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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Um Inverno, quase Bragança

Foto: Eduardo
Manhã cedo, sono leve, salto da cama mais habituada às baixas temperaturas que se fazem sentir durante a noite/madrugada. Visto-me, vou à casa de banho onde me lavo, mal, com a água quase congelada do cântaro que ali havia deixado com esse propósito.
Fui para a cozinha onde ainda não estava ninguém. O lume estava apagado e não havia lenha para o acender, não que eu o soubesse fazer mas, se a houvesse, podia sempre tentar, quem sabe…
Sentei-me, enrolada numa manta que estava sobre o escano e aguardei, impaciente, que alguém se fizesse sentir.
Algum tempo depois, meia hora talvez, surge o meu avô. “Ó rapariga, que é que estás a fazer a pé tão cedo com este frio?” “A tia disse que vamos para Bragança.” “Isso sei-o eu, mas a tua tia gosta mais de dormir do que tu. Ainda vais ter de esperar um bocado. Deixa-me acender o lume que deves estar gelada.” Era verdade! Estava realmente com frio e tinha os pés e as mãos nada quentes.
O meu avô abriu a porta e eu fui atrás dele. Estava farta de estar ali sentada sem fazer nada. Podia ser que me ajudasse a aquecer. Estava tudo completamente branco de geada. Dos beirais das casas penduravam-se belos pingentes de gelo. A água do tanque tipo por cima uma grossa camada de gelo que eu tentei partir com uma pedra que ali havia. Esforço infrutífero. Não consegui fazer a mais pequena mossa naquele bloco. Olhei para as minhas mãos e vi que estavam vermelhas, muito vermelhas. Não me importei. Parecia uma criança à descoberta de tesouros únicos.
Junto à parede exterior da casa virada para o tanque existia uma enorme e antiga roseira, agora completamente despida de folhas mas cheia de flores brilhantes de cristalino gelo. No adro da igreja, as oliveiras da Senhora, pareciam princesas enfeitadas para o seu casamento. Tantos pingentes a reluzir no alvorecer da manhã!
Olhei em volta e apaixonei-me, perdidamente, como no poema de Florbela Espanca. A paisagem que circundava a, agora, minha aldeia, era deslumbrante, inopinadamente, descobri que era ali que eu me encontraria sempre que fosse necessário encontrar-me…
Ouvi, como num sonho, chamar por mim. Lentamente regressei ao frio. Virei-me para a casa com algum vigor e escorreguei. Não sei como, agarrei-me ao rebordo do tanque e, muito a custo, consegui equilibrar-me. Vi o meu avô, à porta, a mandar-me entrar. Encaminhei-me para casa não sem alguma dificuldade de que só agora me apercebera.
Subi as escadas e senti o bafo quente do lume aceso. O cheiro da lenha entranhava-se-me nas narinas sem que o conseguisse reconhecer. Acordava, finalmente, para a minha nova realidade de que ainda nada conhecia. O dia prometia ser longo de emoções e descobertas. O tempo tinha parado na inexistência de mim, ali, livro aberto, ávido de novos saberes.
“És bem maluquinha, filha! Com o frio que faz lá fora, tão mal agasalhada…” “Ó avô, é tudo tão lindo!” “Esta agora! Esta rapariga não é bem certa da cabeça…” O meu avô ria-se.
“Deixa-me ver as tuas mãos. Pois, estão frias como gelo. Espero que não te constipes. Aquece-te! Vamos lá fazer café.”
Foi até ao louceiro e trouxe o pote que normalmente se usava para fazer o café. Encheu-o de água e pousou no lar. Mandou-me baixar a mesa e por a toalha. Foi buscar o pão, o queijo, o presunto, uma chouriça e, claro, a chicha gorda, sua preferida. Trouxe, ainda, mel das suas colmeias. Dentro do frasco estava um favo. Abriu-o e, com a sua palaçoulo, cortou um pedacinho do favo e passou-mo para a mão em cima de uma pequena fatia de pão. “Experimenta!” Ordenou.
Assim fiz. Só quem já chupou um favo de mel pode entender aquela sensação. Lambuzamo-nos todos, sentimos na boca o mel de sabor incomparável e o sabor a cera no final. É uma experiência diferente, agradável, cada vez mais rara. Lavei as pontas dos dedos na água do lato que já aquecia ao lume. Limpei-os a um pano que por ali se encontrava.
Estava, finalmente, quente, reconfortada… A minha avó apareceu vinda do nada. Deu os bons dias. Dei-lhe um beijo. Sentou-se num tripé quase em cima das brasas. Tinha frio.
O café estava pronto, comíamos os três em silêncio, eu, apreciando os novos sabores, eles, silenciosamente sábios, dos muitos anos já vividos, observavam.
Lá fora brilhava o sol coberto de inverno, lindo!
“Bom dia! Isso é que foi madrugar!”
Bragança distava uns escassos quarenta quilómetros dali. Algumas peças de roupa numa pequena mala. O Joli a ladrar alegremente. A gata a miar aninhada junto à lareira…
“Vamos embora. Até amanhã.” “Tchau avô, tchau avó!” O pequeno e valente carro verde, retirado da garagem, responde à primeira. Patina ligeiramente. O choro dos pingentes de gelo é preguiçoso.       


Mara Cepeda
in:nordestecomcarinho.blogspot.com

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