(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
Olho para trás no tempo e apodera-se de mim um não sei quê de nostalgia que não serei capaz de afastar, pois é como se cada imagem que revejo me estivesse a ser arrancada e o que se definia por imagem virtual da minha memória se houvesse convertido em substância que com a deslocação me causasse esta dor de ter tido e já não ter.
Não é posse material que me causa esta angústia que consome lentamente a minha capacidade de continuar a sentir a pertença àqueles que foram os meus maiores ou também os meus pares. Os sentimentos mais díspares surgem na sede dos meus sentidos, ocasionando algo que talvez os freudianos serão capazes de classificar cientificamente, mas que duvido, o cidadão que é leigo jamais logrará destrinçar.
Passo a concretizar, tentando começar por aquilo que faz com que eu possa ser repositório de tantas frustrações que estando eu consciente da impossibilidade de as anular, fariam de mim um homem de aço imune a este sentido de pertença que me trás tal desassossego. É simples, quando penso no que já se foi respeitante a gente com quem convivi desde o acto em que nasci e com quem aprendi a ser o que sou e que obsta a que possa ser doutra maneira. Uma enorme multidão de sombras intangíveis mas que têm um rosto nitidamente reconhecível e que não respondem às minhas perguntas, que hoje são diversas das que formulei quando as sombras não eram sombras e a matéria de que as sombras se fizeram me respondia indicando-me o caminho e transmitindo-me a responsabilidade da minha pertença ao grupo que se foi constituindo através de tempos que se seguiram a outros tempos e se passaram a designar por bragançãos, brigantinos ou bragançanos.
Poderei mencionar muitíssimos que esse sentimento me transmitiram e que o dia-a-dia não dividia em classes sociais nem se amofinavam por possuírem menos bens materiais que outros, pois o forte elo que os ligava era impenetrável à corrosão de tudo o que não fosse o lídimo orgulho de serem bragançanos.
Falo de gente como os operários que com o meu pai trabalhavam construindo o património que hoje é destruído a pretexto de um progresso que nos aniquila quando substitui esse património por coisas inúteis e deficientemente construídas. Falo também dos homens que quase sem recursos financeiros fizeram desta terra um marco, reconhecido pela idoneidade e fidalga maneira de receber e integrar os que connosco se juntaram e consideraram esta terra como sua. Falo dos intelectuais que lutaram e que esclarecidamente trouxeram à luz o que estava oculto nos arquivos de milhentas paróquias e Tombos e que o publicaram quantas vezes a expensas suas para dizerem ao mundo que os anais destas paragens, das suas gentes e instituições, eram tão nobres e dignas como as de terras outras mais bafejadas pelos deuses e menos agrestes na dureza das suas pedras e nos frios das suas serras, mas que também não foram tão amadas das suas gentes.
Os contingentes que as Forças Armadas constituíram ao longo dos séculos tiveram sempre nos seus quadros gente ousada mais que quantas, nada e criada nesta terra e que eram parte indivisível do tal anel que nos unia.
Poderá haver quem se ria do que ponho aqui em evidência, porque não foi passado no cadinho que se calhar já não existe onde me forjaram a mim e aos que me antecederam bem assim como aos meus condiscípulos que estou certo entenderão o que criptograficamente pretendo dizer.
Vi recuperar património que forças cósmicas ajudaram a destruir ou no mínimo danificar. O Castelo que as guerras da Restauração e depois as invasões Francesas danificaram, as jóias que são o Pelourinho implantado no dorso da Porca da Vila e a Dómus Municipalis, jóia única na Península, foram recuperadas pela acção persistente e continuada de ilustres bragançanos que esclarecidos não se envergonharam de percorrerem a distância imensa que os separava naquele tempo de Lisboa, repetidas vezes para sensibilizarem o Governo da Nação da justeza e Justiça de tal empresa.
Não assisti a um único acto da destruição de património não justificável, outrossim, o contrário foi a regra pois o que foi destruído desde os anos finais de 80 do século passado, sem justificação plausível tem sido a regra que culminou com o arrasamento da Casa dos Cantoneiros da Ponte do Sabor e espera apenas pela ocasião propícia para fazer o mesmo ao chão da Avenida João da Cruz.
Não esquecerei nunca de estar agradecido a quem tanto tem feito de bom pela nossa cultura, pelo equipamento e locais dignos para realizar os actos comemorativos e as reflexões colectivas que é necessário fazer, quando se trata de procurar consensos. Agradeço também tudo o que de bom se fez no respeitante a limpeza da cidade, ajardinamentos e equipamentos escolares. Mas nada disso é suficiente para justificar a sanha que destrói as nossas referências que são suprimidas nesciamente de maneira irreversível!
A obra de construção da cidade dos homens exige sentido de pertença que pesem as palavras dos discursos oficiais não reconheço aos próceres actuais ou do presente passado. Há um saldo discutível nas contas do passado recente, historicamente, é claro, na soma das "obras boas e das obras más", e é nesta destrinça que a história se ocupará de encontrar o resultado real e inatacável.
Seria um pecado grandioso não reconhecer tudo o que de bom foi feito após o afastamento do Presidente José Luís Pinheiro, incluindo o mandato do Dr. Mina que abre a porta a uma certa crispação que não ajudou a sensatez na tomada de decisões. Os mandatos seguintes estão na mira da história como alfobre de decisões desacertadas que não acautelaram devidamente o sentir dos cidadãos que são o elemento único e soberano a que a Edilidade tem obrigação de ouvir e respeitar. A supressão de Serviços no centro da cidade, a organização do trânsito, a qualidade dos materiais usados, as deficiências na construção do Parque da Praça Camões, as infiltrações são evidentes e ultrapassam o mínimo aceitável, o desleixo na manutenção do Corredor do Fervença, tudo o que levou ao encerramento de dezenas de casas comerciais, que resultou do olímpico desprezo a que foram votadas as vozes discordantes, são hoje motivo constante de murmuração e se mais não se nota é porque os homens e mulheres desta cidade precisam de emprego, coisa rara, hoje em dia, para si e para os filhos e netos e algo lhes diz que se tiverem a ousadia de não concordarem, os empregos ficam ainda mais difíceis de conseguir .
Resta-me pedir a Deus que inspire os homens a realizarem obra que os presentes e os vindouros se nela possam rever
Bragança 31/12/2018
A. O. dos Santos
(Bombadas)
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