O antigo deputado Júlio Meirinhos, conhecido como mentor da chamada Lei do Mirandês, apela à classe política para que promova a segunda língua oficial em Portugal, não de forma "folclórica", mas criando um debate sério em torno da temática.
Apesar do reconhecimento oficial, com a publicação em Diário da República em 29 de janeiro de 1999, o mirandês continua "a não ter um enquadramento institucional adequado", sendo preciso ir mais além, em processos como a assinatura da Carta Europeia das Línguas Minoritárias (CELM) ou no ensino, onde há muito tempo estas ações são reclamada por autarcas, estudiosos, linguistas e falantes.
Em entrevista à agência Lusa, Júlio Meirinhos defende que o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) tem um papel "importantíssimo" para que esta língua seja reconhecida no Conselho da Europa.
"Há coisas que os particulares não conseguem fazer. Mas terá de haver entidades estatais que apoiem a segunda língua oficial em Portugal, que foi aprovada por unanimidade através da Lei n.º 7/99 na Assembleia da Republica, para que esta secular forma de comunicar prevaleça no futuro", vincou o também antigo presidente da Câmara de Miranda do Douro.
No que respeita à CELM, há 35 princípios mínimos que cada signatário do documento terá de cumprir na área da educação, administração local, justiça, media, vida económica, relações transfronteiriças ou cooperação institucional.
Dos 47 estados-membros do Conselho da Europa, 22 não assinaram a CELM, não sendo um ato obrigatório.
Por outro lado, Júlio Meirinhos endereçou uma mensagem ao secretário de Estado para a Valorização do Interior, defendendo que há muito por fazer no interior, sendo precisa uma atuação "séria" junto do MNE.
"Nós precisamos como de pão para a boca que esta nova secretaria de Estado interceda junto do MNE e do Governo, já que a assinatura da CELM iria ajudar-nos a aceder a fundos comunitários para que possamos fazer projetos permanentes para a divulgação da língua mirandesa a todos os níveis. É este é um desafio que eu deixo ao senhor secretário de Estado, João Catarino, que pegue em algo que não vai endurecer a carga fiscal dos portugueses", enfatizou Júlio Meirinhos.
O antigo deputado socialista salienta que este mecanismo de reconhecimento como a CELM seria importante para que o mirandês fosse reconhecido fora de portas, sendo uma língua que se fala há mais de 800 anos.
"O mirandês não regrediu, devido ao esforço das instituições locais tais como a Câmara Municipal, o Agrupamento de Escolas, a Associação de Língua e Cultura Mirandesa e dos falantes, que têm uma vontade férrea, para que o mirandês não se perca. Contudo é preciso uma um apoio do exterior para que a ‘lhégua' se mantenha viva", afiançou Meirinhos.
Se o futuro apresenta algumas incertezas, há 20 anos o reconhecimento do mirandês trouxe um novo alento a esta que se tornou na segunda língua oficial em Portugal.
"É preciso uma discriminação positiva e dar passos certos como se fez há 20 anos", vincou Júlio Meirinhos.
Júlio Meirinhos lembrou que, em 1882, o filólogo José Leite de Vasconcelos clamava uma lei de proteção para o mirandês.
"Houve muitos caminhos a percorrer até à oficialização do mirandês. Não foi tarefa fácil, mas conseguiu-se", concluiu aquele que é tido como o "pai" da segunda língua oficial em Portugal.
Miranda do Douro assina protocolo para cumprir Carta de Línguas Minoritárias
O município de Miranda do Douro vai avançar com a assinatura de um protocolo com a Associação de Língua Mirandesa para cumprir os 35 princípios da Carta Europeia das Línguas Minoritárias, disponibilizando 25 mil euros para tal.
"A partir do momento em que o protocolo seja assinado, pretendemos que Portugal fique com todas as garantias formais para proceder à ratificação da Carta Europeia das Línguas Regionais ou Minoritárias (CELM) e assim dar um novo impulso ao mirandês", disse à Lusa o presidente da Câmara Municipal de Miranda do Douro, Artur Nunes.
O autarca salientou que com a assinatura deste protocolo serão elaborados um conjunto de documentos para endereçar aos diferentes ministérios ligados ao processo, como é caso dos Negócios Estrangeiros, da Educação e da Justiça.
A presidente do Comité de Peritos para as Línguas Minoritárias havia defendido, em Miranda do Douro, no distrito de Bragança, que Portugal reúne as condições necessárias para a assinatura da CELM.
Contactado pela Lusa, o Ministério dos Negócios Estrangeiros avançou que Portugal respeita, no essencial, a substância da CELM sem que haja vinculação do Estado português à mesma.
"O Secretário Executivo da Carta Europeia das Línguas Regionais ou Minoritárias foi aliás convidado pelo Presidente da Câmara Municipal de Miranda do Douro a visitar a região em dezembro 2017, visita que teve todo o apoio das autoridades portuguesas", vincou fonte oficial do MNE.
Segundos os representantes da Associação de Língua e Cultura Mirandesa (ALCM), foram avaliados os 35 princípios mínimos da CELM com que Portugal tem de se comprometer.
Cada signatário do documento terá de cumprir um número mínimo na área da educação, administração local, justiça, média, vida económica, relações transfronteiriças e cooperação institucional.
O protocolo entre a câmara e a ALCM deverá assinado na terça-feira, dia em que se cumprem 20 anos da publicação em Diário da República do “Reconhecimento oficial de direitos linguísticos da comunidade mirandesa”.
O documento promete, igualmente, ajudar a certificar os professores de língua mirandesa para lecionar a disciplina de Língua e Cultura Mirandesa ou a alteração da flexibilidade curricular, para evitar que todos os anos seja necessária uma autorização especial do Ministério da Educação.
Adicionalmente, pretende-se estabelecer um conjunto de compromissos científicos com diferentes universidades portugueses e estrangeiras, entre outras propostas.
A ideia da assinatura do protocolo com ALCM passa "por reforçar o papel do mirandês, como língua minoritária, para que seja cada vez mais protegidas em Portugal e no mundo".
Por seu lado, o Ministério da Educação validou a oferta de mirandês, legitimando o seu enquadramento no currículo, no contexto da autonomia e flexibilidade curricular.
"Tem sido garantida à escola a possibilidade de selecionar os seus professores através de mobilidade", acrescentou fonte do Ministério da Educação.
Do lado dos responsáveis da ACLM, a criação de um "grande portal" utilizando as novas plataformas de comunicação seria uma forma de levar o mirandês cada vez mais longe, e ao mesmo tempo transformá-lo numa referência para estudantes, investigadores, falantes ou até mesmo não falantes, para que possam aprender esta forma de comunicar.
"No que toca ao mirandês, uma das necessidades mais urgentes será a criação de um portal que possa disponibilizar informação sobre esta língua. Ou seja, um sítio onde tudo que esta relacionado com a língua mirandesa, possa ser consultado livremente, por todos os interessados nesta temática", indicou o presidente da ACLM, Alfredo Cameirão.
Agência Lusa
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