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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

domingo, 31 de julho de 2022

A CABRA

 Acho que já escrevi sobre este assunto uma boa dúzia de vezes. Mas, como em nenhuma delas recebi de algum Leitor apiedado um ‘feed-back’ que me esclarecesse, eis que volto a ele, na esperança de que haja alguém suficientemente caridoso que me explique.
 Trata-se, em suma, daquilo que para mim é um mistério inexplicável: o poder que os políticos têm ou adquirem em tempos de campanha eleitoral, de convencer o cidadão comum de que “desta vez” as promessas que faz são mesmo para cumprir. A história e a experiência (esse braço-direito da história) estão fartas de nos ensinar que promessa eleitoral não passa de lixo, de engodo, de conversa para esquecer no dia seguinte à contagem dos votos. Pois a coisa funciona. O eleitor deixa-se ir, como um burrico manso, levado pela arreata das promessas. E só depois, fechadas as urnas e eleito o figurão, ao ver as promessas ficarem uma a uma por cumprir, é que se lhe acende um assomo de arrependimento: afinal “desta vez” foi igual às vezes anteriores. E então protesta e bufa, mas é tarde: o dito figurão está eleito e instalado, e toca a aguentar com ele os anos da legislatura penosamente.
 Passos Coelho dava, só ele, um manual de promessas feitas e dolorosamente incumpridas. Ele eram os impostos que não subiam. Ele eram os vencimentos e pensões que não desciam. Ele eram os funcionários públicos que não tinham que recear despedimentos. Ele era o diabo a quatro. Pois na sua prática governativa quotidiana se vai vendo a solidez das suas promessas.
 Diga-se em abono da verdade que não é ele o único. Antes dele, José Sócrates — que anda agora feito tele-evangelista, como mordazmente o classificou Nuno Morais Sarmento, a verberar as promessas não cumpridas de Coelho — fez exactissimamente a mesma coisa. E antes de Sócrates, Durão Barroso. E antes de Barroso, António Guterres. E antes de Guterres — bom, o Leitor poupar-me-á ao trabalho, que é extenuante, de levar a coisa mais além.
 E é isto que não entendo: como podem os políticos prometer tanto e, já agora, como pode o Zé Pagode ser tão crédulo. Haja uma alma compadecida que me explique.
 Conversava há dias com um amigo, quando este assunto veio à baila. Zurzíamos ferozmente os políticos promitentes, quando me ocorreu uma comparação:
 – Pois. São como a cabra.
 A comparação não podia abismar mais o meu interlocutor.
 – Como a cabra?!...
 – Sim, como a cabra.
 – Como assim?
 – Nunca ouviste o povo dizer que a cabra apregoa mel e vende azeitonas?
 – Por acaso não. Mas troca lá isso por miúdos.
 – Pois seja. Como faz a cabra?
 – Mé…
 – Pronto. O ‘mel’ está por esse mé que a cabra berra.
 – Estou a ver. Mas, e as azeitonas?
 – Nunca viste os excrementos da cabra?
 – Já.
 – E parecem o quê?
 – Azeitonas.
 – Pois aí tens. A cabra parece dizer que dá mel, mas no fim de contas o que dá… são azeitonas.
 – Bem visto, pá!
 – Aprende, que eu não duro sempre…

Repórter do Marão, 2 de Agosto de 2013

A. M. Pires Cabral

Retrato de um voluntário pela natureza: Carlos Santos

 Para este técnico do ICNF de 50 anos que reside em Mogadouro, Bragança, o esforço de acordar antes do nascer do sol para participar nos censos de aves é “amplamente recompensado” com a experiência de “estar no campo a ouvir a diversidade” dos seus cantos e a “observá-las no seu ambiente natural”.

Foto: António Monteiro

WILDER
: O que faz enquanto voluntário?

Carlos Santos: Participo em ações e projetos que visam contribuir para a proteção da natureza, seja através de ações de monitorização ou de ações de sensibilização ambiental. Nos últimos anos, tenho realizado apenas o Censo das Aves Comuns (CAC), que já faço há 18 anos, e as Contagens de Aves no Natal e Ano Novo (CANAN), que faço há oito anos.

Tenho também participado em muitos outros censos de aves, mas estes integrados nas minhas funções como técnico do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), pelo que a sua realização já não é feita em regime de voluntariado.

W: Há quanto tempo é voluntário pela natureza e o que o levou a começar a participar?

Carlos Santos: Faço voluntariado ambiental desde o tempo em que estudava Biologia na Faculdade de Ciências de Lisboa, no início dos anos 90. O que me levou a participar foi, por um lado, a necessidade de complementar os meus conhecimentos sobre a natureza e, por outro, poder contribuir para a sua conservação.

W: Quais são os maiores desafios dos censos de aves em que tem participado?

Carlos Santos: Na minha opinião, os censos de aves têm dois desafios principais: a identificação das espécies e a necessidade de acordar muito cedo.

A identificação das espécies é o principal desafio para quem quer começa a observar aves. O número de espécies – residentes, invernantes e migradoras – que ocorre em Portugal é elevado e, embora algumas sejam facilmente distinguíveis, outras nem tanto, sendo necessário estudar bem as características de cada espécie em comparação com outras espécies semelhantes.

Além das características físicas, também é importante estar atento aos sons que fazem, ao seu comportamento e ao local onde se encontram, porque todos estes dados contribuem para uma identificação mais segura da espécie. Hoje, na Internet, já existem numerosos sites que disponibilizam fotos, vídeos e ficheiros de áudio, assim como dicas sobre a distinção entre espécies semelhantes, seja através das suas características físicas, seja pelos sons emitidos.

Em segundo lugar, a realização dos censos implica frequentemente que os mesmos sejam iniciados às primeiras horas da manhã, quando a maioria das aves estão mais ativas.

O esforço de acordar antes do nascer do sol condiciona a participação de muitas pessoas, mas é amplamente recompensado com a experiência de estar no campo a ouvir a diversidade de cantos das aves e poder observá-las no seu ambiente natural.

W: Quando começou o seu interesse pelas aves?

Carlos Santos: Desde pequeno que tenho algum interesse, pelo facto de o meu pai gostar de as ver e conhecer, mas também de as capturar. No entanto, apenas durante o meu tempo de faculdade se desenvolveu de forma significativa esse interesse, através do contacto com colegas que já faziam observação de aves.

O meu trabalho final de curso foi sobre as alterações das comunidades de aves decorrentes do abandono dos campos cerealíferos do Alentejo, o que me obrigou a dedicar-me à identificação e conhecimento das aves em geral e em particular das espécies dessa região.

W: Porque considera as aves tão especiais?

Carlos Santos: As aves são animais maioritariamente diurnos, com formas e colorações muito diversas. São por isso atrativas e fáceis de observar, sendo natural que chamem a atenção de qualquer pessoa.

São também importantes elos na cadeia trófica, quer como presas quer como predadores, com uma grande relevância no funcionamento dos ecossistemas.

Muitas destas espécies funcionam como indicadores da qualidade dos habitats naturais e da integridade dos ecossistemas, pelo que a sua monitorização permite conhecer o estado de conservação destes. O meu interesse nas aves é por isso afetivo e científico.

W: Como aprendeu a identificar estas espécies?

Carlos Santos: Comecei a aprender com colegas e amigos em saídas de campo. Depois, tive de pegar nos guias de identificação e comecei por mim próprio a tentar identificar as aves que observava, confirmando essa identificação numa saída seguinte com alguém mais experiente.

Também comecei a identificar os cantos das aves com a ajuda de uma coleção de CDs que continham os cantos de todas as espécies da Europa, que me serviam para confirmar a identificação de cantos que tinha ouvido no campo, ou para procurar ouvir o canto de espécies em particular que me interessava encontrar.

W: O que tem aprendido e o que tem ganhado com esta experiência de voluntariado?

Carlos Santos: Com as ações de voluntariado que tenho realizado, sinto satisfação por saber que estou a contribuir para a conservação das aves e da natureza em geral.

