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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

«Trás-os-Montes» - Livro retrata estórias de uma infância transmontana


Tiago Patrício é farmacêutico de profissão, mas foi na literatura que encontrou a vocação. Vencedor do Prémio «Revelação Agustina Bessa-Luís 2011», com a obra «Trás-os-Montes», o autor guia-nos numa viagem que «avança entre uma melodia em Dó menor da Gaita-de-foles transmontana e o som das crianças a correr pelas ruas». Um livro que o escritor classifica como um «romance de personagens» onde se cruzam diversas «histórias de infância» e realidades como o abandono de terras, a perda de interesse pela agricultura ou a emigração.
Tiago Patrício nasceu no Funchal mas aos nove meses, quando o pai terminou a comissão de dois anos na Madeira, seguiu viagem para Trás-os-Montes onde viveu até aos 19 anos. «Só voltei ao arquipélago aos 20 anos, a bordo de uma Fragata da Marinha», conta.
É precisamente a partir da «casa de infância e adolescência», como caracteriza a região transmontana, mais concretamente entre duas aldeias, Carviçais e Mós, concelho de Torre de Moncorvo, que Tiago Patrício encontrou «todas as suas referências». 
«Foi ali que aconteceu a criação do mundo e onde se começaram a definir todas as coisas. A partir de uma certa idade estamos só a tentar recuperar um pouco dessa primeira matéria inicial que vem da nossa infância», vinca. É a partir daqui que nasce a obra «Trás-os-Montes», o primeiro romance de Tiago Patrício, que venceu o «Prémio Literário Revelação Agustina Bessa Luís», em 2011, instituído pela Estoril-Sol. 
A obra, que Tiago Patrício caracteriza «mais como um romance de personagens do que de enredos ou mesmo de geografia e as histórias de infância que se cruzam no livro não são apenas as minhas, mas todas as que me foram permitidas ver ou ouvir contar», explica.
A aldeia onde as personagens nascem, crescem e morrem, cujo nome nunca é mencionado, tanto pode ser em Trás-os-Montes como no Nordeste do Brasil. «Quis dar uma ideia de ambiguidade geográfica, apesar do título denunciar a região e de uma certa atemporalidade para poder concentrar-me naquilo que era essencial para mim: estudar o comportamento das personagens perante as descobertas diárias que a infância permite», revela o autor. 
Contudo, adianta que a história se passa no final da década de 80 do século XX, quando Portugal adoptou o fuso horário da Europa Central e no Verão os dias duravam para lá das 22h00.
O livro, contextualiza Tiago Patrício, avança entre uma melodia em Dó menor da Gaita-de-foles transmontana, «que dá um tom melancólico, de fim de um tempo estruturado numa hierarquia rígida e o som das crianças a correr pelas ruas a abrir caminho ao novo e ao desconhecido».
Mas também há referências ao abandono das terras e à perda de interesse pela agricultura, à emigração e às famílias que partem para só regressarem no mês de Agosto, ao fim da actividade mineira e indirectamente ao ferro, uma vez que o concelho de Torre de Moncorvo tem as maiores jazidas de ferro da Europa. «Daí que o lema daquela vila seja: “Onde o Ferro é a alma da gente”», refere. 
A história de «Trás-os-Montes» é simples de contar. Em Agosto de 2010 Tiago Patrício, conseguiu uma bolsa do Governo da República Checa, para um curso de Verão em Praga. 
Quando regressou a Portugal, decidiu começar o primeiro romance e poder concorrer ao prémio «Agustina Bessa-Luís». «Parti de um manuscrito inicial, escrito entre os 19 e os 22 anos, com quase 400 páginas, mas depois de o reler achei melhor começar tudo de novo e concentrar-me apenas no final da infância das personagens. Dessa forma desliguei-me da minha própria biografia e deixei que as personagens se fossem construindo ao longo da narrativa. Tentei sempre dar-lhes uma autonomia que considero essencial para poder construir momentos de tensão e de algum fulgor poético», relata.
Depois do Natal de 2010, com quase dois terços do livro definido, o autor sentiu «que precisava de deixar o texto repousar» e decidiu fazer uma pausa. Em Março de 2011 voltou a dedicar várias horas por dia ao romance e a versão final surgiu a 15 de Maio do mesmo ano.
Em todas as personagens, explica, «há fragmentos da minha infância, como se todas partilhassem uma memória colectiva, uma vez que estão todas numa certa relação com o tom que percorre o livro, como se fosse também uma partitura, com uma coerência interna».
