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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira..
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 31 de julho de 2024

PINHO DA SILVA - TERESINHA

 Chamava-se Teresinha, e fazia hoje anos. Era morena, daquele moreno, centeio e transmontano que tem sol por dentro: rosto bronzeado de princesinha moira, seus olhos reais abertos para a irrealidade das coisas e das almas!...

Chamava-se Teresinha, e fazia hoje anos...

Tinha fartos cabelos insculpidos de ondas profundas, em pau-preto filamentado e dúctil. Quando saltava às cordas (" zás! zás! za´s! ") os pés muito juntinhos, aos pulos, saltando e saltando, – e a corda vermelha descendo e batendo: ("prás! prás! prás! “) os grossos e espiralados caracóis cor-de-noite, que lhe ladeavam a carita de porcelana tostadinha, também saltavam ("zás! zás! zás! "); também batiam ("prás! prás! prás!"): eram como sinos de carrilhão alegre, bimbalhando, em catedral de esperanças, um hino infantil de avezinha amanhecida...

Teresinha garota e traquina esfuziava, pelo liceu da Praça do Coronel Pacheco, como rastilho lúdico, estralejando risos e conquistando simpatias. Qual das suas antigas condiscípulas a recorda sem saudade?!...

Ai, as aulas do primeiro ciclo, com Teresinha, criança, sobre um banco para chegar ao quadro!...

Ai, as molhadelas até aos ossos, e os sapatos afogados!...

Ai, os outros sustos da " pedra-do- estiquete!..."

Ai, a figura sinistra e negra, da talvez ex-freira!...

Ai, o grande casarão monástico, transformado em cortiço minérvico de abelhinhas esculpidas em corolas rociadas !

Teresinha cresceu. Fez-se senhora. Já não saltava às cordas (" zás! zás! zás!"), os pés muito juntinhos, aos pulos, saltando e saltando, – e a corda vermelha descendo e batendo: (" prás! prás! prás! ")

Teresinha cresceu...

Casaquinho vermelho, de botões prateados, e saia escocesa; livros entalados no braço, na cabeça uma boina clara; no rosto uma larga pincelada de sol, onde bailavam sombras oscilantes de roseiras, e brilhavam dois olhos luminosos e meigos, semicerrados pela violência da luz estival, estou a vê-la chegar das aulas. Do alto do patim da escada, junto da qual floriam jarros, quantas vezes a esperei! E ela ao ver-me esperá-la, a sorrir:

- "Olá! Está ai?!"

- "Não! Estou lá fora! "

Teresinha parava. Olhava-me, entre risonha e trocista:

 - "Com que então o " senhor" está lá fora?! Ora não querem lá ver?!!! "

E porque era transmontana, e achava delicioso, e saborosamente arcaico, certos termos e expressões da sua terra: (- " Dê-me um cibinho de pão!"; - " Colhi um mandil de casulas chicharas..." - "Estava arrimado ao fundo das escaleiras"), por vezes rematava apenas:

- " Ora não?"

No ar cruzavam borboletas brancas, e diluíam-se vagos perfumes de roseirais em flor!

 Ao longe, gemiam rolas...

Lembras-te desse tempo, Teresinha?

Tu lembras-te?

" Ora não"?

Com areia fina entre dedos de criança, o tempo fugiu imperceptivelmente...

Teresinha acalenta os filhos. Por duas vezes ela os vê florir entre os seus braços:

- " Já se quer erguer!"

- " Já tem dois dentinhos!"

  - "Já começa a andar! "

- "Já diz:"mamã"!

Teresinha mamã, sente-se inundada de felicidade!

Aperta ao coração os pequeninos que Deus lhe deu, e ergue os belos e grandes olhos castanhos para o azul do céu...É de lá, desse lago aéreo onde vagam as pombas, que descem os anjos pequeninos!...

- "Já se quer erguer!"

- "Já tem dois dentinhos!"

- "Já começa a andar! "

- "Já diz: "mamã!"

Lembras-te desse tempo, Teresinha? Tu lembras-te?

"Ora não"? "Ora não", Teresinha?

Na sua cama de doente, debaixo de uma colcha alvíssima e bem esticada, Teresinha geme baixinho. Sobre os grandes olhos castanhos, como sobre o seu espírito, que tão luminoso foi, desceu a treva. Lá fora também há escuridão: a escuridão da noite e das almas! E há gemidos: os ventos de Novembro, envolto em bátegas de chuva e de granizo...Noite de lágrimas!...

Lutando contra tudo e contra todos, os filhos conseguem chegar à sua cabeceira. Afagam-lhe a cabeça torturada; beijam-lhe o rosto crispado; apertam entre as suas mãos de homens as mãos femininas que lhes ampararam os primeiros passos...Mas Teresinha é tão infeliz que não se apercebe da sua presença, e continua a gemer baixinho...

Ai, as cordas vermelhas descendo e batendo!

Ai, os pés de Teresinha pulando e saltando!

Teresinha menina...

Teresinha estudante...

Teresinha mulher...

Teresinha mamã...

Chamava-se Teresinha e fazia hoje anos!

 Pobre Teresinha!...

Transcrito de: “ O Comércio do Porto” – 01/08/1969 – secção:  “Apontamentos”.

PINHO DA SILVA – (1915-1987) – Nasceu em Santa Marinha, Vila Nova de Gaia. Frequentou o Colégio da Formiga, Ermesinde, e a Escola de Belas Artes, do Porto. Discípulo de Acácio Lino, Joaquim Lopes e do Mestre Teixeira Lopes. Primo do escultor Francisco da Silva Gouveia. Vilaflorense adotivo, por deliberação da Câmara Municipal de Vila Flor.
Tem textos  dispersos por várias publicações, entre elas: “O Comércio do Porto”, onde mantinha a coluna “ Apontamentos”, e o “Mundo Português”, do Rio de Janeiro, onde publicou as “ Crônicas Lusíadas”. Foi redator do “Jornal de Turismo”, membro da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto, e secretário-geral da ACAP. Está representado na selecta escolar: " Vamos Ler", da: Livraria Didáctica Editora, com o texto : " Bacos e redes".

Nota do "Memórias": Pinho da Silva era Pai do nosso estimado amigo e colaborador, Humberto Pinho da Silva e "Teresinha" era Sua extremosa Mâe que nasceu em1 de agosto  de 1915 e faleceu  em 30 de Novembro  de 1968.

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