Estas ações também me obrigam a ir para o campo, garantindo que, mesmo com muitas ocupações, há sempre um tempo disponível para ir observar aves. Para além disso, mantenho-me atualizado com as identificações das aves, seja pela observação ou pela audição das mesmas. Cada censo é diferente e, mesmo que seja repetido várias vezes, a experiência é sempre diferente.

W: Costuma participar nos censos sozinho, acompanhado ou em grupo?

Carlos Santos: Na maioria das vezes sozinho, mas sempre que há oportunidade para ter companhia, é sempre bem-vinda. Por exemplo, o Censo das Aves Comuns, que já realizo há 18 anos, faço sempre sozinho e é importante mantê-lo desta maneira para que os dados sejam comparáveis ao longo dos vários anos. Já o CANAN, faço sempre com a minha mulher.

Inês Sequeira

Andrena lusitania: Uma nova abelha para a Ciência foi descoberta em Portugal

 O exemplar de uma espécie de abelha solitária até agora desconhecida foi recolhido num pomar do Fundão no âmbito de um projecto de investigação sobre polinizadores, ligado à Universidade de Coimbra.

Macho de Andrena lusitania. Foto: DR

Foi quando estavam em trabalho de campo num pomar de cerejas e pêssegos da Quinta da Porta, no Fundão, que Catarina Siopa e outros colegas do centro de investigação Flower Lab recolheram uma nova espécie de abelha para a ciência, ainda sem saberem o que tinha nas mãos. Ajudaram assim a aumentar o número de espécies de abelhas conhecidas em Portugal, que actualmente já conta com cerca de 725 espécies.

Catarina Siopa está ligada à Universidade de Coimbra e ao projecto Cultivar, no âmbito do qual está a fazer um doutoramento. O objectivo do trabalho de campo, realizado em Março de 2021, era “avaliar a importância dos vários tipos de habitats e usos do solo com recursos alimentares e de nidificação distintos, para as interacções entre planta e polinizador”, explicou à Wilder.

Munidos de uma rede entomológica enquanto seguiam um transecto (percurso pré-estabelecido), Catarina e outros membros da equipa foram colhendo vários insectos que guardavam em frascos para mais tarde serem identificados, constatando que ali havia “uma biodiversidade enorme de abelhas” apesar de estarem numa produção agrícola.

A nova abelha foi encontrada, segundo a investigadora, “numa zona semi-natural localizada no centro do pomar, composta por uma mistura de vegetação herbácea, arbustiva e arbórea, num afloramento rochoso onde existem as plantas nas quais se suspeita que esta abelha seja especialista”. Em causa estão plantas da família das leguminosas (Fabaceae) – a mesma família do grão e dos feijões – como por exemplo a giesta-branca (Cytisus multiflorus), “em flor na altura de captura”.

Planta de giesta-branca (Cytisus multiflorus). Foto: Miguel Vieira/Wiki Commons

Depois da recolha dos insectos em campo, a equipa tratou de os separar em grupos diferentes de acordo com as características físicas, tentando depois identificar cada uma das espécies através de uma chave dicotómica. Mas depararam com dificuldades.

“O grupo das abelhas é muito diverso em Portugal e a sua identificação é um verdadeiro desafio. Neste caso foi recolhido apenas um espécime, que foi identificado como pertencendo ao género Andrena“, explicou por sua vez Hugo Gaspar, também ligado ao projecto Cultivar. Da mesma equipa fazem também parte Sara Lopes, Sílvia Castro e João Loureiro.

Um baptismo “carinhoso”

Os investigadores estavam com “grandes dificuldades” em perceber qual era esta espécie, uma vez que o género Andrena é “particularmente diversificado e desafiante”, com actualmente 131 espécies registadas em Portugal. Em finais de 2021, Hugo Gaspar enviou então essa abelha – em conjunto com alguns outros insectos – para Thomas Wood, da Universidade de Mons, na Bélgica. O objectivo era este entomólogo, “um dos mais conceituados especialistas europeus” neste género científico de abelhas, identificar e validar de que espécies se tratava.

Foi no mês passado, em Junho, que Thomas Wood publicou a descrição científica da nova abelha, em conjunto com o cientista espanhol Francisco Javier Ortiz Sanchez, da Universidade de Almeria, no Boletim da Sociedade Entomológica Aragonesa. A nova espécie, “‘carinhosamente’ baptizada de Andrena lusitania“, foi descrita a partir do macho encontrado no Fundão e também com base numa fêmea entretanto capturada na região espanhola de Huelva, Andaluzia.

No mesmo artigo científico, Thomas Wood e Francisco Sanchez publicaram ainda a descrição de outras duas abelhas novas para a Ciência, também do género Andrena, ambas encontradas em Espanha.

Inês Sequeira

Festival aéreo em Mogadouro

Adriano Moreira, Centésimo Ano: Professor, estadista, português

 Adriano Moreira completará dentro de poucas semanas 100 anos. Este texto de homenagem é uma adaptação de uma palestra proferida no Palácio da Independência, no passado dia 28 de Julho de 2022.

Adriano Moreira, nos anos ’90 – Biblioteca Passos Manuel, Assembleia da República

Tendo-me sido pedido que apresentasse uma palestra sobre Adriano Moreira e a sua vida, decidi começar em modo diferente, para começar pelo princípio.

Cá está Grijó sempre alegre e a cantar,

Basta ela só para tudo animar

Com os seus vinhedos e seus arvoredos

É a nossa terra aldeia sem par.

(…)

Vamos cantando desta terra a beleza

O seu encanto, ela é modesta

Grijó parece uma pequena cidade

Sem orgulho e sem vaidade com o coração em festa. [1]

Estas são as quadras com que abre e fecha o Hino da freguesia de Grijó – antigamente conhecida por Grijó de Vale Benfeito – onde nasceu o Prof. Adriano Moreira, em 6 de Setembro de 1922. Não sei se o hino já existiria, quando nasceu. Mas, hoje, não escapa,

Os versos não serão de Sá de Miranda ou de Bernardim Ribeiro, nem de Bocage ou Camões, mas traduzem, na sua simplicidade e numa métrica azougada, o amor e o orgulho na sua terra. Provavelmente, se as minhas fontes não se enganaram – e a mim, por via delas –, Adriano Moreira não escaparia a ouvi-lo cantar na íntegra, com brio, pelos seus conterrâneos, se lá estivesse hoje ou, mais apropriadamente, no próximo dia 6 de Setembro.

A igreja de Grijó de Vale Benfeito

Podemos bem imaginá-lo.

Seria assim, com a aldeia em festa e o povo reunido, talvez no largo defronte da igreja da aldeia ou no cruzamento donde sai a rua que leva à igreja, uns 5 km a sul de Macedo de Cavaleiros. A boa gente, de rostos tisnados pelo sol e mãos calejadas pelo trabalho no campo, afinaria as vozes para cantar, em amizade e admiração pelo festejado. A página onde encontrei este hino não deixa quaisquer dúvidas: “O Professor Doutor Adriano Moreira, intelectual e político, é a figura pública de destaque da freguesia.” Estaria a freguesia em peso a recebê-lo e abraçá-lo.

Por isso mesmo, se no final cantaremos o Hino Nacional, por ser nossa figura de destaque e do país, ocorreu-me abrir com o Hino de Grijó, representando, nesta convocatória da Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro, que somos nós, hoje, os conterrâneos reunidos no largo de Grijó, a celebrar, com amizade e orgulho, o seu exemplo de vida e a graça de o sabermos connosco. Só não cantamos, para não desafinar. Ainda por cima, logo no princípio do evento.

O transmontano

Também a começar, agradeço à Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro o convite que, através do seu Presidente, Hirondino Isaías, me fez para usar da palavra sobre o festejado. É um grande desafio e uma honra ainda maior, que aceitei com genuíno prazer.

É natural este brio da Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro em querer abrir as celebrações dos 100 anos de Adriano Moreira. Não é precipitação; é amor, alegria e orgulho. No fundo, é o eco do orgulho que todos os transmontanos nutrem pela sua região de origem, pela sua história e tradições, pela sua comum pertença e pelos seus maiores.

