Número total de visualizações do Blogue

Pesquisar neste blogue

Aderir a este Blogue

Sobre o Blogue

SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 25 de julho de 2017

Nós Transmontanos, Sefarditas e Marranos - LUÍS DA SERRA (FREIXO DE NUMÃO, 1583 – 1642)

Terá nascido por 1583, na vila de Freixo de Numão, terra de seu pai, João da Serra, lavrador e de seus avós paternos. A mãe, Branca Lopes, seria originária de Foz Côa. Tinha uma dúzia de tios paternos (quase todos ausentes em Castela) e da parte da mãe apenas lhe conhecemos um tio, Gabriel Lopes, que casou e morou em Foz Côa e uma tia, Clara Lopes, cujo neto, Gabriel Ferreira, casou na família Isidro, de Torre de Moncorvo, com Isabel Cardosa. (1)

Contava uns 12 anos quando o levaram para Castela, fixando morada na povoação de Torrijos. Andaria pelos 30 anos quando regressou a Portugal para casar em Lamego, com Leonor Cardosa. Na mesma cidade fixou o casal residência e ali lhe nasceram 3 filhos: João, Francisco e Diogo da Serra Cardoso.

Luís governava a vida comprando e vendendo tecidos: um pequeno mercador ambulante, a avaliar pelos bens que lhe foram inventariados quando o prenderam na inquisição de Coimbra, em 20 de Abril de 1618 (2) e pelo teor das denúncias registadas no processo, bem como da sua defesa e contraditas. Verifica-se que ele frequentava feiras tão diversa e distantes como a de Bragança, Lixa, Vila Viçosa, Foz Côa… que ia a Amarante a comprar panos de linho, enquanto os panos de lã os ia buscar ao Alentejo. A venda era preferencialmente feita em Castela. Aliás, há testemunhos referidos ao tempo de solteiro e morando em Torrijos dizendo que ele e os irmãos “andavam vendendo lenço de lugar em lugar”.

Por quase dois anos Luís se defendeu dizendo que era cristão e os seus inimigos lhe levantaram acusações falsas. Acabou por alterar a sua posição e, na audiência de 26.2.1620, confessou que fora judeu e que os seus pais o doutrinaram a ele e aos irmãos e que todos os atos que fazia de cristão eram “por cumprimento do mundo”. Agora, porém, fora alumiado pelo Espírito Santo e queria confessar seus pecados e deles pedir misericórdia e perdão.

Saiu condenado em cárcere e hábito penitencial perpétuo, no auto da fé celebrado em Coimbra em 29 de março de 1620, posto o que foi mandado cumprir sua penitência em Lamego, sendo-lhe o sambenito tirado em 17 de Outubro seguinte, pelo comissário local do santo ofício, António de Sotto Maior. 

Pouco sabemos da vida de Luís nos anos que seguiram, para além de que sua mulher foi também presa pela inquisição de Coimbra em Março de 1623 (3) e que em Maio do ano seguinte lhe foi passado termo de soltura.

Por 1629, Leonor era falecida e Luís da Serra casou de novo, em Quintela de Lampaças, termo de Bragança, com Violante Rodrigues. Entraria bem na comunidade, pois o nomearam mordomo da confraria da Senhora do Rosário e, por sua ação e requerimento, conseguiriam os cristãos-novos da terra autorização episcopal para pegarem nas varas do pálio, privilégio de que geralmente fruíam os homens mais grados da terra e de garantida cristandade.

Por outro lado, ele e o seu sogro, António Rodrigues Marto, (4) gozariam de certo prestígio (ou reverência) e exerceriam uma certa liderança no interior da comunidade marrana da terra, na medida em que ambos tinham “estagiado” nas masmorras da inquisição, prova concreta de sua inclinação judaica. A ponto de a casa do Marto, Negas de alcunha, ser o local onde se reuniam em sinagoga e Luís da Serra desempenhava o papel de “chamador”.

Verdadeiro escândalo, que abalou Quintela e Trás-os-Montes foi a celebração de uma “missa judaica” na sinagoga do Marto no dia 1 e primeiro domingo de Outubro de 1634. Vejamos como Beatriz Lopes, uma das participantes na cerimónia, a descreveu:

- Estando todas as 23 pessoas (5) em casa de António Rodrigues Negas, em uma câmara sobradada e nela estava uma mesa coberta com uma toalha e em cima 4 tigelas e em cada uma sua torcida acesa, e não dá fé que em cima da mesa estivesse imagem alguma, somente estava um livro; e tanto que as ditas pessoas estiveram juntas, saiu de outra câmara o dito António Rodrigues Negas vestido com uma sobrepeliz e trazia uma vestimenta branca e vermelha, do feitio daquelas com que se diz missa e trazia um barrete na cabeça (…) e se pôs a ler no livro que nela estava, e enquanto leu estava com a cabeça descoberta; e estando assim um pouco se virou e falou com todas as ditas pessoas dizendo que faziam aquele ajuntamento por guarda da lei de Moisés (…) e todas aquelas pessoas disseram que estavam em jejum naquele dia por guarda da lei de Moisés e que era o dia grande (…) o dito ajuntamento durou até de manhã…

