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Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço.
A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)
(Henrique Martins)
COLABORADORES LITERÁRIOS
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.
quarta-feira, 16 de janeiro de 2013
«Trás-os-Montes» - Livro retrata estórias de uma infância transmontana
Tiago Patrício é farmacêutico de profissão, mas foi na literatura que encontrou a vocação. Vencedor do Prémio «Revelação Agustina Bessa-Luís 2011», com a obra «Trás-os-Montes», o autor guia-nos numa viagem que «avança entre uma melodia em Dó menor da Gaita-de-foles transmontana e o som das crianças a correr pelas ruas». Um livro que o escritor classifica como um «romance de personagens» onde se cruzam diversas «histórias de infância» e realidades como o abandono de terras, a perda de interesse pela agricultura ou a emigração.
Tiago Patrício nasceu no Funchal mas aos nove meses, quando o pai terminou a comissão de dois anos na Madeira, seguiu viagem para Trás-os-Montes onde viveu até aos 19 anos. «Só voltei ao arquipélago aos 20 anos, a bordo de uma Fragata da Marinha», conta.
É precisamente a partir da «casa de infância e adolescência», como caracteriza a região transmontana, mais concretamente entre duas aldeias, Carviçais e Mós, concelho de Torre de Moncorvo, que Tiago Patrício encontrou «todas as suas referências».
«Foi ali que aconteceu a criação do mundo e onde se começaram a definir todas as coisas. A partir de uma certa idade estamos só a tentar recuperar um pouco dessa primeira matéria inicial que vem da nossa infância», vinca. É a partir daqui que nasce a obra «Trás-os-Montes», o primeiro romance de Tiago Patrício, que venceu o «Prémio Literário Revelação Agustina Bessa Luís», em 2011, instituído pela Estoril-Sol.
A obra, que Tiago Patrício caracteriza «mais como um romance de personagens do que de enredos ou mesmo de geografia e as histórias de infância que se cruzam no livro não são apenas as minhas, mas todas as que me foram permitidas ver ou ouvir contar», explica.
A aldeia onde as personagens nascem, crescem e morrem, cujo nome nunca é mencionado, tanto pode ser em Trás-os-Montes como no Nordeste do Brasil. «Quis dar uma ideia de ambiguidade geográfica, apesar do título denunciar a região e de uma certa atemporalidade para poder concentrar-me naquilo que era essencial para mim: estudar o comportamento das personagens perante as descobertas diárias que a infância permite», revela o autor.
Contudo, adianta que a história se passa no final da década de 80 do século XX, quando Portugal adoptou o fuso horário da Europa Central e no Verão os dias duravam para lá das 22h00.
O livro, contextualiza Tiago Patrício, avança entre uma melodia em Dó menor da Gaita-de-foles transmontana, «que dá um tom melancólico, de fim de um tempo estruturado numa hierarquia rígida e o som das crianças a correr pelas ruas a abrir caminho ao novo e ao desconhecido».
Mas também há referências ao abandono das terras e à perda de interesse pela agricultura, à emigração e às famílias que partem para só regressarem no mês de Agosto, ao fim da actividade mineira e indirectamente ao ferro, uma vez que o concelho de Torre de Moncorvo tem as maiores jazidas de ferro da Europa. «Daí que o lema daquela vila seja: “Onde o Ferro é a alma da gente”», refere.
A história de «Trás-os-Montes» é simples de contar. Em Agosto de 2010 Tiago Patrício, conseguiu uma bolsa do Governo da República Checa, para um curso de Verão em Praga.
Quando regressou a Portugal, decidiu começar o primeiro romance e poder concorrer ao prémio «Agustina Bessa-Luís». «Parti de um manuscrito inicial, escrito entre os 19 e os 22 anos, com quase 400 páginas, mas depois de o reler achei melhor começar tudo de novo e concentrar-me apenas no final da infância das personagens. Dessa forma desliguei-me da minha própria biografia e deixei que as personagens se fossem construindo ao longo da narrativa. Tentei sempre dar-lhes uma autonomia que considero essencial para poder construir momentos de tensão e de algum fulgor poético», relata.
Depois do Natal de 2010, com quase dois terços do livro definido, o autor sentiu «que precisava de deixar o texto repousar» e decidiu fazer uma pausa. Em Março de 2011 voltou a dedicar várias horas por dia ao romance e a versão final surgiu a 15 de Maio do mesmo ano.