É o mesmo eco brilhante que irradia, hoje, da magnífica Biblioteca Adriano Moreira, dentro do Centro Cultural Municipal Adriano Moreira, em Bragança, onde se imortaliza o seu espólio doado e se guarda, para fruição pública e estudo de jovens e de investigadores, um vasto e riquíssimo acervo de livros, revistas, documentos e outras publicações.

A aldeia de Grijó, sede de uma das freguesias de Macedo de Cavaleiros

Nunca conheci um transmontano que não tivesse esse orgulho característico pela sua terra. Adriano Moreira não era excepção. Mas tinha uma forma curiosa de o manifestar. Nas suas intervenções públicas, nunca citava por sua iniciativa ser transmontano, para o efeito de se envaidecer – a não ser talvez na sua terra, onde dizê-lo não era vaidade, mas comum identidade. Porém, era inevitável que alguém, falando antes de si, sublinhasse, para o apresentar diante do público, que Adriano Moreira era transmontano. E ele, na altura de intervir, frequentemente contava esta história, salvo erro, de seu avô Valentim: “Eu, ainda que agradeça que o tenham referido, costumo nunca dizer que sou transmontano. Sinto-me sempre na obrigação de fazer como o meu avô, que dizia preferir, por delicadeza e modéstia, nunca o proclamar, não fosse estar na assistência alguém que não fosse transmontano e se sentisse embaraçado ou envergonhado.”

Uma história saborosa que ouvi algumas vezes, sempre com sucesso garantido, provocando sorrisos em toda a sala, pela sua ironia e, como é timbre da fala de Adriano Moreira, sábia sabedoria.

Isto fez-me lembrar outra história, salvo erro, de uma sua avó, também transmontana – eram todos transmontanos –, que lhe ouvi contar algumas vezes. Contava ele que essa sua avó, no ambiente humilde da aldeia, ao jantar, ao rezar as orações, rezava sempre por que Deus guiasse e protegesse “os nossos marinheiros” – e essa avó nunca havia visto o mar. É outra história admirável, agora, não de ironia, mas de ternura, e a mesma sábia sabedoria. Uma história que ilustra o patriotismo das gentes em que cresceu, o sentido comum popular e nacional; e uma história que, se diz muito dessa sua avó, diz também imenso de si mesmo, ao identificar-se com ela. É a fundação da estreita relação que o Prof. Adriano Moreira foi desenvolvendo e consolidando com o mar e com o sentido estratégico que este possui para Portugal e os portugueses.

Os 90 anos

Quando fez 90 anos, em 2012, nós (o Narana Coissoró, o Viriato Soromenho Marques, a Catarina Severino e eu próprio) organizámos um jantar em Setembro. Foi na antiga FIL, no restaurante que já fechou. E, na preparação desse jantar, organizei duas páginas na internet, no Facebook. Para divulgação, circulação de mensagens e dinamização. Uma era um grupo a que tinha de se aderir, outra era página aberta de que as pessoas podiam fazer-se seguidoras, assinalando “gosto”. Ambas tinham como símbolo uma foto de Adriano Moreira (cada uma, a sua) e o mesmo nome: “Adriano Moreira – 90 anos”.

Adriano Moreira, no jantar dos seus 90 anos, com netos e estudantes da Tuna do ISCSP

Passado o aniversário e o jantar, que correram muito bem, estive para desactivar e fechar as páginas: haviam cumprido a função. Acabei por decidir mantê-las, para ver o que dava e fazer a travessia até ao Centenário. Elas já tinham gerado uma pequena comunidade, que sentiria falta desse ponto de reunião comum. Por isso, continuaram, até porque era o Prof. Adriano Moreira, pelo seu trabalho, a proporcionar-nos a melhor forma de as manter: os artigos que publicava na sua coluna semanal no “Diário de Notícias”.

As páginas Facebook eram alimentadas apenas por estes artigos e, ocasionalmente, uma entrevista que concedesse, uma homenagem que lhe fosse feita, a apresentação de um novo livro, uma nova distinção que recebesse.

Estas foram as regras estritas definidas: “Só se publicam neste grupo publicações que digam respeito a artigos, livros, entrevistas ou outras intervenções públicas do Prof. Adriano Moreira. Será apagado tudo que não tenha este objecto.” As páginas existiam, e existem, única e exclusivamente, para divulgar o pensamento do próprio e a projecção nacional da sua figura.

Face ao carácter rudimentar dos meios usados, à absoluta simplicidade das publicações, versando sobre uma figura fora dos holofotes mediáticos quotidianos, impressiona como essas páginas foram crescendo constantemente no número de aderentes. De algumas centenas em 2012, são já 5.128 os membros do grupo e 7.728 os seguidores permanentes da página pública. E é muito engraçado e significativo ler o que as pessoas concretamente dizem e escrevem, quer aquelas inscritas, quer outras que também aparecem a comentar. Ainda hoje, quem quiser pode ir consultar desde o princípio e recordar o que por ali se passou.

As páginas mantiveram até há um ano a designação inicial “Adriano Moreira – 90 anos”. E a nota mais saliente das mensagens de homens e mulheres foi o explosivo apreço por Adriano Moreira, expresso com uma candura tocante e genuína simplicidade: são largas centenas, milhares, as mensagens que, ao longo destes dez anos, sugestionadas pelo título da página, foram dando parabéns a Adriano Moreira pelos seus 90 anos, sem curarem da data, nem do ano. Não tinha importância; o importante, para os seguidores, era dar-lhe parabéns pela sua longa vida e pela continuidade pública do seu magistério, ilustrado num novo texto.

Há um ano, como anúncio do tempo especial em que estamos agora, as páginas mudaram de nome: primeiro, para “Adriano Moreira – 99 anos” e, pouco depois, para “Adriano Moreira – 100.º ano”, aplicando um facto comum, quase sempre esquecido, que é este: o ano que vivemos é o ano seguinte daquele que completámos, isto é, quando fiz 25 anos (já lá vai algum tempo…), entrei logo a viver o meu 26.º ano, que se cumpriria na íntegra no dia de aniversário seguinte.

Na verdade, tendo feito 99 anos em 6 de Setembro de 2021, hoje, 28 de Julho (fiz as contas), é o 325.º dia do 100.º ano de Adriano Moreira. Por isso, hoje mesmo aqui, nesta sessão da Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro, nós celebramos com propriedade este 100.º ano do nosso muito querido Prof. Doutor Adriano Moreira, que, nessas páginas Facebook, foi já recebendo, todas as semanas, desde há meses, centenas de mensagens de felicitações, espelhando alegria e admiração com aquela mesma candura e simplicidade de que já falei.

Mas as mensagens no Facebook dizem mais do que isso e servem também para retratar a face por que o apreciam: o professor ou o mestre que recordam, o cidadão ou o estadista que admiram, o grande português que exaltam. São estes os traços principais do cunho que os seus admiradores e seguidores registam: professor, estadista, português. Professor, estadista, português.

E, na verdade, podemos arrumar nestes três ângulos (os três olhares do vasto público que o seguiu e segue), as variadas e numerosas funções que desempenhou na sua vida:

Como professor, Adriano Moreira foi ou é:

Doutor pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa, onde foi também Professor Catedrático, Director e Presidente do Conselho Científico;

Doutor em Direito pela Universidade Complutense de Madrid;

Professor da Universidade Católica Portuguesa, do Instituto Superior Naval de Guerra, da Universidade Católica do Rio de Janeiro e da Universidade Aberta de Lisboa;

Professor Honorário da Universidade de Santa Maria, no Brasil;

Professor Emérito da Universidade Técnica de Lisboa;

Professor Honorário do Instituto Politécnico de Portalegre;

Doutor Honoris Causa pelas Universidade da Beira Interior e Universidade Aberta; pelas Universidades de Manaus, de São Paulo, da Bahía, de Brasília, do Rio de Janeiro e do Recife, no Brasil; pela Universidade de São Vicente, em Cabo Verde; pela Universidade de Aveiro e, ainda há dias, Doutor Honoris Causa pelo Instituto Universitário Militar.

e podemos ainda acrescentar, na mesma área universitária:

Curador da Universidade Cândido Mendes, do Rio de Janeiro;

Presidente do Conselho Nacional de Avaliação do Ensino Superior (1998-2007);

Presidente do Conselho Geral da Universidade Técnica de Lisboa, até à data (2013) em que se fundiu na Universidade de Lisboa; e

Membro do Conselho da Fundação Luís Molina da Universidade de Évora.

