Por: Fernando Calado
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)
- Bom ano!
Abro a janela…mais frio… um dia igual a tantos outros, sem nada de novo…nem o sorriso da rapariga que se vestia de lavado… e penteava, à porta, o longo cabelo. Sentia-se no ar o cheiro a perfume TABÚ de contrabando, comprado nas aldeias raianas. Os rapazes já não vestem a samarra, nem falam em cabeças de gado, nem em alqueires de trigo que se adivinham fartos para o ano novo. Já não há beijos de novidade à beira da fonte… nem as mulheres passam grávidas escondendo o ventre de futuro e esperança, no longo xaile.
A minha vizinha continua agarrada ao cajado, mancando e gemendo: - Valha-me Deus, valha me Deus!... há mais de uma semana que a galinha poedeira deixou de pôr… não sei o que se passa!
Um homem velho esqueceu-se de recolher a lenha. Nem o diabo faz arder esta lenha molhada…nem o diabo! Treme de frio… de longas ausências… só a mulher que já morreu espreita ao canto da memória… mas o lume continua apagado!
Sofro as ausências dos que estão doentes… foram para o Lar… e os rebanhos escasseiam… as casas caem…os xailes não aquecem… três crianças jogam à bola na cerca da escola!
…de certo não há ano novo… um dia igual a tantos outros… tão frio… embora solarengo, com o pressentimento que os homens de Lisboa continuam a mandar em tudo e não conhecem um arado…uma relha…uma samarra…um xaile velho… uma pita que deixou de pôr… nem a lenha molhada que não arde…e continuarão a dizer do alto da sua proa de estufa e ignorância que todos temos que ser solidários…Mas só para alguns continua a haver o ar condicionado, os carros de luxo… as subvenções… as festanças… os almoços… os fados e guitarradas… as visitas de representação ao fim do mundo…e continuam as irrevogáveis mordomias.
…não se agonie vizinha a pita logo… logo põe… então homem de Deus, como se esqueceu de recolher a lenha!
… um homem sem uma mulher não é ninguém! Quando a minha era viva havia sempre lenha…caldo… e uma camisa lavada…caem-me no peito as lágrimas mais honradas da longa noite transmontana!
… a esperança do Ano Novo que está para vir!
Bom dia!
Fernando Calado nasceu em 1951, em Milhão, Bragança. É licenciado em Filosofia pela Universidade do Porto e foi professor de Filosofia na Escola Secundária Abade de Baçal em Bragança. Curriculares do doutoramento na Universidade de Valladolid. Foi ainda professor na Escola Superior de Saúde de Bragança e no Instituto Jean Piaget de Macedo de Cavaleiros. Exerceu os cargos de Delegado dos Assuntos Consulares, Coordenador do Centro da Área Educativa e de Diretor do Centro de Formação Profissional do IEFP em Bragança.
Publicou com assiduidade artigos de opinião e literários em vários Jornais. Foi diretor da revista cultural e etnográfica “Amigos de Bragança”.
Número total de visualizações do Blogue
Pesquisar neste blogue
Aderir a este Blogue
Sobre o Blogue
SOBRE O BLOGUE:
Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço.
A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)
(Henrique Martins)
COLABORADORES LITERÁRIOS
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.
quinta-feira, 3 de janeiro de 2019
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário