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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sábado, 10 de julho de 2021

Viagem às raízes - 7ª parte

Alfredo Baltazar Ferreira
Rio de Janeiro, Brasil
 - O que fez à mota?

- A mota?! Olha, a mota… Aquilo não andava nada. Nem foi preciso fazer nada. – e ria a bom rir.

As férias terminaram e minha mãe regressou ao trabalho, em Lisboa. Entretanto, apercebeu-se de que não tinha encerrado a questão com o mecânico e resolveu escrever-lhe, pedindo que dissesse quanto devia do desconserto da motorizada.

Bequinha causara boa impressão ao mecânico. Bem que ele remoía na ideia de lhe escrever, mas não sabia como. Já tinha abordado o Alberto para que lhe desse a morada da irmã, mas este fez-se caro. E, nisto, eis que lhe caiu uma missiva nas mãos. Leu o texto na sofreguidão das almas apaixonadas, e, prontamente, pôs a resposta no correio. 

“A menina América não precisa de se preocupar. Não me deve nada. Foi um prazer poder atender o seu pedido. Um criado ao seu dispor.”

Gostando de poesia e tendo pena leve para a escrita, serviu-se do facto para escrever belas cartas à Bequinha, que passaram a ser trocadas entre ambos.  

Vendo que o caso se tornava sério, Bequinha, resolveu escrever uma carta ao Pároco de Torre de Dona Chama, Padre Reimão, pedindo informações sobre o Senhor Álvaro Iriberto Ferreira.

Um belo dia, o Padre Reimão, cruzando-se com o visado na carta da Bequinha...

- Ora, nem de propósito! Vem cá Iriberto.

- A sua bênção, Senhor Padre?

- Deus te abençoe, meu filho. – e, prosseguiu.

- Uma menina, escreveu-me a pedir informações tuas. O que lhe hei de dizer, rapaz?

- Qual delas, Senhor Padre?

- Qual delas? Namoras assim tantas raparigas? Olha-me o descarado! – exclamava incrédulo o Padre Reimão.

Bem que o Iriberto tentou remediar a situação, mas, tal já não foi possível. Levou um valente raspanete, não fosse o interlocutor homem de bons usos e costumes e regras rígidas.

O Padre António Joaquim Reimão era um personagem singular em Torre de Dona Chama. Sempre vestido de sotaina e chapéu, não tolerava modernices nem abusos ao pudor ao seu rebanho e, ainda menos, dentro da Igreja. Se alguma jovem aparecesse para assistir à missa de calças ou minissaia, dava-lhe indicações para ir trocar de roupa; se alguém fosse de manga à cava, igual recado. Não permitia que pusessem o pé em ramo verde. Dizia-se que quando ia fazer xixi, pegava-lhe com um lenço das mãos; achava ser pecado pegar-lhe com a mão. Mas, era bom homem, só queria o bem do seu rebanho e preocupava-se verdadeiramente com todos. A mim? Batizou-me e deu-me a primeira comunhão.

E quanto ao mecânico, que ainda não tive a oportunidade de vo-lo apresentar, vamos então saber quem era o namoradeiro, Álvaro Iriberto Ferreira.

Nasceu em Torre de Dona Chama, aos cinco dias do mês de maio de 1937, filho de Joaquina Rosa Ferreira, a mais velha de cinco irmãos, e tinha por avós maternos Maria Cândida e Alfredo Baltazar Ferreira.

O seu avô Alfredo, relojoeiro de profissão e homem viajado, andou pelo Rio de Janeiro e outras cidades do Brasil, depois do nascimento dos cinco filhos: Joaquina, Alfredo, Mário, Ana e Maria, tendo, esta última, sido religiosa e morta em Espanha pelos carabineiros na guerra civil.

Enquanto o avô Alfredo esteve no Brasil, mandava, amiúde, postais de sítios encantadores e cartas belíssimas de derreter qualquer coração.

