Vários apelos, com as mais diversas origens, não comoveram o governo, que nos próximos dias apresentará aos deputados e deputadas à Assembleia da República uma proposta que visa a eliminação de quatro feriados, dois deles cívicos, os restantes, religiosos. A decisão ficará então nas mãos dos deputados e deputadas eleitos pelo país e é a eles que por isso se dirigem os historiadores que subscrevem esta carta.
O governo apresenta razões de índole económica para fundamentar a sua proposta, o que não surpreende. Sabe o governo que no actual contexto de crise é atraente justificar toda e qualquer medida em nome da melhoria da economia nacional. Acontece, porém, que uma das principais fragilidades desta proposta é a ideia menor de economia que a inspira.
Diz o governo que implementar mais quatro dias de trabalho se traduzirá em aumento da produtividade nacional. Porém, no fundamental, o aumento da produtividade depende não da quantidade de trabalho, mas da qualidade do processo produtivo. E no caso português, como reconheceram patrões e sindicatos, assim como economistas de todos os quadrantes, é justamente a escassa qualificação tecnológica do processo produtivo que tem constituído um obstáculo principal ao desenvolvimento económico. Aprovassem esta proposta do governo e os deputados e deputadas estariam a dar um sinal às empresas e aos trabalhadores de que a questão da qualificação é um assunto menor. Tratar-se-ia de um sinal agravado por se juntar a decisões particularmente gravosas tomadas recentemente pelo governo, nomeadamente quanto à diminuição significativa de investimento em ciência e tecnologia.
Só o fervor moralista explica que o governo faça por ignorar que o tempo de lazer da população é economicamente valioso: não há trabalho de qualidade sem descanso de qualidade. Os direitos sociais são não apenas um fundamento da democracia e o direito ao lazer, a uma vida além do trabalho, é uma das grandes conquistas dos movimentos sociais da época contemporânea, mas os direitos por que vos escrevemos são também condições de uma economia que se queira próspera.
Permitir agora a supressão dos feriados é iniciar o caminho de volta na longa estrada que nos conferiu o direito ao fim-de-semana, ao limite de horas de trabalho ou ainda ao período de férias. Votando favoravelmente a proposta do governo, será esse o caminho que os deputados e deputadas do país trilharão
Queremos, igualmente, chamar a atenção para os feriados civis que estão em questão. O governo propõe-se eliminar o 5 de Outubro e o 1 de Dezembro. É o mesmo que impedir a comunidade de celebrar-se como tal, como identidade, nas datas que simbolizavam a restauração da independência e a implantação da República. Presumem os governantes que questões de ordem simbólica, como os feriados que visam reunir a comunidade nacional nas suas celebrações identitárias, não têm implicação económica, mas engana-se. Nenhuma economia sobrevive à degradação do sentido de comunidade e este constitui-se tanto em momentos laborais como em ocasiões festivas.
Acresce a este respeito que a decisão de eliminar o 5 de Outubro é particularmente gravosa ao verificar-se poucos meses depois de, sob a vigência deste governo, terem sido encerradas, nessa mesma Assembleia da República, as cerimónias oficiais de comemoração do centenário da República. Nem a ditadura salazarista, que igualmente dizia ser imperativo seu sanear o problema das contas públicas, colocou em causa esse feriado. Um dia e um direito de celebração pública da República conquistado na rua, tantas vezes contra a repressão policial da ditadura: ides permitir Senhores e Senhoras deputados, que cem anos depois, ele seja suprimido com o vosso voto? Se assim for, a seguir o que virá?
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