terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Roteiro dos sabores fumados de Trás-os-Montes

Em pleno inverno, a região celebra um santo popular do verão, chamando "São João das chouriças" à sucessão de feiras dedicadas ao fumeiro. De Chaves a Vinhais, Montalegre e Bragança, são oportunidades para provar os melhores presuntos e enchidos de porco bísaro e iguarias da região, como mel, folares e pão.

Toda a gente sabe o que é uma alheira, que é um enchido de carne e gordura de porco, misturada com carne de aves (ou de caça, vaca, salpicão ou presunto envelhecido), pão de trigo, azeite e banha, condimentados com sal, alho, colorau e, por vezes, picante. Poucos sabem, no entanto, que só a de Mirandela tem direito a certificação regional, e apenas se for feita com porco de raça bísara (de criação circunscrita aos distritos transmontanos, Bragança e Vila Real, magro, de pernas altas e orelhas pendentes, bem diferente do roliço alentejano) pelo menos a 50%, eventualmente cruzado com as raças Landrace, Large White, Duroc e Pietrain.

E sabe o que é o butelo, habitualmente servido com casulas (cascas de feijões secas, demolhadas e cozidas), que a tradição, em Bragança, manda comer por altura do Carnaval, essa festa que na região assume uma identidade particular, assente nos coloridos caretos de máscaras narigudas? Nada mais que um enchido artesanal, envolvido pela bexiga ou pelo bucho do porco e recheado de ossinhos do espinhaço e das costelas, com carne agarrada.

Estas e muitas outras informações, além de exemplares de alta qualidade, para degustar e comprar, estarão à disposição de quem, até março, partir à descoberta dos sabores transmontanos nas sucessivas feiras de fumeiro que a região promove anualmente por esta altura, com o intuito de mostrar o que nela melhor se faz e recebendo milhares de curiosos e apreciadores dos seus enchidos artesanais fumados, que atualmente representam um volume de negócio de 50 milhões de euros por ano, só em quatro concelhos transmontanos: Mirandela, Vinhais, Montalegre e Boticas.

Foi precisamente em Boticas que começou a rota dos fumeiros de Trás-os-Montes, com a Feira Gastronómica do Porco, que decorreu de 11 a 13 de janeiro, "importante fonte de receita para o concelho", segundo o seu presidente da câmara, Fernando Queiroga, onde se elegeu a melhor chouriça e melhor salpicão num certame com 39 produtores.

Ainda nas terras frias de Trás-os-Montes, em pleno planalto barrosão, no sopé da serra do Larouco, destaca-se outro certame, que se autointitula "a feira-rainha do fumeiro" e popularizou o slogan "São João das chouriças" graças às cerca de 50 toneladas de chouriças, chouriços, farinheiras, alheiras, sangreiras (enchidos de sangue), pás, pés, barrigas, salpicões e presuntos, tudo fumado com os aromas de lenha seca da melhor estirpe, que costuma ter à venda: é a de Montalegre - que se realiza de 24 a 27 de janeiro, como de costume no Pavilhão Multiusos da vila onde estão sediados os irmãos Gonçalves, criadores dos vinhos Mont'Alegre, que muito têm feito pela reputação do vinho transmontano.

Trata-se de uma "montra do mundo rural" - da apicultura à panificação, em que o pão de centeio é ex-líbris -, que injeta cerca de 2,5 milhões de euros na economia local, entre o negócio dos produtores de fumeiro e o comércio, restauração e hotelaria.

Não é de subestimar, mas também não vale a pena entrar em depressão se não conseguir conciliá-la com a sua agenda: logo no fim de semana seguinte, de 1 a 3 de fevereiro, e sem sair do distrito de Vila Real, também há feira em Chaves (onde aos enchidos se junta o famoso presunto, o pastel, o folar e outros artigos de panificação), enquanto em São João de Corveira, no concelho de Valpaços, a mais modesta Feira de São Braz, que se realiza há 200 anos, junta ao negócio de fumeiro, o artesanato, a animação musical e até as chegas de bois (lutas de toiros, também com lugar de destaque em Montalegre).

Já no distrito de Bragança, impõe-se a Feira de Fumeiro de Vinhais, vila envolvida pela serra da Coroa e nobres castanheiros, de onde vêm os frutos de primeira qualidade que alimentam os suínos - por aqui chamados leitões, laregos, farrôpos e marranchos -, matéria-prima de enchidos de exceção, certificados com Indicação Geográfica Protegida (como as alheiras de Mirandela), entre chouriços azedos e chouriças de carne, bofe, sangue ou doces, salpicões, presuntos e alheiras. Decorre em fevereiro, com grande sucesso, desde 1981, este ano de 7 a 10.

Nas terras frias, Bragança fecha as festas com o Festival do Butelo e das Casulas, que coincide com o Carnaval dos Caretos: de 1 a 3 de Março, a cidade celebra de uma assentada - na Praça Camões, por três dias - o melhor da gastronomia e da cultura da região, incluindo ainda folclore e artesanato.
Finalmente, a 2, 3, 9 e 10 de março - sem sair de Trás-os-Montes, mas entrando já pelas terras quentes (abaixo dos 600 metros de altitude e com um microclima de verões abafados e escaldantes) - é a vez de Mirandela celebrar a sua famosa alheira numa feira que abrange os restaurantes da cidade e alia os enchidos a outros produtos típicos do concelho, dos queijos aos vinhos, azeites, compotas, cogumelos, mel e pão.

Feira de Fumeiro de Montalegre
24 a 27 de janeiro, Pavilhão Multiusos: 5.ª, 17h-2h; 6.ª e sáb., 10h-2h; dom., 10h-20h

Sabores de Chaves
1 a 3 de fevereiro, Pavilhão Municipal: 6.ª, 14h-24h; sáb., 10h-24h; dom., 10h-20h 

Feira de São Braz
2 e 3 de fevereiro, no centro da aldeia de São João da Corveira, Valpaços: sáb., 20h-24h; dom., 10h-20h

Festival do Butelo e das Casulas
1 a 3 de março, Praça Camões, Bragança: 6.ª a dom., 10h-20h 

Feira do Fumeiro de Vinhais
7 a 10 de fevereiro, centro de Vinhais, Pavilhão Fumeiro: 5.ª, 14h-19h; 6.ª a dom., 10h-20h

Feira da Alheira de Mirandela
2-3 e 9-10 de março, Parque do Império, Mirandela: sáb. e dom., 10h-20h

Revista Sábado

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