- Fazia favor, disse-lhe o bom Jesus, de me dar agasalho por esta noite? Não se havia de arrepender.
E acrescentou:
- Visto que já todos estão deitados, para que é que você está ainda a trabalhar?
- Ora, respondeu o camponês, soube ontem à noite que ia ser perseguido por um credor desapiedado, se lhe não pagasse amanhã o que lhe devo, portanto eu e meus filhos estamos a bater o pouco trigo que colhi, para o vender no mercado, e pagar a minha divida. Depois disto não nos fica nada, e não sei como havemos de atravessar o inverno. Seja o que Deus quiser!
Ao dizer isto o camponês limpava o suor da testa, e passava a mão pelos olhos arrasados de lágrimas. O Senhor teve dó dele, e disse-lhe:
- Não desanimes. Quando te pedi hospitalidade, disse-te que não te havias de arrepender de m'a ter dado. Vou provar-te.
Pegou na candeia, que estava suspensa numa das traves do celeiro, e aproximou-a do trigo.
- Que vai fazer? disseram assustados os trabalhadores, vai deitar fogo a tudo!
Mas no mesmo instante, da palha, que eles receavam ver inflamar-se, de cada espiga, desceu uma chuva de grãos prodigiosa. à vista de um tal milagre os camponeses maravilhados caíram de joelhos.
- Visto que foste caritativo, disse Jesus, visto que recebeste na tua pobreza o forasteiro que veio ter contigo como um pobre mendigo, serás recompensado. Foi Deus que entrou na tua fazenda, é Deus que te enriquece.
Dito isto desapareceu.
E a chuva dos grãos não parou em toda a noite, e fez um monte tão alto como a igreja.
O camponês pagou as suas dividas, comprou terras, e construiu uma bela casa. Era rico, e tornou-se orgulhoso e altivo com os pobres. Ele e seus filhos adquiriram costumes perdulários, tanto e tanto fizeram, que se arruinaram, e, como tinham sido maus nos tempos em que eram ricos, ninguém os ajudou na sua miséria. Uma noite o velho camponês, que bebera enormemente, entrou no celeiro, e, recordando-se do milagre que o enriquecera, imaginou que também ele o poderia fazer. Agarrou na candeia, aproximou-a de um feixe de palha, comunicou-se o fogo, ardeu a casa e tudo o que lhe restava, e passado tempo morreu na miséria mais absoluta.
Guerra Junqueiro: "Contos para a Infância", Publicado originalmente em 1877.
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