Quando era pequena havia o carro dos avós e o dos pais, outro Fiat, e as viagens longas eram realmente longas. Como cantavam os Xutos & Pontapés, de Bragança a Lisboa eram "nove horas de viagem". E Inês chega a Portalegre em pouco mais de duas horas, no seu próprio carro, de que não prescinde para ir para o trabalho todos os dias, mesmo grávida de oito meses. O marido fica com o outro carro. Na família da irmã há um carro e uma mota e a mãe continua a conduzir.
A história espelha a de tantas famílias portuguesas: o carro tornou-se comum e as distâncias diminuíram muito desde 1986, ano de entrada na então Comunidade Económica Europeia. Se houve uma área em que a adesão mudou a face de Portugal foi a mobilidade, com a rede de estradas à cabeça. O alcatrão invadiu o País: foram construídos 5700 quilómetros de novos troços de autoestradas e itinerários principais e complementares, em grande parte com recurso aos fundos comunitários. Os números são impressionantes e fazem de Portugal o país da União Europeia com mais autoestradas per capita, uma densidade que é o dobro da média europeia.
A acompanhar a aposta na rede rodoviária houve uma explosão do número de carros. O País passou de um por seis habitantes para um por menos de dois habitantes. Houve vantagens: quase tudo ficou mais perto. O tempo médio de distância de Lisboa às capitais de distrito encurtou 43%. Chegar a Bragança demora agora cinco horas, por exemplo.
Mas 27 anos depois muitos questionam a aposta na rede rodoviária.
Para o presidente da Quercus, Nuno Sequeira, foi muito pouco inteligente do ponto de vista ambiental e até económico. "Grande parte desse investimento acabou por revelar-se um mau investimento. Estamos a ter dificuldades para pagar a construção da rede e a prazo vamos ter de pagar a manutenção. Sobretudo, porque foi um investimento desproporcional, por exemplo, em relação à ferrovia". Isto porque, em contraste com a rede de autoestradas, as linhas ferroviárias eletrificadas cresceram muito menos e estão bem abaixo da média europeia.
Nuno Sequeira considera que o alcatrão não trouxe os benefícios económicos esperados e funcionou como incentivo à explosão do transporte individual, do carro, que é "muito pouco sustentável do ponto de vista ambiental e até do ponto de vista energético, já que o País é obrigado a importar combustíveis fósseis, aumentando a dependência energética do exterior".
Nos últimos censos, 62% da população disse ir para o trabalho de carro, um aumento de 42% em relação à década anterior. Uma tendência que é preciso mudar com a aposta no transporte público coletivo e na chamada mobilidade suave: andar a pé e de bicicleta.
As bicicletas à procura do seu espaço na estrada.
É preciso olhar duas vezes e confirmar nas matrículas dos carros que não estamos noutro país - num do Norte da Europa, em que os estacionamentos à porta das estações de comboio têm mais bicicletas que carros e em que um terço da população se desloca a pedalar. É bem mais perto, na Murtosa, distrito de Aveiro, onde 16,9% dos habitantes usam a bicicleta para ir de casa para o trabalho - contra uma média nacional que é de 0,5%, segundo os últimos censos. "Os mais velhos nunca abandonaram este hábito e os mais novos estão a aderir muito bem, como se pode ver pelo estacionamento na secundária", aponta Paulo Guerra dos Santos, um engenheiro que estuda a mobilidade urbana.
Para Paulo, é preciso dar condições aos habitantes das cidades portuguesas para aderirem à chamada mobilidade suave: aquela em que usamos as pernas - a andar, de patins ou bicicleta - para nos deslocarmos. E isso passa por dar espaço às bicicletas na estrada, como aos outros meios de transporte, e não apenas em vias no passeio. "2011 foi o ano zero da bicicleta, foi o ano em que deixei de conhecer todas as pessoas que andavam de bicicleta", explica, mas é preciso mais.
Nunca será para toda a gente, mas do ponto de vista ambiental, de saúde e económico só tem vantagens, lembra o presidente da Quercus, Nuno Sequeira.
Por: Patrícia Jesus
in:dn economia
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