Como estadista, saliento as seguintes funções de Adriano Moreira, pela forma e pelo espírito com que as desempenhou foi:

Delegado de Portugal na ONU, em 1957/58/59;

Ministro do Ultramar, de 1961 a 1963, e, anteriormente, em 1960, Subsecretário de Estado da Administração Ultramarina;

Presidente Internacional do CEDI – Centro Europeu de Informação e Documentação;

Membro do Instituto de Estudos Políticos de Vaduz;

Membro do Movimento Paneuropa de Coudenhove-Kalergi;

Deputado à Assembleia da República entre 1980 e 1995;

Presidente do CDS – Partido do Centro Democrático Social (1986-1988);

Vice-Presidente da Assembleia da República (1991-1995);

Conselheiro de Estado (2015-2019)

E, como grande português, acrescento a tudo o que antecede, o seu intensíssimo perfil académico e a liderança de movimentos ou instituições da sociedade civil:

membro da Academia Brasileira de Letras, da Academia Pernambucana de Letras, da Academia Internacional de Direito e Economia de São Paulo, da Academia Internacional da Cultura Portuguesa, da Academia das Ciências de Lisboa e da Academia de Ciencias Morales y Políticas de Madrid, bem como Académico da Academia Portuguesa da História e da Academia de Marinha;

Fundador e Presidente Honorário da Academia Internacional da Cultura Portuguesa;

Presidente e Vice-Presidente da Academia das Ciências de Lisboa;

Director do Centro de Estudos Políticos e Sociais da Junta de Investigação Científica do Ultramar Português;

Iniciador do Movimento da União das Comunidades de Cultura Portuguesa, tendo presidido aos 1.º e 2.º Congressos dessas Comunidades, respectivamente em Lisboa (1964) e Lourenço Marques (1967);

Membro Honorário da Associação dos Antigos Alunos dos Estudos Gerais Universitários de Angola;

Presidente do Conselho de Fundadores do Instituto D. João de Castro;

Presidente da Assembleia Geral da Associação Portuguesa de Ciência Política;

Curador Honorário da Fundação Oriente;

Presidente Honorário da Sociedade de Geografia de Lisboa de que foi Presidente durante dez anos;

Presidente emérito do Conselho Supremo da Sociedade Histórica da Independência de Portugal

Deste percurso riquíssimo, abordarei quatro aspectos da sua vida, na percepção que tenho delas: a sua fortíssima relação com o ISCSP, o ter sido ministro do Ultramar, a sua presença no CDS e a sua acção na Sociedade Histórica da Independência de Portugal, esta casa onde hoje estamos.

“O Instituto do Adriano”

Se a sua alma mater é a mesma que viria a ser também a minha – a Faculdade de Direito de Lisboa, hoje FDUL –, a sua alma mater, no sentido substancial da escola que mais marcou a sua vida e que ele próprio mais marcou, é, se me permitem, o actual ISCSP – Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.

Nascido numa família de recursos modestos, veio de Trás-os-Montes para Lisboa ainda muito criança, porque o pai, depois de cumprir o serviço militar em Lisboa, aqui teve a oportunidade de ingressar na PSP. Aqui aprenderia as primeiras letras e cumpriria a escola primária, fazendo, depois, o liceu e, mais tarde, a Universidade. Adriano Moreira formou-se em Direito, ainda no Campo de Santana, em 1944, com 22 anos de idade.

Em 1953, prestou provas de concurso para Professor da, então chamada, Escola Superior Colonial, com a tese “O Problema Prisional do Ultramar”, dissertação que foi aprovada por unanimidade e viria a receber o Prémio Abílio Lopes do Rego, da Academia das Ciências de Lisboa. Esta escola era a continuadora da Escola Colonial, criada em 1906, ainda no final da monarquia, sob os auspícios da Sociedade de Geografia de Lisboa. Assim atravessou a República, que ainda aprovou uma sua primeira reforma em 1919. A segunda grande reforma acontece já em 1926, reestruturando de novo os seus cursos e renomeando-a de Escola Superior Colonial.

As reformas que continuou a sofrer ao longo dos anos refletiram, por um lado, a evolução das políticas, primeiro, coloniais e, depois, ultramarinas do país e do governo e, por outro, a adição de novas áreas de estudo no campo das Ciências Sociais e Políticas, que acompanharam a sua ascensão para o patamar universitário. Adriano Moreira está presente em todas elas, a partir de 1953.

Em 1954, a instituição passa a chamar-se Instituto Superior de Estudos Ultramarinos (ISEU), sublinhando-se estar “vocacionada para as Ciências Sociais” e assumindo-se já como “uma instituição universitária”. Adriano Moreira, que já estivera na direcção em 1956, manteve-se em contínuo na direcção do Instituto desde Julho de 1958 até 1969, tendo-lhe cabido a “tarefa de adequar a Escola aos novos tempos e desafios”. Foi pelo trabalho e pela sua porfia que o, ainda, ISEU viu consagrada a integração na Universidade Técnica de Lisboa, por aprovação do Decreto-Lei n.º 43.858, de 14 de Agosto de 1961 [2], embora mantendo-se com uma dupla tutela entre o Ministério da Educação Nacional e o do Ultramar.

O palácio, onde teve sede o ISCPU, na Rua da Junqueira, em Lisboa

Em 1962, foi concentrado no Palácio Burnay, na Rua da Junqueira, e mudou de novo o nome, agora, para Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina (ISCSPU). Foi na Junqueira que permaneceu várias décadas até se mudar para as modernas instalações actuais no pólo universitário da Ajuda.

Em 1969, Adriano Moreira foi exonerado da direcção do Instituto, em virtude de se opor à decisão do Ministério da Educação de encerrar os cursos de Serviço Social e de Antropologia, que a escola tinha acabado de criar. E, a seguir ao 25 de Abril de 1974, com a descolonização, o ISCSPU perdeu o “U”, passando à designação que é a de hoje: Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP).

Na minha percepção distante, como estudante, a demissão de Adriano Moreira ampliou a sua aura e fortaleceu a sua ligação indissociável ao Instituto. Entrei para a Universidade, na Faculdade de Direito de Lisboa, em 1970, nos meus 16 anos, e a ideia que circulava entre colegas sobre “a Junqueira”, como dizíamos – da mesma forma que Económicas era “o Quelhas” –, era ser “o Instituto do Adriano”, baptismo pronunciado com respeito e admiração. Era conhecida a marca que, anos a fio, fora deixando naquela escola, a forma como a prestigiara e fortalecera, a valorização que construíra até a fazer aceder à Universidade. Entre estudantes, Adriano pertencia ao lote selecto dos “bons professores”, aqueles cujas aulas “valiam a pena”. Corriam lendas sussurradas sobre diferendos seus dentro do regime. O episódio da demissão e afastamento cunhou, em definitivo, esse selo a lacre: “o Instituto do Adriano”, sua outra alma mater, que construiu, irmanando-a com a sua própria alma de professor e pensador.

Depois do 25 de Abril e do seu exílio temporário no Brasil, regressaria ao “seu” Instituto, que, ao longo de três quartos de século, formara centenas de quadros para a administração dos territórios ultramarinos em África e no Oriente, como fora a sua vocação inicial, marcada pela Sociedade de Geografia impulsionadora. Agora, em 1977, o “seu” Instituto (já sem o “U”), prosseguia o caminho, iniciado em meados dos anos ‘50, consolidado nos campos da Ciência Política e das Ciências Sociais, para se ajustar aos “novos tempos e desafios” e, elevada à Universidade, permanecer uma escola virada para o futuro.

Voltou aí a ensinar, como tanto gosta, a mostrar ser um professor “dos bons”, cujas aulas valem a pena. Nos comentários nas páginas Facebook que fui gerindo, são esses testemunhos que encontramos às centenas, senão milhares: alunas e alunos rendidos ao seu mestre, estudantes gratos ao seu professor, gente saudosa, gente que aprendeu com quem soube ensinar, transmitir, formar. A maioria teve-o como professor já no ISCSP ou ainda no ISCSPU, alguns talvez ainda no ISEU – abreviando, alunas e alunos no “Instituto do Adriano”, a escola onde mais deixou raízes.

