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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Um inverno - mudança de plano

O almoço estava maravilhoso. Tão simples e natural que fez despertar em mim, velhos sabores há muito esquecidos. Comemos distendidamente e, como por milagre, a minha tristeza encostou-se a um canto em deleitada contemplação.
Conversámos sobre "todos os do Brasil" como dizia a minha tia e eu lá lhe fui dando notícias pormenorizadas sobre cada um deles.
A minha avó ouvia, de olhos brilhantes, de lágrimas, talvez, as notícias dos seus três filhos ali emigrados e dos netos. Tinha saudades. Sabia que não os voltaria a ver a todos. Sabia que não conheceria os netos...
"Coma mãe, antes que arrefeça." "Não vês que estou a comer, filha." "Sim! Muito que ainda não mexeu no prato!" "Anda, mulher, come..."
Olhei para ela com imensa ternura, dei-lhe um beijo e insisti que comesse. Sorriu-me o seu sorriso travesso e levou a primeira garfada à boca.
Lá fora, parara de chover. O nevoeiro dava mostras de querer levantar. Um raiozinho de sol anunciava-se timidamente. "Que bom, parou de chover!"
Continuámos a conversar e a minha tia insistia na ideia de que nunca na sua vida iria ao Brasil. "É país que não visitarei. São todos índios e selvagens..." "Tia, me espanta que diga isso sendo professora! O Brasil é um país lindo, maravilhoso. O povo é hospitaleiro e afável." "Sim, e a violência e a criminalidade?" "Existe, é um facto, mas proporcionalmente. Eu nunca fui assaltada lá e você sabe que me levantava muito cedo para ir para a faculdade. Tinha de apanhar o ônibus das seis da manhã para começar as aulas às oito." "Tiveste sorte. O teu pai e os teus tios já foram assaltados umas poucas de vezes..." "Algumas, é verdade, mas sem violência, muito calmamente. É só não oferecer resistência e disponibilizar o dinheiro." "Aí está! Isso é vida?" Os meus avós ouviam, suspensos, a nossa conversa. "O que eu queria era tê-los todos cá.", disse o meu avô.
Defendi o país que me tinha acolhido de braços abertos e que amei (e amo), mal pus os pés no aeroporto de São Paulo. Tudo era novo, único, deslumbrante... Os sabores, as cores, os cheiros apoderaram-se do espaço a eles reservado e empurraram para o fundo do compartimento os que conhecia. Era uma pequena rapariguinha, curiosa, capaz de me abrir ao mundo e a tudo o que ele me oferecia.
Adaptei-me como se ali tivesse nascido. Integrei-me com uma facilidade admirável. Fiz amigos como quem bebe uma água de coco. Tudo era perfeito...
Portugal transformou-se num lugar longínquo.  Da minha aldeia conservei o azul do céu, tão lindo que até dói e o rio, no verão, que era só risos e chapinhar na limpidez e frescura das suas águas puras.
Até a perfeição tem as suas pequenas máculas e essas são poderosíssimas. Vão corroendo o brilho e, aos poucos vamo-nos apercebendo que a felicidade que sentimos está algo enevoada. Interrogamo-nos, refletimos, continuamos com a nossa vida, casa faculdade, faculdade trabalho, trabalho casa. Família, porto de abrigo.
Acabado o curso, a decisão irrompe no almoço de domingo e apresenta-se como facto consumado: "Pai, quero ir para Portugal. Vou começar a lecionar lá." "Mas filha, você vai ficar sozinha, ainda não é altura de nós regressarmos." "Eu vou primeiro, depois vão vocês..." "E vai para onde, vai ficar com quem?" "Com a sua irmã, né?"
Nova mudança de plano, panorâmica despreocupada.


Mara Cepeda
in:nordestecomcarinho.blogspot.com

2 comentários:

  1. Esta Senhora escreve como quem respira!!!!, fácil a deixar brotar em torrente os sentimentos que lhe vão no espírito. Retive do seu texto " Os sabores, as cores, os cheiros apoderaram-se do espaço a eles reservado e empurraram para o fundo do compartimento os que conhecia.", a dar-nos uma visão da capacidade de adaptação de que biologicamente vimos equipados.

    O texto acaba por nos dar com grande beleza o exemplo de que as raízes, as vivências da Infância e da Juventude, somente ficam adormecidas para mais tarde serem recuperadas com uma força ainda mais intensa.

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  2. Obrigada.
    Escrever é mais difícil do que respirar, pois de respirar não nos esquecemos, já que é natural em nós.
    A vida que nos cabe viver, nos tempos que correm, limita-nos enquanto seres criativos e sonhadores. Temos sonhos por cumprir e, também, a incerteza de o conseguir.
    As memórias, próprias e alheias, assumimo-las como nossas. Espero que a vida flua, tão natural como o ato de, simplesmente, respirar.

    Mara Cepeda

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