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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite, Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Recordações


Parece que foi ontem. Num dia frio como o de hoje, com este sol enganador, levantei-me e abri a janela como todos os dias fazia. Senti o ar gelado na cara e, rapidamente voltei a fechar as portadas. Decidi que eram horas de fazer alguma coisa e, depois de dar uma lavadela ao rosto e às mãos, a água estava fria, muito fria, vesti-me e fui para a cozinha, onde, felizmente, já crepitava um excelente lume. 
A avó, sentada no seu tripé habitual, entretinha-se com um bocadinho de pão com marmelada dura, daquela que é ótima para comer com queijo. O avô, sentado no escano que ele próprio fizera há muitos anos, tinha o pão encostado ao peito, seguro com a mão esquerda e, na direita, a sua palaçoulo a cortar um bom carolo. Dei os bons dias e cheguei-me ao lume para me aquecer. 
"Queres pão, garota?" "Quero avô." 
Pousou o bocado que havia cortado para si num prato onde descansava um boa tira de carne de porco, gorda, de que o meu avô gostava muito, pesem embora todos os protestos da minha tia. Deu-me um bocado com bastante codea e disse-me para ir buscar alguma coisa para lhe juntar. Felizmente, ali não faltava que comer. O trabalho era muito, mas havia fartura.
O calor emanado da lareira fez-me bem. Senti-me confortada, acarinhada. Um agradável cheirinho a café chegou-me às narinas. Ia acordando, lentamente, da modorra de uma noite mal dormida. Fui buscar a minha caneca. Com a concha que estava dentro do pequeno pote, enchi-a até quase transbordar. Adocei-o com aquele açúcar escuro que, apenas ali, me sabia bem e o primeiro gole que dei foi como se o dia acordasse verão quente de agosto. Sentei-me, fechei os olhos, encostei a cabeça às costas do escano e aproveitei o momento. 
O mundo podia acabar enquanto eu estivesse ali. O prazer simples daquela manhã de inverno, persegue-me como uma saudade boa. 
"Então não comes, filha?" Ouvi a minha avó dizer-me, como se estivesse muito longe. Abri os olhos devagar e respondi que sim. Ato contínuo, peguei na grelha que o meu avô tinha utilizado para grelhar a carne e coloquei nela o meu pão para o torrar. Voltei a sentar-me, agarrei-me à minha caneca de café e fui bebericando, enquanto ia virando o pão para que não se queimasse. 
No lar não faltava a azeiteira pequena, sempre à mão para temperar os potes. Fui buscar um prato e lá coloquei a minha torrada que untei com o azeite dourado da nossa colheita. 
Comi, consolada, a minha rica torrada. Servi-me de mais café, forte e aromático como eu gosto. Aproveitei o calor do fogo e decidi que eram horas de acordar a minha tia. Tínhamos um compromisso e era necessário cumpri-lo. Dirigi-me ao seu quarto e bati à porta. Ouvi uma resposta sonolenta. "Anda, temos de ir ter com a tia Engrácia. Já te esqueceste?" "Não, não me esqueci. Já vou." 
Não muito tempo depois, lá apareceu ela, a bocejar, já vestida, encolhida de frio. Como eu, chegou-se ao lume e aqueceu-se. Fui buscar uma caneca que enchi com o fumegante café e coloquei-lha nas mãos. Bebericou. Sentou-se. Comeu... 
"Mãe, é capaz de nos fazer o almoço?" "Sou filha. Não te preocupes." "Coza umas batatas com couve troncha e asse umas alheiras. Já é altura de as provarmos. Vamos lá, então." 
Agasalhámo-nos e saímos para o frio. A casa da tia Engrácia não era longe. Após alguma ginástica para nos livramos das poças de lama, lá chegámos. A azáfama era grande. O mulherume ruídoso e alegre. Era dia de fumeiro e a minha tia era especialista em temperar as alheiras. A tia Engrácia não queria mais ninguém para essa função. Para mim, era uma aprendizagem. Nunca tinha feito nada disso e, portanto, tudo era novo e único. 
Esse dia ficou-me na memória das boas recordações. Os cheiros, os sabores, os rituais tão antigos como sábios do nosso povo, ensinaram-me mais do seu valor. Aprendi a valorizar o que até ali, conotava como estranho e bizarro. Dei valor às saudades da minha mãe que sempre nos falava das coisas da sua terra e da sua juventude.
Era inverno. O contraste entre o calor que se sentia dentro de casa e o frio da rua, tornava tudo mais especial. Havia, apenas, o vazio das cartas por escrever que a minha alma inquieta ansiava urgentemente. Era necessário contar estas coisas aos meus irmãos, relatá-las à minha mãe. Dizer ao meu pai que não se preocupasse que eu estava bem...
O Natal e o Ano Novo tinham passado. Estive só, embora acompanhada. Nada mais havia a fazer...

Mara Cepeda
in:nordestecomcarinho.blogspot.pt

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