Um reformista no Ultramar

Pouco depois de a guerra eclodir em Angola, numa forma especialmente violenta, em Março de 1961, e a seguir ao chamado “golpe Botelho Moniz” (um abortado golpe palaciano para substituir Salazar, o chefe do Governo), Adriano Moreira é convidado para ministro do Ultramar. Salazar já o nomeara, um ano antes, Subsecretário de Estado da Administração Ultramarina, apesar de, no final dos anos ’40, jovem advogado, Adriano Moreira ter enfrentado o regime na defesa jurídica de militares opositores, o que lhe valeu, na altura, uma passagem pela prisão do Aljube.

Assumir a pasta do Ultramar no período em que começara a sua guerra era tarefa pouco invejável para quem gosta de sossego, mas mobilizadora para quem não teme e antes aprecia um forte desafio. Adriano Moreira abraçou-o com profundo sentido reformista, depois de ter visitado de imediato Angola, para transmitir tranquilidade e propósito de futuro.

Adriano Moreira, ministro do Ultramar, visita Angola em 1961

A reforma mais emblemática deste seu mandato é a abolição do Estatuto do Indigenato, pelo Decreto-Lei n.º 43.893, de 6 de Setembro, rompendo em definitivo com o modelo legislativo que vinha do período da Ditadura Nacional em 1926 e objecto de reformas em 1929 e 1954. O decreto-lei de revogação vale pelo seu preâmbulo, que bem merece ser lido. Cito, aqui, um pequeno excerto ilustrativo do pensamento que o guia: “A mensagem com que, de súbito, iluminámos o Mundo até aos seus recantos mais longínquos proclamou ao mesmo tempo a igualdade do género humano e a dignidade do homem independentemente da sua cor, raça ou civilização, e impôs-nos uma maneira de estar no Mundo em que o respeito pelas culturas alheias foi traço característico que sempre prevaleceu.”

Ao mesmo tempo, para mencionar apenas outras reformas mais importantes do ministro Adriano Moreira, alargou o acesso à cidadania portuguesa, abriu a livre circulação em todo o território nacional (isto é, a possibilidade de todos os portugueses entrarem e fixarem-se em todas as suas parcelas) e criou os Estudos Gerais Universitários em Angola e em Moçambique, embrião das futuras Universidades.

Tanto reformismo em tão curto tempo custou-lhe a continuação do mandato. Não é difícil imaginar que houvesse interesses obscuros que se vissem abalados ou visões estreitas que se sentissem desconfortáveis. Tudo manobrado no silêncio, como é próprio desses interesses e visões, em qualquer tempo e qualquer regime. É que não há conhecimento de críticas públicas à acção do governante Adriano Moreira. Pelo contrário, olhando ao estado em que as coisas estavam quando tomou posse, só podemos supor que lhe pedissem para continuar e, caso pudesse, ir mais depressa e mais fundo. O certo, porém, é que, num episódio que, no essencial, é bem conhecido do público, o Presidente do Conselho chamou o seu ministro, já no final de 1962, para lhe dizer que era preciso mudar de política, ao que Adriano Moreira respondeu: “Vossa Excelência acaba de mudar de ministro.” Saiu na remodelação ministerial em preparação.

É pena a História não ser como a produção de vídeo, para podermos rebobinar umas décadas para trás, apenas para ver como tudo se teria passado se a política ultramarina de Adriano Moreira tivesse prosseguido e se houvesse alargado a outras áreas da governação nacional. A verdade é que ímpeto reformista similar só voltou a acontecer, após a revisão constitucional de 1971, com a Lei Orgânica do Ultramar de 1972, onde Angola e Moçambique assumiam a categoria de Estados. Tinham passado dez anos. Era já tarde, como todos viram pouco depois.

Adriano Moreira não interromperia, porém, a acção do seu pensamento ultramarino. Em rigor, a sua actuação como ministro fora o prolongamento prático do cultivo que fazia das ideias de Gilberto Freyre, que, ao longo da década de ’50, trouxera para Portugal com o Almirante Sarmento Rodrigues, seu grande amigo, conseguindo ambos que a visão do lusotropicalismo fosse aceite pelo regime, em vez de hostilizada e afastada, como até então. E, depois de ministro, prosseguiu nessa mesma senda.

Manchete na primeira página do “Diário de Notícias”, em 9 de Dezembro de 1964

Os marcos mais salientes dessa porfia foram os dois Congressos das Comunidades Portuguesas que organizou, em 1964 e 1967. São realizações extraordinárias de fôlego e de visão. Vendo à distância, depois da história vivida e contada, vemos como antecederam de trinta anos a CPLP e tudo o que ali, hoje, se desenvolve, em moldes actuais e muito maiores possibilidades.

O 1.º Congresso realizou-se entre 8 e 16 de Dezembro de 1964, com epicentro em Lisboa, naquela bem conhecida sala esplendorosa da Sociedade de Geografia, mas com oportunidade também para sessões especialmente simbólicas na cidade-berço de Guimarães e na Universidade de Coimbra. Teve numerosa participação e sobretudo vasta. Uma muito interveniente delegação do Brasil e de comunidades portuguesas de cerca de 30 países de emigração (como Estados Unidos, Argentina, França, Austrália e muitos outros), representações de todos os territórios portugueses, bem como da Índia e de outras comunidades orientais onde a cultura portuguesa ficou. O Congresso não foi de vistas curtas: aprovou a criação da União das Comunidades de Cultura Portuguesa e subscreveu ainda outra ideia de Adriano Moreira, o lançamento da Academia Internacional de Cultura Portuguesa.

Adriano Moreira frisara, logo na abertura, que o Congresso e o Movimento que impulsionava tinha “carácter apolítico”, querendo desmarcá-lo de terrenos confrontacionais – hoje, diríamos “apartidário” – que frustrariam por inteiro os seus propósitos mais amplos e de longo prazo. Mas é inescapável a profunda incidência política da ideia, até em linha com a nobreza mais alta da palavra Política: organizar em rede permanente as comunidades de cultura portuguesa por todo o mundo. E num modo diferente de fazer política: política a partir da sociedade e dos seus corpos intermédios, não a política a partir do Estado e do seu poder. No discurso de encerramento, Adriano Moreira deixou o chamamento: “Que homens de boa vontade se decidam a ser missionários de uma ideia que não agride ninguém e serve todos os povos.” Repito: homens de boa vontade a ser missionários de uma ideia que não agride ninguém e serve todos.

O Congresso gerou esperança e entusiasmo, que irradiou por todo o lado onde se fala a nossa língua ou manifesta a nossa cultura.

O 2.º Congresso reuniu, em Moçambique, entre 14 e 21 de Julho de 1967, num modelo original: abriu em Lourenço Marques e encerrou na Ilha de Moçambique, mas teve várias sessões a bordo do navio “Príncipe Perfeito” (um dos míticos paquetes da CNN, Companhia Nacional de Navegação), que navegou ao largo de Moçambique, aportando à Beira e mais a norte. Abordou a mesma temática, aprofundou o pensamento de Gilberto Freyre (de que foi apresentado um relatório) e dedicou-se de modo especial à problemática da língua portuguesa e do seu ensino em diferentes países, bem como da comunicação social em português.

Fez nova sementeira. Mas, infelizmente, não teve continuidade: não houve 3.º Congresso.

Ficou o impulso, a ideia e o seu sentido estratégico, que chegaram até hoje e que importa sempre retomarmos, renovarmos e prosseguirmos.

O testamento político no CDS

O Prof. Adriano Moreira, como político, atravessou regimes: foi subsecretário de Estado e ministro num (o Estado Novo), e deputado, vice-presidente da Assembleia da República e conselheiro de Estado noutro (a democracia implantada depois do 25 de Abril e do 25 de Novembro).