Não vamos falar das devassas, inquéritos e visitações inquisitoriais que se seguiram, nem das fugas (mais de 40) e prisões (umas 20) feitas pela inquisição – uma autêntica razia, uma completa limpeza étnica e da heresia judaica. (6) Diremos tão só que o oficiante e dono da “sinagoga” faleceu antes de chegar o mandado de prisão e que Luís da Serra foi um dos que pagaram com a vida a participação na “missa”. Acompanhemos o seu processo.

A ordem de prisão, de Luís e mais 18 moradores de Quintela, foi dada em Lisboa pelo conselho Geral, em 1.12.1637, essencialmente baseada na participação da “missa judaica”. Mais de metade não foram presos porque tinham fugido. E muitos se espantavam porque Luís não fugia, ele que corria o maior perigo pois que já antes fora penitenciado em auto da fé. Pelo contrário, ele  afirmava publicamente:

- (…) Que não havia de fugir, que já se dava por preso, mas que os filhos o vingariam (…) havia de deixar por bênção e maldição a seus filhos que matassem à espingarda a quem o prendesse, onde quer que estivesse.

Fanfarrão, quezilento, homem de expedientes e fértil imaginação, Luís “não fazia outro ofício mais que jogar” – no dizer de uma testemunha. E, no jogo, ou qualquer outra ocasião tinha o hábito de jurar, usando uma estranha fórmula: - “Papudo seja eu se…” com isto querendo ofender os “papistas” - seguidores do papa.

As suas contraditas mostram-nos um homem em luta contra o mundo todo. Eram seus inimigos todos os cristãos-velhos, conforme declarou aos inquisidores:

- Disse que se acumularam e foram de assuada a ele, com armas, chuços, manguais, pedras, arremeteram sobre grandes dúvidas que tiveram para o matar e assim como mulheres, filhos, machos e fêmeas, meninos e meninas (…)” todos mata, mata a estes cães judeus perros…”

E eram também seus inimigos os de sua nação, conforme declarou, na mesma audiência:

- Disse que todos os cristãos-novos de Quintela, homens e mulheres, moços e moças, todos de mão armada se ajuntaram contra ele réu e seus filhos dizendo “morra este soberbo inimigo pois somos tantos, não queira ter domínio sobre nós; a todos nós quer avassalar, como senhor da terra”. E lhes respondeu o réu “que sete lugares daqueles não lhe faziam papo e todos pisaria debaixo dos pés”.

Especialmente visados eram os padres, de Quintela e das aldeias em redor. Vejam o que ele disse para os inquisidores:

- O abade de Macedo do Mato, o abade de Carrazedo, o abade de Vinhas e o de Sendas e o encomendado de Vale da Porca e seus curas, todos são suspeitos por dúvidas que teve com todos, em Bragança, onde lhes chamou nomes afrontosos como filhos da puta, comedores desavergonhados.

Por detrás desta máscara haveria um outro Luís da Serra que, de manhã chegava à porta ou à janela e ficava “rezando para o nascente do sol” orações como estas que ditou para o processo:

Alto Deus de Abraham

E rei forte de Israel

Tu que ouviste a Ismael

Ouve a minha oração

Tu que nas grandes alturas

Te aposentas, Senhor,

Ouve a mim pecador

Que te chamo das baixuras.

Terminamos transcrevendo a informação enviada pelo abade de Quintela para o tribunal da inquisição:

- Certifico eu Paulo Peixoto dos Santos abade de Quintela de Lampaças que nesta igreja  de nossa Senhora da Assunção  de Quintela fica armado   um retrato  de Luís da Serra  que neste lugar  foi morador  o qual foi queimado  por herege  na cidade de Lisboa  no auto que se fez a 6 de Abril de 1642.

NOTAS e BIBLIOGRAFIA:
1-ANDRADE e GUMARÃES, Os Isidro, a Epopeia de uma Família de Cristãos-novos de Torre de Moncorvo, ed. Lema d´Origem, Porto, 2012.

2-ANTT, inq. Coimbra, pº 5360, de Luís da Serra.

3-IDEM, pº 9333, de Leonor Cardosa.

4-IDEM, pº 2261, de António Rodrigues Marto.

5-IDEM, pº 2007, de Beatriz Lopes. Os números divergem. A própria Beatriz, dá em seguida, o nome de 26 participantes.

6- ANDRADE e GUIMARÃES – Nas Rotas dos Judeus em Trás-os-Montes, ed. Âncora, Lisboa, 2013.

António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães

Sem comentários:

Enviar um comentário