impacto da notícia foi enorme. Nada se podia opor à vaga de euforia que tocava os corações dos judeus. Cada um tentava rivalizar com o outro em penitências, orações e jejuns. As casas de jogo transformaram-se em casas de estudos bíblicos e recolha de esmolas. As sinagogas nunca se esvaziavam e estavam abertas 24 horas por dia. Todas as candeias e lâmpadas, nas sinagogas e nas casas particulares ficavam acesas. O rabi Sasportes era um dos raros sefarditas de Amesterdão que não acreditavam no Messias Sabbatai. O seu relato, embora de crítica, retrata o ambiente descrito:

— Os judeus entregam-se a grandes manifestações de alegria, tocando os seus tambores e dançando pelas ruas; os rolos da Torah foram tirados da Arca para uma procissão, com todos os ornamentos, sem atentarem no perigo das invejas e do ódio por parte dos gentios. Pelo contrário, anunciavam publicamente a boa nova.(7)

Mais do que ninguém, Abraham Israel Pereira foi tocado pela mensagem messiânica de Tsevi, até porque ele tinha e sustentava a yeshiva de Hebron e logo decidiu mudar-se para ali, ao encontro do Messias, “depois de ter pedido licença aos magistrados e expressado o reconhecimento pelos favores de que ele e a sua família tinham beneficiado”, não sem antes se dirigir ao rabi Sasportes, admoestando-o e pedindo-lhe que deixasse de expressar publicamente as suas dúvidas acerca de Sabbatai.

Encontrava-se em Veneza, a caminho da Terra Santa, quando recebeu a notícia de que Sabbatai Tsevi se encontrava na Turquia e se tinha convertido ao islamismo e os rabis de Jerusalém tinham lançado “hérem” sobre Nathan. Imagina-se a desilusão de Pereira que, de imediato, deixou Veneza e regressou a Amesterdão. Retomou os negócios e afervorou a crença. Disso mesmo nos dá conta um segundo livro que escreveu, intitulado “Espejo de la Vanidad del Mundo, estampado no ano judaico de 5431 (1671).

Recuperou toda a influência e prestígio social. Prestígio e influência tiveram também os seus filhos, especialmente Jacob Israel Pereira (1629-1692) que, associado a António Álvares Machado, na firma Machado & Pereira, foram fornecedores de géneros aos exércitos holandeses na guerra com a França. O mesmo aconteceu na campanha de Guilherme III na Irlanda, que exigiu aos Machado & Pereira a contratação de 28 padeiros, 700 a 800 cavalos e 300 a 400 vagões.(8)

Mais rico do que Jacob, seria o seu irmão Moisés que, por 1685, pagava de “finta” à “nação” 120 florins e ocupava lugar de destaque entre os 11 magnates financeiros da Academia dos Floridos.(9)

Notas:

1 - ALMEIDA, Marques – Dicionário Histórico dos Sefarditas Portugueses Mercadores e Gente de Trato, pp. 549/550, Cátedra de Estudos Sefarditas de Alberto Benveniste, Campo da Comunicação, 2009.

2 - TSO-Conselho Geral, Papéis Avulsos, mç. 7, n.º 2535. Neste documento referem-se 105 pessoas, além das crianças não contabilizadas, fugidas de Vila Flor nos 7 anos que seguiram a 1583. Da lista consta um António Pereira e sua mulher.

3 - SCHREIBER, Markus – Marranen in Madrid 1600-1670, pp. 142, Stuttgard, Steiner Verlag, 1994.

4 - MÉCHOULAN, Henry; MICHEL, Albin – Être Juif a Amsterdam au Temps de Spinosa, Paris, Albin & Michel, imp 1991.

5 - NAHON, Gérard – Métropoles et Périphéries Sefarades d´Occidente, pp. 206: — La yeshiva de Jacob Pereira fut un facteur efficace de l´extraordinaire explosion démographique et rabbinique de la Jerusalém des Lumières.

6 - La Certeza del Camino foi impresso na tipografia de David de Castro Tartas, um cristão-novo originário de Bragança, que tomou aquele sobrenome por ter nascido na cidade francesa de Tartas quando seus pais fugiram da inquisição. O ano de impressão foi 5416, do calendário judaico, ou seja o ano de 1656, da era cristã.

7 - SASPORTES, Jacob ben Aaron – Tzitzat Novel Zvi, obra editada em 1737 por seu filho Abraham Sasportes. Trata-se de um conjunto de textos contra Sabbatai Tsevi e seus seguidores.

8 - SWETSCHINSKI, Daniel M. – Reluctant Cosmopolitans. The Portuguese Jews of Seventeenth Century Amsterdam, pp. 15-17, 138-‑140 e 193, London, The Littman Library of Jewish Civilization, 2000.

9 - BLAMONT, Jacques – Le Lion et le Moucheron Histoire des Marranes de Toulouse ,pp. 396, Editions Odili Jacob, Paris, 2000.

António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães
in:jornalnordeste.com

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