Adriano Moreira fê-lo sempre fiel a si próprio. A seguir à revolução, sofreu perseguições e teve de exilar-se no Brasil para assegurar o sustento de sua família e seu também, além de por razões de segurança. Regressa a Portugal em 1977 e adere ao CDS – Partido do Centro Democrático Social, a convite de Diogo Freitas do Amaral, Adelino Amaro da Costa, Ruy de Oliveira e Narana Coissoró. O seu pensamento era ali que pertencia.

Adriano Moreira, no encerramento do 5.º Congresso do CDS, em Abril de 1983

No IV Congresso do CDS, em Abril de 1981, realizado já depois da morte trágica de Amaro da Costa, o Prof. Adriano Moreira passa a ser um dos 14 que integravam a mais alta direcção do partido, de que eu também fazia parte: então, a Comissão Directiva. Havia sido também eleito deputado do partido, em Outubro de 1980, então, nas listas da coligação Aliança Democrática. Seria um dos mais respeitados deputados e evidente e espontâneo sentido de Estado. Após aquele Congresso, rapidamente se tornou um dos mais conhecidos e respeitados dirigentes do CDS, embora a sua intervenção fosse discreta. Era procurado amiúde por militantes de todo o país que queriam ouvir a sua experiência ou pedir o seu conselho.

Em 1983, após a saída de Freitas do Amaral, quando Francisco Lucas Pires é escolhido Presidente do CDS, Adriano Moreira integra as listas propostas pelo novo líder e é eleito Presidente do Conselho Nacional. É nesta posição que está quando Lucas Pires abandona a liderança em Dezembro de 1985, após um resultado eleitoral insatisfatório. O CDS vivia um período de alguma divisão interna desde que Freitas do Amaral deixara a liderança em Dezembro de 1982. E estava-se, nessa altura, em cima de eleições presidenciais. Passadas as presidenciais, o Congresso do CDS reuniu em Abril de 1986, elegendo Adriano Moreira Presidente do partido, funções em que ficaria apenas dois anos.

A sua liderança seria prejudicada por um fenómeno a que o CDS estava habituado – o chamado “voto útil” –, mas que atingiu proporções desmesuradas na circunstância da emergência de Cavaco Silva e da deslocação massiva de eleitores para lhe darem maioria absoluta. Em 1987, Cavaco Silva recebe 50,2%, enquanto o CDS se fica pelos 4,4%. No mesmo dia, para as europeias, onde não havia voto útil, o CDS recebeu 15,4% e o PSD não foi além de 37,5%.

Freitas do Amaral, que sucederia em 1988 a Adriano Moreira na liderança, viria a ter a mesma sorte, apesar dos 48% que obtivera nas presidenciais. Nas eleições legislativas de 1991, Cavaco Silva atinge 50,6%, enquanto o CDS repete os 4,4% de 1987. Nas europeias de 1989, onde o voto útil não se sentia, o CDS alcançara 14,2%, enquanto o PSD ficara nos 32,8%.

Adriano Moreira retirou desta experiência do seu partido uma sentença que lhe ouvimos dezenas de vezes: “O voto útil é útil para quem o recebe, não para o quem dá.” Repito: “O voto útil é útil para quem o recebe, não para o quem dá.”

Embora curta, a Presidência de Adriano Moreira deixou marca no CDS: a marca de uma grande figura do país, que o era (e é) independentemente do CDS e que ofereceu gratuitamente o seu crédito e prestígio ao partido. O CDS também lhe proporcionou a oportunidade de, em democracia, pela sua experiência e carácter, se consolidar como um grande senador de Portugal, um homem geralmente respeitado pela inteligência, pela devoção ao pensamento, pela seriedade e verticalidade, pelo humanismo cristão, pela capacidade de servir e pelo sentido de Estado, pelo seu exemplo como pessoa e como cidadão.

Homem de pensamento, deixou no partido um caderninho, editado, que só vim a conhecer quase 30 anos depois e para cuja reimpressão e divulgação contribuí. Intitula-se “Conceitos da Nossa Mensagem Política” e contém, de sua autoria, pequenos textos sobre 35 verbetes ou entradas, onde ressalta o patriotismo, a democracia-cristã, a visão política, a preocupação social, o espírito reformista, a perspectiva de futuro.

Deixo-vos aqui, das 35 entradas, apenas seis que escolhi para ilustrar a riqueza do, chamemos-lhe assim, testamento político de Adriano Moreira ao CDS, escrito e legado em 1987:

Primeiro Portugal

«A Pátria não é um estribo. A Pátria não é um acidente.

A Pátria não é uma ocasião. A Pátria não é um peso.

A Pátria é um dever entre o berço e o caixão, as duas formas de total amor que tem para nos dar.»

Ser português

«O nosso principal interesse, a nossa raiz perene, está na sociedade civil que permanece, sejam quais forem as convulsões políticas. Quando falamos da sociedade civil, sabemos que nos estamos a referir às instituições que rodearam a nossa infância, que nos integraram na vida colectiva, que nos ensinaram a amar a terra de origem, que nos fizeram aprender a identificar a nossa gente, que nos transmitiram esta sabedoria colectiva que é a arte de ser português em qualquer parte do Mundo.»

O Estado exíguo

(uma das suas maiores inquietações e um tema que abordou frequentemente)

«Portugal caminha desesperadamente para a situação de Estado exíguo, isto é, uma organização que não é capaz de responder aos objectivos para os quais se inventou esta forma política de viver. Exíguo porque não pode produzir e reproduzir as forças armadas de que necessita, mantendo as que tem em situação vegetativa; exíguo porque não oferece postos de trabalho à demanda das novas gerações, não garante os salários retributivos do trabalho feito, não dispõe de pão suficiente para a fome de todos; exíguo porque a esperança e a confiança no futuro colocam as suas principais metas fora do território nacional; exíguo porque não se mostra capaz de reaver as capacidades financeiras e empresariais portuguesas que florescem à vista noutros lugares, e cujos recursos conhecidos devem ser superiores aos encargos da dívida pública que nos esmaga.» 

O bem comum abandonado

«As instituições da sociedade civil sofrem geralmente de falta de recursos que lhe subtraíram e da vontade que lhe quebraram, e as da sociedade política têm nome mas não têm conteúdo institucional. Os partidos não são instituições, os órgãos de soberania não se institucionalizaram, e o resultado é uma luta de pessoas pelos postos e de grupos pelos interesses, com o bem comum abandonado, até semanticamente porque a expressão anda em desfavor.»

O tempo perdido

«A única coisa irrecuperável e que inexoravelmente vai correndo é o tempo, o tempo do governo, o tempo dos homens vivos, o tempo da Nação independente, o futuro de nós todos.»

O poder do eleitorado

«A manutenção do actual sistema apenas favorece os jogos no poder, mas não permite desenvolver o poder da sociedade civil e do Estado. A manutenção do sistema não torna viáveis as reformas estruturais cuja promessa movimentou o sentido do voto nas últimas eleições, e por isso convidamos as forças e instituições da sociedade civil, que devem ser quem mais orienta o eleitorado, a juntarem-se na luta do CDS para a mudança do sistema.» [3]

A cadeira de Herculano

Adriano Moreira deu também um contributo precioso à Sociedade Histórica da Independência de Portugal, a cuja Direção presido. Estamos-lhe muito gratos por isso.

Adriano Moreira tinha uma já longa relação com a Sociedade de Geografia de Lisboa, mas não com a Sociedade Histórica, talvez por, durante cerca de 30 anos, esta viver na sombra da Mocidade Portuguesa, que ocupava a quase totalidade do Palácio. É já na década de ’80, no tempo das Direcções que, depois de um período muito conturbado, procuravam reconstruir e afirmar a Sociedade Histórica, que Adriano Moreira se aproxima e é convidado e admitido como associado. Tudo começou na presidência de Carlos Ayala Vieira da Rocha, que o convida para proferir uma conferência. Uma coisa conduziu à outra: é sócio efectivo desde Outubro de 1983.

Participando na reconstrução orgânica da instituição, Adriano Moreira integra o elenco de novos membros do Conselho Supremo que são eleitos em 1984. Cabe-lhe a Cadeira n.º 1 que era a de Alexandre Herculano. Dificilmente lhe podia caber outra.

