Número total de visualizações do Blogue

Pesquisar neste blogue

Aderir a este Blogue

Sobre o Blogue

SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 11 de janeiro de 2022

Tempo de aprender, que ainda não findou

Por: António Orlando dos Santos (Bombadas)
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")

Quando eu era rapaz e a minha mãe era ainda uma mulher saudável e cheia de vida, havia em nossa casa gente das mais variadas idades o que implicava que o entendimento e perceção das coisas do dia-a-dia fossem assimiladas de diferentes maneiras por cada um de nós. Depois de ela haver dito algo, como falava frequentemente por metáforas era tarefa ingente descobrir o sentido oculto de tal linguagem.
Por serem do domínio público havia alguns ditos que colidiam com as regras de educação e hipocrisia dos que se consideravam mais severos, mas que eram anulados pela metáfora que era sempre insidiosa.
A miudagem não tinha conhecimento das formas fáceis de consultar um dicionário ou uma enciclopédia como hoje que usando o telefone que trazemos no bolso e do qual nos socorremos sempre que a dúvida nos assalta, resolvemos tudo ou quase tudo. 
Assim não me espantava, quando a ouvia dizer para mim, ou para o meu irmão Marcelo: - Um de vós que estais aí, como dois adidos à companhia, vá ao Senhor Raul azeiteiro e traga um abano que este já está mordido e não puxa as brasas que quero vivas para assar as sardinhas. Bate com os calcanhares no cú pois são quase horas do teu pai aparecer e as sardinhas ainda não estão assadas. Ou fazendo prova de um perfeito conhecimento do nosso carácter nos apelidava com os nomes mais insólitos que quem fosse estranho a este tipo de linguagem, se quedaria estupefacto com tão variada recolha que só mesmo no Registo Civil seria possível encontrar.
Assim, Senhor Clemente, -Ermitão de Santa Ladra, Quarteleiro, Salta-pocinhas e milhentos outros que não me vêm à memória e que nos obrigavam a termos de a fitar para havermos a certeza de sermos nós os visados.
Quando algum dos elementos que utilizava para cozinhar era duro, como a carne ou alguns legumes, dizia sempre; este é duro, atira-se com ele contra o Castelo e não se parte. Estava assim a usar o elemento Castelo como fator de resistência e não o que de facto o era pois que a água fervente não era tida em conta e se culpava o Castelo que por ser Velho e resistente era posto em primeiro plano. Sabia ela ditados populares provérbios ou anexins que lhe permitiam expressar-se em sentido figurado, sendo necessário conhecê-la para concluirmos que era do povo e fora educada por gente grada do Bairro de Além do Rio.
A sensatez que nos transmitia peripateticamente foi a mensagem que nos guiou pela vida fora com a sabedoria popular de alguém bem formado e capaz de bem formar os outros.
Aconteceu um dia alguém ter vindo a nossa casa e falando muito seriamente lhe haver proposto qualquer negócio que implicava uma soma avultada de dinheiro. Ela, na sua melhor maneira de estar e calmamente, ripostou: - E onde tenho eu tal capital? -Só se for no Centro Real dos amafanos. A palavra caiu como uma pedra num lago de água parada. Mas nunca me explicou o que eram o "amafanos" e já lá vão sessenta anos e eu não sei onde são os famosos amafanos que a minha mãe propôs como provável local onde seria possível encontrar o capital para realizar tal empresa. Se algum (a) leitor souber o significado deste vocábulo por favor, compartilhe o segredo connosco que agradeceremos por escrito. O vernáculo é brigantino e eu já me havia esquecido dele e hoje veio -me à memória e estou a partilhá-lo convosco.
Às vezes dedico algum tempo às recordações que persistem em serem parte do que conservo do meu tempo de menino. Durante este tempo que mediou entre o que conto e o dia de ontem, creio não me ter recordado uma vez só deste acontecimento a que está ligado este vocábulo que, admito referir-se a parte íntima do corpo. Há sentidos figurados que me fascinam e este é um dos tais.



Bragança, domingo, 09/01/2022
A. O. dos Santos
(Bombadas)

Sem comentários:

Enviar um comentário