Em todas as personagens, explica, «há fragmentos da minha infância, como se todas partilhassem uma memória colectiva, uma vez que estão todas numa certa relação com o tom que percorre o livro, como se fosse também uma partitura, com uma coerência interna».
Contudo, sustenta, «nenhuma das personagens estava completamente definida à partida, elas foram crescendo e construíram-se mais por palavras, actos e omissões do que por imposições de composição».
E acrescenta: «prefiro que as personagens tenham uma agenda própria e múltiplas identidades, do que sejam amplificações dos meus interesses particulares».
«A importância de fazer travessias»:
O livro, à venda em todo o país (uma editado da Gradiva), foi entretanto apresentado pelo autor em quase todas as cidades e vilas de Trás-os-Montes. Uma importância que, Tiago Rodrigues descreve de forma simples: «quando conversamos sobre a actual condição de transmontano, o que sinto e tento transmitir, é a importância de fazer travessias».
«A fuga, na altura em que é preciso dar espaço e corresponder às ansiedades dos 20 anos e depois o regresso, lento e ponderado, quando sentimos que faz sentido levar essa aprendizagem para a terra onde crescemos e tentar desenvolver projectos de valorização e inovação», sublinha.
Há dois conceitos que Tiago Patrício sente «em permanente tensão positiva» com Trás-os-Montes, «o sentimento telúrico e o sentimento cósmico».
«No meu projecto pessoal de criação artística, quer na literatura, no teatro ou na arte contemporânea, sinto que um certo isolamento é fundamental para a criação e Trás-os-Montes, rodeado de montes e vales agrestes, oferece tudo isso com grande generosidade. É possível caminhar longas horas pelos campos sem ver ninguém e depois fazer a subida difícil a uma montanha e lá de cima conseguir uma vista extraordinária que alcança fronteiras. Depois do esforço e de sentir as botas na terra difícil, atinge-se a luz, o ponto mais alto, ao nível da clareza, mas também da grandeza. É um estar próximo da terra e uma aproximação ao cosmos, em intervalos muito curtos», descreve.
E como olha Tiago Patrício para Trás-os-Montes? O autor socorre-se do ferro, para estabelecer uma dicotomia. «Podemos pensar nele [ferro] como um metal inflexível, duro e pesado ao nível material, ligado à terra, às altas temperaturas e ao esforço do ferreiro no seu trabalho; por outro, ao nível molecular, sabemos que o ferro é um elemento que faz parte da nossa hemoglobina e que é fundamental para o transporte do oxigénio às células».
«Autonomia económica a vilas e aldeias»:
E também aqui, vinca o escritor, «se pode estabelecer uma dicotomia que desde há muito caracterizou esta terra: o transmontano, tanto é capaz de criar projectos comunitários como lutar com um vizinho por causa de um palmo de terra, tal como dizia Miguel Torga».
Recorda, por isso, que «não é só gente que falta em Trás-os-Montes, mas condições para que aquele que ainda existe se mantenha e as condições constroem-se aos poucos, preparando o terreno, com projectos de enraizamento, de geminação, para que possam chegar pessoas e voltar a dar autonomia económica a vilas e aldeias que, apesar de terem sobrevivido durante centenas de anos a desafiar os rigores do Inverno e a dureza da terra, hoje deixaram de ser viáveis, devido a um certo paradigma económico e político de vistas curtas».
O escritor adianta que um dos projectos que tem para a zona onde cresceu passa por criar uma residência para artistas de todo o mundo, «uma forma de colocar aquela região no circuito das artes criativas, a um nível emergente. Quase todos os anos faço residências artísticas um pouco por todo o mundo e é muito interessante ver que em certos lugares remotos passaram artistas jovens, que hoje são consagrados», afirma.
Tiago Patrício é licenciado em Ciências Farmacêuticas e estuda Literatura e Filosofia na Universidade de Lisboa. Começou a ser publicado entre 2007 e 2010, nas colectâneas Jovens Escritores, do Clube Português de Artes e Ideias. Venceu vários prémios em poesia (Daniel Faria, Natércia Freire) e teatro (Luso-Brasileiro-Menção). Escreve para as companhias Ponto Teatro (Porto) e Teatromosca (Sintra).
Este ano vai publicar um livro de viagens, intitulado «O Estado de Nova Iorque» e o segundo romance, «Numa Cidade Longe Daqui».
Alguns dos seus textos estão publicados em França, Egipto, Eslovénia e República Checa e podem ser consultados no blogue Cartas de Praga.
Ana Clara; Fotos - Tiago Patrício e Inês Encarnação
cafeportugal.pt
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