sexta-feira, 29 de julho de 2022

O MÃO DE LUVA

Por: Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS
São Paulo (Brasil)
(colaborador do Memórias...e outras coisas)

Manuel Henriques, tido como garimpeiro e português, era o nome de um personagem lendário: o Mão de Luva! Durante o período da mineração do Brasil, século XVIII (por volta de 1780), ele que teria fugido da região aurífera de Minas Gerais, e teria atravessado o rio Paraíba do Sul, na região de Cantagalo, com o intuito de fazer garimpo por conta própria, já que até então, ele só havia trabalhado para o governo português. Durante muitos anos, acreditava-se que o Mão de Luva era um fidalgo português, e que teria vivido um romance com Maria de Bragança; a rainha Maria I (a louca), de Portugal. Acredita-se de que ele só teria vindo ao Brasil para ficar rico, e poder voltar à Portugal para viver o romance interrompido.

Ele celebrizou-se por ter se tornado um bandido. Mão de Luva chefiava um bando de ladrões dos garimpos oficiais do rei de Portugal, Dom José I; era um tipo de pirata, que atuava em terra firme. À época, o garimpo oficial era controlado pelo vice-rei Luiz de Vasconcelos e Souza. Na representação imaginária do bandido Mão de Luva, há todo um processo que faz com que ele se torne um mito: a não divulgação das escassas citações da vida pregressa do Mão de Luva abastece a sua força criadora, dá sentido a tudo que ele fez, hierarquiza, seleciona e atribui valores como coragem, astúcia e ousadia, que faz dele, ainda depois de três séculos e em pleno século XXI, um mito popular; tanto nas regiões de Macacu e Cantagalo, como em grande parte dos estados de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Uma versão conhecida, atribui ao Mão de Luva uma descendência aristocrática lusa: Ele, Manuel Henriques, teria sido o Duque de Santo Tirso, e era possuidor de vastos domínios e vastas extensão de terras e grandes riquezas; além de erudito! À época, teria se apaixonado por Maria de Bragança. O casal teria se conhecido numa recepção realizada na Corte; e ambos se apaixonaram. Algum tempo depois, Manuel foi convidado a participar de uma conspiração contra o poderoso Marquês de Pombal e ainda forçar a abdicação de Dom José I, em favor de sua filha. Maria, teria prometido sua mão ao amado Duque de Santo Tirso, caso a conspiração triunfasse! Manuel partiu de Lisboa, com homens e dinheiro; porém o Marquês de Pombal foi informado por espiões: descobriu tudo e abortou a conspiração! O Duque de Santo Tirso foi, então, condenado ao degredo no Brasil, sendo –lhe confiscados todos os bens, cassados seus títulos de nobreza e considerado infame até à terceira geração! É reconhecido que Maria o procurou antes do embarque para o degredo, e falou-lhe que o Brasil era o “país das minas de ouro” e das pedras preciosas e, portanto, ele deveria reunir uma grande fortuna e comprar sua liberdade. Teria Maria, nessa oportunidade, fornecido um par de luvas pretas, pedindo que ele as usasse sempre à destra, para provar que voltaria a ter com ela. E assim, acredita-se, foi feito! Lembro que Maria I era mãe de Dom João VI, que fugiu de Portugal com destino ao Brasil em 1808, para não enfrentar Napoleão Bonaparte, tornando a “colônia”, ainda que com 300 anos de atraso, tivesse, finalmente, acesso à modernidade. Maria I morreu no Brasil, aos 86 anos de idade.
Certa feita, o Mão de Luva estava numa taverna bebendo e dançando, quando conheceu aquele que seria seu fiel escudeiro, o Simão. Este, trabalhava na taverna, porém Mão de Luva percebeu que ele tratava os fregueses de má vontade, o que demonstrava que ele não gostava do que fazia. Mão de Luva convenceu-o a segui-lo. Logo, tornaram-se cúmplices; esse cúmplice era a pessoa a quem o Mão de Luva confiava e conversava longamente, durante as viagens pelas matas e estradas das Minas Gerais. Concomitantemente, Mão de Luva praticava seus primeiros roubos, acompanhado pelo Simão. Mão de Luva percebeu que era mais fácil tomar à força, o ouro daqueles garimpeiros do rei, do que trabalhar, de sol a sol na bateia, procurando ouro. O Mão de Luva começou realmente garimpando; só que ele lavrava ouro nos córregos e afluentes dos rios Macuco, Negro e Grande, só que com um diferencial: negava-se a pagar o “quinto” para o vice-rei, sendo então perseguido pelos soldados da Corte. Foi quando, então, percebeu que seria melhor que outros lavrassem o ouro e ele tomava o mesmo para si. Seu bando, como já dito, agia qual piratas, saqueando as tropas que transportavam o ouro dos garimpos das “gerais”, e que eram encaminhadas ao Rio de Janeiro.
A região onde o Mão de luva agia era conhecida por “sertões de Macacu”. Um mapa cartográfico da época (datado de 1767), denominava essa região como “região dos índios brabos”. A Vila de São Pedro de Cantagalo, então, não existia; só foi fundada depois, em 1814! Nos dias atuais, Macacu faz parte de Minas Gerais e Cantagalo do  estado do Rio de Janeiro. Lembro aos leitores que, à época, o garimpo clandestino era considerado uma “contravenção”.
Tanto infernizou a Corte, que o Mão de Luva recebeu os adjetivos de “Facinoroso” (do rei D. José I) e “Rebelde”, do próprio vice-rei. Ele era também adjetivado por “Luva de Xopotó”.
Seu bando era composto por 36 bandidos, sendo 23 escravos e mais 13 homens; entre brancos e pardos livres. Dentre os brancos, dois eram seus irmãos e dois primos (os Lopes). O bando do Mão de Luva era conhecido por “Bando da Montanha”, assim como “Bando da Mantiqueira”. 
O Mão de Luva era também contemporâneo de outro mito brasileiro, o Tiradentes (mártir da Independência); tendo havido um breve contato ambos, por conta de um “affair” romântico entre o Manuel e uma irmã do alferes Joaquim José da Silva Xavier.
Em 1786, o Mão de Luva e seu bando teriam sido capturados pelo sargento–mor Pedro Afonso Galvão de São Martinho, sendo levado para a prisão em Vila Rica (hoje Ouro Preto). De Vila Rica ele, aos 53 anos de idade, foi degredado para a África em 1787, onde morreu.
Em minhas pesquisas, descobri também que o Mão de Luva poderia não ser nobre, nem branco de verdade; mas sim “mulato”! A omissão de tal fato, se verídico for, deve-se creditar à elite branca que, enfim, tinha um herói para chamar de seu.

REFERÊNCIAS E SUGESTÕES DE TEXTO
. nitcult.com.br/luva.htrr
. vo.avozdaserra.com.br - Sandra Pesavento 
. CEPEC – Centro de Estudos e Pesquisas Euclides da Cunha
. Conversas de Pretos (publicado em 1822)
. Dados colhidos aleatoriamente na internet.

Antônio Carlos Affonso dos Santos
– ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 9 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de 5 outros publicados em antologias junto a outros escritores.

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