Foi sempre um membro activo, interveniente e cooperante, ao longo das presidências do General Themudo Barata. E, já na presidência de Jorge Rangel, foi eleito, em 2006, para Presidente do Conselho Supremo. Estão ainda na memória de muitos sócios os Ciclos de Palestras que, até 2009, organizou a partir do Conselho Supremo sobre temas da identidade nacional, da construção europeia e da política internacional, sempre com uma nota constante de qualidade.

A Sociedade Histórica não regateia ao Prof. Doutor Adriano Moreira apreço, admiração e gratidão. Sentimo-nos honradíssimos por ser um dos nossos. Elegemo-lo Sócio de Mérito, em 1986, e Sócio Honorário, em 2012. Atribuímos-lhe o Prémio Aboim Sande Lemos – Identidade Portuguesa, o nosso mais alto galardão, em 2010. E promovemos uma grande sessão de homenagem, por iniciativa do Conselho Supremo, em 2019.

Sessão dos 150 anos da Sociedade Histórica da Independência de Portugal, em Maio de 2011, em que foi entregue a Adriano Moreira o Prémio Aboim Sande Lemos – Identidade Portuguesa

O pensamento estratégico

Podia ter desenvolvido outras notas do seu percurso. Por exemplo, o seu grande apego ao ensino superior militar e a muito estreita relação que, ao longo de várias décadas, criou com as Forças Armadas e sobretudo com os seus oficiais generais. Foi professor dos seus cursos, visita assídua das suas escolas e um professor muito estimado e admirado. Adriano Moreira é o civil que mais e melhor conhece as Forças Armadas desde há muitas décadas e, estou em crer, o civil mais prestigiado entre os militares.

Esta relação de proximidade também lhe facilitou que aprofundasse um dos ângulos principais da sua intervenção como professor, como pensador e como político: o pensamento estratégico. Não há como militares para perceberem a importância do pensamento estratégico. E Adriano Moreira não se tem cansado de chamar a atenção para a necessidade do Conceito Estratégico Nacional; para a importância de conhecer e seguir o Conceito Estratégico Europeu; e isto para não falar noutros mais evidentes como o Conceito Estratégico da NATO (ainda há pouco revisto), o da Defesa Nacional, o da Segurança Interna, etc.

Ouvimo-lo, várias vezes, apelar à definição do Conceito Estratégico Nacional; ou aqui, nesta casa, num dos ciclos de palestras que dirigiu como Presidente do Conselho Supremo, interrogar-se sobre o Conceito Estratégico Europeu, na circunstância do Tratado de Lisboa.

Hoje, não nos surpreenderia se interpelasse os líderes mundiais com esta pergunta: mas, afinal, onde está e qual é, hoje, o Conceito Estratégico das Nações Unidas? Onde está? Quem o conhece? Quem o segue? A ausência de resposta também nos ajuda a entender a fonte e a dinâmica da derrapagem perigosíssima em que estamos, hoje.

Adriano Moreira explicaria sem dúvida como o “conceito estratégico” é uma das concretizações da sua metáfora do “eixo da roda”, que usou tantas vezes e popularizou no seu magistério. A sua frase original é: “Os valores são o eixo da roda. A roda anda, passa por mudanças, e o eixo acompanha a roda, mas não anda.” Não é difícil vermos como, no insistente pensamento estratégico de Adriano Moreira, o “conceito estratégico” é um dos seus lugares de inscrição.

É um pensador activo.

Tem 40 livros publicados, alguns com várias edições, desde livros jurídicos e outros livros universitários em matérias do seu ensino, a livros de doutrina, de ciência política, de ciências sociais, de política internacional, de intervenção política. Intervém, desde há muito, por artigos de imprensa. E em revistas científicas também, como é óbvio. Só depois dos seus 90 anos, que citei atrás, publicou cerca de 500 crónicas semanais no “Diário de Notícias”… É extraordinário.

E não se deixou ficar há 30 ou 40 anos. Muitas das crónicas reflectem como continuou sempre a actualizar-se, a ler e conhecer novos autores contemporâneos nas áreas do seu interesse. É extraordinário. Pensamento, pensamento, pensamento.

A travessia dos últimos dois anos

Desde que começou a pandemia, em Março de 2020, os últimos dois anos e meio foram de muita dureza para o nosso amigo Adriano Moreira. Não foi apenas a pandemia, os confinamentos e os cuidados constantes, que o penalizaram como a muitos. Mas foi um conjunto de outros infortúnios: acontecimentos pessoais dolorosos, acidentes físicos severos, outros abalos de saúde e, há pouco tempo, até a Covid de que conseguira escapar todo o tempo anterior.

Tem sido um pilar de resistência e, como agora se diz, resiliência. Só Deus sabe como. É inacreditável o que sofreu e resistiu nestes dois anos, sempre com o carinho da família e o acompanhamento dos amigos mais próximos.

Fez-me lembrar uma peça de teatro de Alejandro Casona, que fez grande sucesso quando eu era adolescente, até como teatro televisivo na RTP, interpretada brilhantemente por Palmira Bastos: “As árvores morrem de pé”. É uma ideia que se pode colar a toda a vida de Adriano Moreira, em especial nestes últimos dois anos: “As árvores morrem de pé”. É uma frase que também calha bem a um transmontano: “As árvores morrem de pé”.

Recuando à peça de teatro, quando Palmira Bastos, firme e teimosa diante da adversidade, bate com a bengala no chão e grita “Morta por dentro, mas de pé, de pé, de pé como as árvores”, ela não morre, ela vive. Está preparada, mas de pé e viva. Precisamos das árvores de pé porque nos dão norte, mas vivas também porque nos dão sombra e, na sua estação, frutos.

A palavra do Presidente da República

A concluir, peço licença para ler um texto do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, na última actividade pública de Adriano Moreira antes de confinarmos para a pandemia. É tirado da parte final do discurso que proferiu na Academia das Ciências, em 28 de Fevereiro de 2020, na apresentação do livro de Adriano Moreira, “A Nossa Época – Salvar a Esperança”. É que não há melhores palavras para descrever e interpretar a totalidade da vida de Adriano Moreira e da sua figura.

O Presidente da República discursa na Academia das Ciências, em Fevereiro de 2020 (Foto da Presidência da República)

Disse o Presidente da República:

«Hoje, falemos e sublinhemos uma obra das muitas que fazem a grande obra que nasceu na lonjura bem nortenha; percorreu o itinerário árduo do rural para o urbano, sem nunca deixar de ter algo de rural, palmilhou mundos (e, neles, o mundo imperial português na sua 23ª hora); introduziu esses mundos e essas estratégias nos manuais e nas cabeças dos nossos letrados e concidadãos; foi assumindo um personalismo cada vez mais cristão e cada vez mais humanista, vindo de uma simbiose de uma esquerda jurídica com uma compreensão da autoridade tão do apreço da clássica direita nacional; quebrou fronteiras, socializou-se no sentido mais vasto do termo, universalizou-se, conquistou mais esquerdas sem nunca perder as direitas nostálgicas e as direitas carecidas de doutrina; conjugou pátria e multilateralismo, europeísmo unilateral com ceticismo europeu político; mostrou reservas ao transatlantismo, não como ideia, mas como saga de uma Europa de novo dessorada e fragmentada e desse seu parceiro inseparável, que sempre o será, mas também sempre será generoso, ingenuamente desconhecedor dos outros mundos; anunciou sucessos e crises de poderes russos e chineses; apontou para outras composições e desafios internacionais; e, acima de tudo, teve, no princípio e no fim, o patriotismo, a crença num Portugal plataforma entre culturas, civilizações, oceanos e continentes, que verdadeiramente preside à estratégia nacional desde a nossa segunda dinastia e que se projeta dentro e fora do nosso território físico, mas sempre dentro do nosso território espiritual – patriotismo que julgou e julga, a justo título, incompatível com a distração, o descaso ou a minimização do papel das Forças Armadas, mesmo quando elas, como é o caso, são fator decisivo de orgulho nacional e de prestígio universal pelas suas variadas e imperecíveis missões nos diversos continentes.

