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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sábado, 12 de junho de 2021

Guerra Junqueiro: Carlos Magno e o abade de S. Gal

 Carlos Magno numa das suas frequentes viagens viu o abade de S. Gal, preguiçosamente reclinado sobre almofadas à porta da abadia, fresco, rosado, bem disposto. Carlos Magno adorava os homens enérgicos e ativos, e o abade era indolente. Além disso o imperador tinha mais de um motivo de queixa contra ele.

- Bons dias, senhor abade. Ainda bem que o encontro. Tenho a submeter à sua esclarecida razão três perguntas, às quais terá a bondade de me responder daqui a três meses, contados dia a dia, em sessão solene do nosso conselho imperial. Primeiro que tudo, desejo saber o meu valor em dinheiro; em segundo lugar, quanto tempo levaria a dar a volta ao mundo; em terceiro lugar, que estarei eu pensando no momento em que v. rev.ma vier à minha presença, pensamento que deve ser um erro. Trate de arranjar resposta satisfatória a tudo, aliás deixa de ser abade de S. Gal, e tem de abandonar a abadia, montado num burro com a cara voltada para o rabo.

O abade não sabia a que santo se apegar. Mandou a todas as escolas, mas os doutores mais famosos pela sua ciência, não lhe souberam dar resposta. No entanto os dias iam correndo, e a época fatal aproximava-se; já não faltava senão um mês, já não faltavam senão semanas, e afinal só dias. O abade, que em outro tempo era gordo e anafado, estava magro como um esqueleto. Perdera o sono e o apetite. Andava errante nos bosques lamentando a sua desgraça, quando se encontrou com o seu pastor.

- Bons dias senhor abade. Parece que está mais magro! Está doente?

- Estou, meu caro Felix, estou muito doente.

- Oh! meu rico amigo, eu lhe darei alguma erva que o possa curar.

- Infelizmente não são ervas que eu preciso, mas resposta às minhas três perguntas.

- É então latim?

- Não, não é latim, senão os doutores tinham-me arranjado tudo.

- Visto que não é latim, queira v. rev.ma dizer-me o que é: minha mãe era uma pobre de Cristo, mas tinha resposta para tudo.

Quando o abade lhe formulou as três perguntas, o pastor atirou com o barrete ao ar, e disse-lhe:

- Se é apenas isso, eu me encarrego de responder por si, e v. rev.ma pode continuar a engordar; mas para isso é necessário que eu vista o seu hábito.

Quando chegou o dia, o pastor disfarçado com o hábito do abade de S. Gal, foi introduzido na sala onde o imperador presidia o conselho imperial.

- Então, senhor abade, parece que está mais magro, deu-lhe muito que pensar a chave do enigma? Vamos lá a ver a primeira pergunta: Quanto valho eu em dinheiro?

- Senhor, o filho de Deus Nosso Senhor Jesus Cristo foi vendido por trinta dinheiros, sua majestade vale à justa vinte e nove, só um dinheiro menos.

- Bravo, senhor abade, a resposta é hábil, e na realidade não posso deixar de me mostrar satisfeito. Mas vamos à segunda pergunta, não há de ser tão fácil dar a resposta. Vamos lá a ver: quanto tempo levaria eu a dar a volta ao mundo?

- Senhor, se vossa majestade se levantar ao romper do dia e poder seguir constantemente passo a passo o sol no seu giro, bastam-lhe vinte e quatro horas.

- Decididamente, v. rev.ma é um grande finório, e desta vez, confesso-me vencido; mas a terceira, não dessas à que se responde com suposições. Quem lhe há de dizer o que eu estou pensando, e como me há de provar que este pensamento é um erro? Tem a palavra senhor abade.

- Senhor: Vossa majestade imagina que eu sou o abade de S. Gal; está enganado, porque eu sou o seu pastor.

- Mas então tu é que deves ser o abade de S. Gal, e desde já o ficas sendo.

- Não sei latim, mas, se vossa majestade quer fazer-me um favor, peco-lhe outra cousa.

- Não tens mais que falar.

- Peço a vossa majestade que perdoe ao meu amigo.

Carlos Magno não era homem que faltasse à sua palavra.

Fonte:
Guerra Junqueiro: "Contos para a Infância", Publicado originalmente em 1877.

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