Número total de visualizações do Blogue

Pesquisar neste blogue

Aderir a este Blogue

Sobre o Blogue

SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 13 de junho de 2023

O Último Adeus… Para Sempre

Por: Paula Freire
(colaboradora do Memórias...e outras coisas...)


Não me recordo do dia exato. Sei que era manhã. Uma manhã que anunciava o sabor quente de dias de sol. E junto ao mar, a brisa tinha aquela doçura da primeira leveza de uma estação sempre bem-vinda, com esse profundo cheiro a algas e sal a invadir-nos por dentro. Há sensações que o tempo não apaga. E há imagens que a memória não esquece nos espaços interiores que nos habitam. Como aquela. A ambulância a chegar silenciosa, tão silenciosa como todos os olhares que para ela se voltaram inquiridores. Ambulância e silêncios, um paradoxo que o pensamento tem dificuldade em emoldurar. 
Seria porque o instante fosse diferente, seria porque o cenário tinha uma magia capaz de contradizer as hipóteses mais óbvias, a verdade é que, apesar das certezas sobressaltadas dos presentes, o momento não parou nos gestos de quem passava. A vida urgia urgências por cumprir. 
E ali, mesmo à beirinha do muro caiado de branco, naquela manhã de ameno sol, sobre a voz de um azul e verde-água vestidos de infinito, o jovem de corpo débil e rosto frágil, deitado numa maca e amparado pelos braços solidários de um bombeiro, levantou os olhos desmaiados para o horizonte à sua frente. Não sorriu. Não o conseguiria. Apenas… suspirou longamente. 
Gostaria de acreditar, para alívio da minha consciência adormecida sobre um coração tantas vezes ingrato, que quase lhe senti o respirar das emoções que na alma se lhe despertaram. Emoções tão dele. Revelações tardias de obrigados que ficariam por dizer à vida. Ou talvez não… Talvez agradecimentos de despedidas e gestos não deixados por cumprir.
É nestes momentos, quando o destino nos obriga a presenciar o inesperado lado humano da humilde redenção, que deveríamos encontrar a oportunidade de compreender os que nos rodeiam, entrar-lhes nas veias, no sentir-lhes do mundo, para que todas as inseguranças que nos compõem pudessem servir de lição ao ego que julgamos, tantas vezes, engrandecer-nos.
E o que sentiria a mulher ao lado daquele jovem? A que, num gesto de amor, lhe segurava a mão. Mãe, esposa, irmã, amiga… Creio que o coração de qualquer uma delas certamente ditar-lhe-ia a mesma dor e, simultaneamente, o mesmo sorriso triste que lhe visitava o olhar.
E depois do adeus, a ambulância partiu novamente adormecida no mesmo silêncio com que chegara. O mundo, a vida… continuaram.
Não gosto da expressão “último adeus.” Se é um adeus, então é porque será sempre o último. Antes disso, há vida. E da vida só nos despedimos quando dizemos adeus. Adeus, simplesmente. Não haverá outro. Por isso, sempre preferi dizer “até já”. Até já, mesmo quando só volte a ver-te num dia sem tempo. Até já, mesmo que nunca mais. Porque desconheço o futuro. E ainda bem, não gostaria de sabê-lo. Não me pertence enquanto não me acontecer. E a acreditar que existe, dá-me sempre alento para todos os “até já” que me moram na esperança do peito.
Não sei da Fé dos Homens. Acredito que cada um tenha a força da sua. Eu tenho a minha que, nessa manhã de sol, me fez perceber definitivamente a importância do adeus. Continuo a duvidar que possa ser o último porque a vida continuou para mim. Mas a dele, daquele jovem, talvez tenha partido pouco depois.
Amparado pela sua fé. Com o mar dentro dos olhos… Para sempre.

Paula Freire
- Natural de Lourenço Marques, Moçambique, reside atualmente em Vila Nova de Gaia, Portugal.
Com formação académica em Psicologia e especialização em Psicoterapia, dedicou vários anos do seu percurso profissional à formação de adultos, nas áreas do Desenvolvimento Pessoal e do Autoconhecimento, bem como à prática de clínica privada.
Filha de gentes e terras alentejanas por parte materna e com o coração em Trás-os-Montes pelo elo matrimonial, desde muito cedo desenvolveu o gosto pela leitura e pela escrita, onde se descobre nas vivências sugeridas pelos olhares daqueles com quem se cruza nos caminhos da vida, e onde se arrisca a descobrir mistérios escondidos e silenciosas confissões. Um manancial de emoções e sentimentos tão humanos, que lhe foram permitindo colaborar em meios de comunicação da imprensa local com publicações de textos, crónicas e poesias.
O desenho foi sempre outra das suas paixões, sendo autora das imagens de capa de duas obras lançadas pela Editora Imagem e Publicações em 2021: Cultura sem Fronteiras (coletânea de literatura e artes) e Nunca é Tarde (poesia).
Prefaciadora do romance Amor Pecador, de Tchiza (Mar Morto Editora, Angola, 2021) e da obra poética Pedaços de Mim, de Reis Silva (Editora Imagem e Publicações, 2021).
Autora do livro de poesia Lírio: Flor-de-Lis (Editora Imagem e Publicações, 2022).
Em setembro de 2022, a convite da Casa da Beira Alta, realizou, na cidade do Porto, uma exposição de fotografia sob o título: "Um Outono no Feminino: de Amor e de Ser Mulher".
Atualmente, é colaboradora regular do blogue "Memórias... e outras coisas..."-Bragança, da Revista HeliMagazine e da Revista Vicejar (Brasil).
Há alguns anos, descobriu-se no seu amor pela arte da fotografia onde, de forma autodidata, aprecia retratar, em particular, a beleza feminina e a dimensão artística dos elementos da natureza, sendo administradora da página de poesia e fotografia, Flor De Lyz.

2 comentários:

  1. Texto tão triste Paula, apesar de tão verdadeiro.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. São oportunidades que a vida nos oferece, Henrique, para descobrirmos o valor da humildade e da nossa pequenez num mundo tão imenso.

      Eliminar