Contudo, sustenta, «nenhuma das personagens estava completamente definida à partida, elas foram crescendo e construíram-se mais por palavras, actos e omissões do que por imposições de composição».
E acrescenta: «prefiro que as personagens tenham uma agenda própria e múltiplas identidades, do que sejam amplificações dos meus interesses particulares».
«A importância de fazer travessias»:
O livro, à venda em todo o país (uma editado da Gradiva), foi entretanto apresentado pelo autor em quase todas as cidades e vilas de Trás-os-Montes. Uma importância que, Tiago Rodrigues descreve de forma simples: «quando conversamos sobre a actual condição de transmontano, o que sinto e tento transmitir, é a importância de fazer travessias». 
«A fuga, na altura em que é preciso dar espaço e corresponder às ansiedades dos 20 anos e depois o regresso, lento e ponderado, quando sentimos que faz sentido levar essa aprendizagem para a terra onde crescemos e tentar desenvolver projectos de valorização e inovação», sublinha.
Há dois conceitos que Tiago Patrício sente «em permanente tensão positiva» com Trás-os-Montes, «o sentimento telúrico e o sentimento cósmico». 
«No meu projecto pessoal de criação artística, quer na literatura, no teatro ou na arte contemporânea, sinto que um certo isolamento é fundamental para a criação e Trás-os-Montes, rodeado de montes e vales agrestes, oferece tudo isso com grande generosidade. É possível caminhar longas horas pelos campos sem ver ninguém e depois fazer a subida difícil a uma montanha e lá de cima conseguir uma vista extraordinária que alcança fronteiras. Depois do esforço e de sentir as botas na terra difícil, atinge-se a luz, o ponto mais alto, ao nível da clareza, mas também da grandeza. É um estar próximo da terra e uma aproximação ao cosmos, em intervalos muito curtos», descreve.
E como olha Tiago Patrício para Trás-os-Montes? O autor socorre-se do ferro, para estabelecer uma dicotomia. «Podemos pensar nele [ferro] como um metal inflexível, duro e pesado ao nível material, ligado à terra, às altas temperaturas e ao esforço do ferreiro no seu trabalho; por outro, ao nível molecular, sabemos que o ferro é um elemento que faz parte da nossa hemoglobina e que é fundamental para o transporte do oxigénio às células». 
«Autonomia económica a vilas e aldeias»:
E também aqui, vinca o escritor, «se pode estabelecer uma dicotomia que desde há muito caracterizou esta terra: o transmontano, tanto é capaz de criar projectos comunitários como lutar com um vizinho por causa de um palmo de terra, tal como dizia Miguel Torga».
Recorda, por isso, que «não é só gente que falta em Trás-os-Montes, mas condições para que aquele que ainda existe se mantenha e as condições constroem-se aos poucos, preparando o terreno, com projectos de enraizamento, de geminação, para que possam chegar pessoas e voltar a dar autonomia económica a vilas e aldeias que, apesar de terem sobrevivido durante centenas de anos a desafiar os rigores do Inverno e a dureza da terra, hoje deixaram de ser viáveis, devido a um certo paradigma económico e político de vistas curtas».
O escritor adianta que um dos projectos que tem para a zona onde cresceu passa por criar uma residência para artistas de todo o mundo, «uma forma de colocar aquela região no circuito das artes criativas, a um nível emergente. Quase todos os anos faço residências artísticas um pouco por todo o mundo e é muito interessante ver que em certos lugares remotos passaram artistas jovens, que hoje são consagrados», afirma.
Tiago Patrício é licenciado em Ciências Farmacêuticas e estuda Literatura e Filosofia na Universidade de Lisboa. Começou a ser publicado entre 2007 e 2010, nas colectâneas Jovens Escritores, do Clube Português de Artes e Ideias. Venceu vários prémios em poesia (Daniel Faria, Natércia Freire) e teatro (Luso-Brasileiro-Menção). Escreve para as companhias Ponto Teatro (Porto) e Teatromosca (Sintra). 
Este ano vai publicar um livro de viagens, intitulado «O Estado de Nova Iorque» e o segundo romance, «Numa Cidade Longe Daqui».
Alguns dos seus textos estão publicados em França, Egipto, Eslovénia e República Checa e podem ser consultados no blogue Cartas de Praga.

Ana Clara; Fotos - Tiago Patrício e Inês Encarnação
cafeportugal.pt

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