- Mas dinheiro, dentro do subscrito, para ajudar a mulher no sustento da família? Nem vê-lo. - confidenciou-me Iriberto.

Quando Alfredo regressou, continuou com o ofício de relojoeiro. Dada a sua prosápia, trato fino e educado, colhia vantagem se algum cliente fosse levantar o relógio sem ir provido de dinheiro para pagar o conserto:

- Homem: você desculpe-me. Esqueci-me de apertar um parafuso lá dentro. O relógio tem de cá ficar para tratar disso. Volte depois. – fazia a cena de forma muito convincente.

O bom do Iriberto, no alto dos seus 84 anos, em conversas encarreiradas para que nada se olvide em matéria de escrita, fez-me esta confidência:

– És mesmo bisneta do meu avô Alfredo! Vais ao pormenor... E o gosto pela escrita… Ainda estou a ver o meu avô, rodeado de papeis e relógios... – disse-o com garbo. Bem lho senti.

Em jovem, Joaquina Rosa, esteve a servir em Mirandela. O patrão, a pretexto da doença debilitante da esposa e esta se encontrar em tratamentos no Porto, atraiu-a para lá para que pudesse prestar todos os cuidados à Senhora. Foi no Porto que abusou dela e daí resultou uma gravidez. Joaquina Rosa, assim que deu conta do seu estado, confrontou-o, tendo ameaçado fazer um aborto caso não lhe garantisse alguma forma de ajuda para criar a criança.

- Deus me livre de matar o meu filho! Foi só pra apertar com ele.

Recebeu algum dinheiro, que deu para comprar uma casa antiga de pedra com uma pequena horta em Torre de Dona Chama, em frente ao largo do Prado, e mudou-se para lá.

Nasceu um forte rapagão, são e escorreito. Esta saudável condição não durou muito tempo. Por volta dos cinco anos de idade, apareceu um violento surto de poliomielite aguda na Torre, que dizimou uns e outros deixou, fortemente, marcados para toda a vida. Joaquina Rosa, assim que deu conta do surto, foi imediatamente procurar ajuda junto do Dr. Bonfim, que lhe ministrou uma vacina. Não funcionou. O Iriberto ficou com os músculos, da perna direita, atrofiados.

Fez a escola primária com a professora Gegé, senhora temida por todos os alunos que lhe passavam pelas mãos. Resolvia a falta de sabedoria ou prontidão nas respostas à reguada. Era com cada ensaio! Punha a pequenada com as mãos a latejar. Os pais bem se indignavam, mas que fazer?! Se dissessem alguma coisa era bem capaz de ser pior. Podia reprovar os garotos ou dar-lhes mais castigos físicos.

O Iriberto sempre foi bom aluno, logo a professora Gegé não tinha motivos para lhe aplicar reguadas. Contou-me que ensinava bem, era preocupada com os alunos, fazia gosto que aprendessem e puxava muito por eles. Tinha garbo em que, quando fossem prestar provas de exame da quarta classe a Mirandela, fizessem boa figura. Os meninos tinham aulas na escola, na parte da tarde; de manhã, iam para casa da professora fazer os trabalhos e estudar.

Numa manhã, a professora Gegé, distribuiu as tarefas aos alunos e saiu da sala. O Iriberto, já com os trabalhos prontos e a lição bem estudada, estava à espera que ela voltasse. Nisto, o gato da professora saltou-lhe para o colo. Quem é que poderia resistir à doçura do gato?! Brincou com ele, fez-lhe festas, acarinhou-o... E, de repente, entrou a professora que, ao ver a cena, disparou um olhar fulminante de indignação. Pobre rapaz!

- Mas que atrevimento este? Em vez de estar a estudar como os outros, põem-se a brincar com o gato. Já vais cantar o fado; oh se vais! – dizia entre dentes a professora.

- Iriberto: quantas dinastias houve em Portugal e diz-me o nome de cada uma?

Texto:
Ⓒ Teresa do Amparo Ferreira, 10-07-2021

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