Nada lhe foi estranho ou alheio, e cultivou a Esperança, a mesma Esperança, década após década, agora retomada nesta obra, mais uma da obra completa da sua vida. Esperança tanto mais forte e inspiradora, quanto vivida de uma experiência inesgotável e de um conhecimento apurado das ilusões e desilusões dos tempos – dos outros tempos e destes tempos. E, como diz, na verdade, só a Esperança nos salvará.»

Ouvimos palavras notáveis do Presidente da República, na apresentação do último livro de Adriano Moreira, intitulado “A Nossa Época – Salvar a Esperança”.

Ideias e valores

Termino:

Hoje, infelizmente, a política perdeu ideias e valores, prevalecendo a política de interesses e oportunidades, o que explica muito a decadência geral da política a que estamos a assistir.

Adriano Moreira foi sempre um pregador da política baseada em ideias e valores. Só essa pode servir o Bem Comum, como é a sua principal função, a principal função da própria política.

Pelo que fez, pelo que deu, pelo que ensinou, pelo que criou, pelo que transmitiu, pelo que resistiu, pelo que teimou, pelo que recomeçou, o nosso maior sentimento de cidadania é de gratidão.

Muito obrigado.

(Este texto é a adaptação da palestra proferida no Palácio da Independência, em 28 de Julho de 2022, por iniciativa da Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro, que convidou para o efeito o Presidente da Sociedade Histórica da Independência de Portugal, José Ribeiro e Castro)

[1] Hino da freguesia de Grijó, segundo a entrada Grijó (Macedo de Cavaleiros), na Wikipédia

[2] Os artigos 1.º e 2.º do citado Decreto-Lei n.º 43.858, de 14 de Agosto de 1961, dispunham:

Artigo 1.º O Instituto Superior de Estudos Ultramarinos é integrado na Universidade Técnica de Lisboa e fica na dependência pedagógica do Ministério da Educação Nacional.

Art. 2.º O reitor da Universidade Técnica e o respectivo conselho universitário têm, em relação ao Instituto Superior de Estudos Ultramarinos, as mesmas atribuições que lhes cabem em relação aos outros estabelecimentos de ensino superior integrados na Universidade Técnica.

[3] Entradas retiradas do folheto “Conceitos da Nossa Mensagem Política”, da autoria de Adriano Moreira, Presidente do CDS – edição da Direcção Nacional de Campanha do CDS para as eleições legislativas e europeias de 19 de Julho de 1987.

José Ribeiro e Castro

Violento despiste após noite em discoteca mata jovem de 21 anos e deixa quatro em estado grave

 Um dos jovens foi projetado para dentro de um prédio no momento do acidente em Carrazeda de Ansiães.

Uma jovem de 21 anos morreu na madrugada deste domingo na sequência de um despiste de uma carrinha de caixa aberta onde seguia com mais seis amigos.

Ao que o CM apurou, há quatro jovens em estado grave, um deles está em coma e outro ligado a um ventilador. Todos os feridos foram transportados para o Hospital de Vila Real, com exceção de um que foi transportado para o Hospital de Santo António, no Porto, explica a Lusa. Fontes do Comando Distrital de Operações de Socorro de Bragança e dos Bombeiros Voluntários de Carrazeda de Ansiães, referem que o despiste ocorreu pelas 05h45.

O acidente ocorreu quando os sete jovens regressavam de uma discoteca em Carrazeda de Ansiães, no distrito de Bragança. Um dos jovens foi projetado para dentro de um prédio no momento do despiste.

No local estiveram os bombeiros de Carrazeda de Ansiães e Alijó, INEM e GNR.

Francisco Manuel

Económico com Queijo Terrincho (e outras transmontanices)

Por: José Mário Leite
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)

O Nordeste transmontano tem um gastrónomo de eleição: Virgílio Gomes. Há alguns, poucos, que lhe seguem os passos. Os restantes, não passam de aprendizes. O Prémio da Literatura Gastronómica 2022, atribuído, este ano, pela Academia Internacional de Gastronomia à sua obra À Portuguesa, na sequência do Grande Prémio de Literatura Gastronómica, com que foi agraciada, em 2015 a sua obra Dicionário prático da Cozinha Portuguesa pela Academia Portuguesa de Gastronomia, mais não são do que a confirmação do talento, do conhecimento enciclopédico e, sobretudo, da elegância com que o Virgílio fala e escreve sobre a gastronomia em geral, mas, sobre a nossa, muito em particular. Nos seus escritos, o bragançano agarrando-se firmemente à tradição, colhida no ritual das refeições familiares, não deixa de acolher as novidades contemporâneas que, sem desvirtuar aquela, a enriquecem e modernizam. Da “alheira de bacalhau” afirma, repetida e enfaticamente que, não tem nada contra o produto em si (“É mais um enchido”, diz) desde que não se chame alheira. É possível caminhar para a modernidade sem atraiçoar a tradição.
O seu conhecimento é global (recentemente respondeu de forma afirmativa e empenhada ao desafio de falar sobre a gastronomia arménia), embora especializado na cozinha portuguesa, porém, é a forma de cozinhar (e comer) no nordeste que faz evidenciar a mais valia do entendimento construído por cima da experiência e da memória de décadas. Lê-lo, mais do que a excitação das papilas gustativas, desperta recordações, transporta-nos aos lugares de origem e aos respetivos tempos, muitas vezes anteriores ao ato da confeção (a alheira começa com a matança do porco), aos rituais e supostos pormenores que não são apenas detalhes (“as tripas do porco que hoje são recolhidas em recipientes de plástico eram, então, recebidas em cestos de verga forrados com panos de linho, para que não se rasgassem) e aos rifões que, em gastronomia, são muito mais do que isso, antes representam a súmula do conhecimento e sabedoria secular (leitão de mês, cabrito de três), lembrando as recomendações que, apesar de todos sabidas, eram repetidas talvez para memória futura (na Lua minguante não se mata o porco para evitar que as carnes minguem ao cozinhar). Os seus escritos sentam-nos à mesa e, para surpresa minha, até o que julgava ser uma inconfessável bizarria, afinal tinha razão de ser e o gosto pela “excentricidade” afinal não era gesto esquisito mas prática variada e algo comum como o hábito, que dá título a esta crónica, de juntar bom queijo terrincho a uma fatia de económico, ao pequeno almoço.
Virgílio Gomes é um escritor de sensações, de ambientes, de tradições vividas. Não pode, obviamente, ser cotejado com quem se arvora de gastrónomo pelo simples facto de ter reunido uma coleção significativa de receitas e modos de cozinhar (genuínas ou nem tanto – para ser à transmontana não basta que seja hoje confecionada no Reino Maravilhoso ou, algures, por transmontanos!), por mais pormenorizadas e “científicas” que pretendam ser. Melhor e de forma mais rigorosa do que isso, qualquer Bimby faz, na perfeição. Esta, propondo-se fazer vários tipos de pão, garantindo que um deles é o “pão caseiro”, não o há de ser na plenitude por incapacidade de o benzer, à boca do forno:

“S. Vicente de acrescente
S. Mamede te levede
S. João te faça pão”

José Mário Leite
, Nasceu na Junqueira da Vilariça, Torre de Moncorvo, estudou em Bragança e no Porto e casou em Brunhoso, Mogadouro.
Colaborador regular de jornais e revistas do nordeste, (Voz do Nordeste, Mensageiro de Bragança, MAS, Nordeste e CEPIHS) publicou Cravo na Boca (Teatro), Pedra Flor (Poesia), A Morte de Germano Trancoso (Romance) e Canto d'Encantos (Contos), tendo sido coautor nas seguintes antologias; Terra de Duas Línguas I e II; 40 Poetas Transmontanos de Hoje; Liderança, Desenvolvimento Empresarial; Gestão de Talentos (a editar brevemente).
Foi Administrador Delegado da Associação de Municípios da Terra Quente Transmontana, vereador na Câmara e Presidente da Assembleia Municipal de Torre de Moncorvo.
Foi vice-presidente da Academia de Letras de Trás-os-Montes.
É Diretor-Adjunto na Fundação Calouste Gulbenkian, Gestor de Ciência e Consultor do Conselho de Administração na Fundação Champalimaud.
É membro da Direção do PEN Clube Português.