sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

A necessidade de um interior mais urbano

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 É necessário um aumento da liberdade dos municípios para definirem a sua própria carga fiscal ou a negociação de condições de trabalho através de uma concertação social a nível local.
Muito se tem falado, escrito e discutido sobre os problemas do interior de Portugal, as respetivas causas e possíveis soluções. Todavia, a realidade que se observa é dura e as evidências são claras: o principal problema do interior continua a ser, usando expressões correntes, a emergência demográfica. Esta traduz-se quer na redução da população residente, como no envelhecimento cada vez mais acentuado da mesma, segundo os dados obtidos no Censos 2021. Depois de tanto investimento em coesão territorial e estratégias para fixar e,até mesmo atrair pessoas e empresas, o que é que está a falhar?

Não sendo especialista nestas matérias, gozo da experiência de vida de quem nasceu e cresceu no coração do Alentejo, viveu, estudou e trabalhou por Lisboa e fora do país e se fixou recentemente em Viseu. Usando esta última mudança como exemplo, há muito tempo que não me identificava com Lisboa e tinha o objetivo de me mudar para um lugar com melhor qualidade de vida para a minha família. No entanto, esta vontade esmorecia na simples pergunta “como vamos ganhar a vida numa cidade mais pequena de interior?”. Em conversa com vários amigos, apercebi-me que esta é uma questão na cabeça de várias pessoas, pelo que podemos considerar que até existe um potencial de atração de população para as regiões do interior, pela possibilidade de uma melhor qualidade de vida e de um custo de vida mais baixo. Então, porque é que pouca gente arrisca nesse sentido? Principal motivo: falta de oportunidades.

Basta perguntar aos jovens que crescem e vivem no eixo Bragança-Guarda-Castelo Branco-Portalegre- Évora-Beja, qual é a sua perspetiva de futuro e as respostas dividem-se entre os que têm condições para procurarem oportunidades de uma vida melhor em cidades maiores, normalmente localizados no litoral, e os que não tendo condições para mudar, se conformam em construir uma vida nestas regiões a partir das poucas oportunidades existentes. Como é que se pode mudar esta tendência?

Antes de mais, é preciso desmistificar a divisão entre “litoral” e “interior” e perceber que a verdadeira causa das assimetrias observadas resulta da diferença entre “urbano” e “rural”. Quanto maior for um centro urbano, maior capacidade terá para atrair população de outras regiões, uma vez que a concentração de pessoas aumenta as oportunidades de negócio e de trabalho ao mesmo tempo que permite alguns ganhos de eficiência derivada da proximidade entre as pessoas. Por razões históricas, em Portugal os maiores centros urbanos desenvolveram-se junto ao litoral, resultando na assimetria demográfica que hoje temos no nosso território.

Um dos principais desafios que as regiões do interior de Portugal enfrentam é a necessidade de encontrarem formas de integrarem as atividades tradicionalmente ligadas ao mundo rural, com o desenvolvimento de centros urbanos capazes não só de complementar e acrescentar valor aos produtos agrícolas, mas também de desenvolver outras atividades ligadas a setores que não tenham necessariamente uma relação com o meio rural. Existem já exemplos nesse sentido: o principal empregador privado em Mangualde é a PSA; Évora tem apostado no desenvolvimento de um cluster aeronáutico; a Covilhã procura diferenciar-se através da atração de empresas ligadas às tecnologias de informação.

Viseu é também um outro exemplo, sendo até o único concelho localizado numa região interior considerado com um grau de desenvolvimento equivalente aos concelhos do litoral. E basta analisar o contexto deste concelho para perceber que este desenvolvimento não foi alcançado através de uma aposta em atividades relacionadas com a agricultura mas sim com a diversificação de atividades típicas de meios mais urbanos como serviços, indústria, turismo, construção civil e tecnologias de informação. Mais uma vez, não quero com isto minimizar a agricultura, mas aceitar que não será a agricultura a criar grandes necessidades de recursos humanos qualificados.

No entanto, a agricultura poderá contribuir para o desenvolvimento de outros setores relacionados com a sua atividade. Uma forma de o fazer seria através da criação em cidades do interior de clusters de empresas tecnológicas especializadas em agricultura, com o objetivo de desenvolver, produzir e fornecer soluções de monitorização e automatização dos processos produtivos na agricultura. Este tipo de clusters, posicionados também para o mercado global, poderiam vir a compensar os postos de trabalhos perdidos na agricultura, gerando oportunidades de emprego para jovens e outras pessoas de fora da região, tanto para trabalho mais operacional, como em funções qualificadas.

Para que este tipo de desenvolvimento possa ocorrer é necessário criar condições para tal. Isso passa por resolver os problemas de acessibilidade e mobilidade, nomeadamente, assegurar ligação ferroviária e encontrar uma solução definitiva para o problema do IP3. Mas a economia não cresce apenas pelas infraestruturas, pelo que é necessário também reforçar a descentralização do Estado e dotar os municípios de instrumentos que possam aplicar para tornar os seus territórios mais competitivos e atraentes para empresas e pessoas, seja pelo aumento da liberdade para definirem a sua própria carga fiscal ou pela negociação de condições de trabalho através de uma concertação social a nível local.

Estas são apenas algumas medidas que poderiam contribuir para termos um interior mais urbano e capaz de criar oportunidades interessantes para fixar e atrair mais pessoas e empresas, potenciando assim o crescimento económico que permita gerar riqueza e proporcionar uma vida melhor para todos, tanto no interior como no resto do País.

Miguel Lemos Santos

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