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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira..
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 31 de março de 2021

Empresa dona das barragens aprova mudança da sede do Porto para Miranda

 A Mohvera, dona das seis barragens da bacia hidrográfica do Douro, aprovou a transferência da sede da empresa do Porto, onde está actualmente, para Miranda do Douro.

A Assembleia Geral da Movhera validou hoje a localização definitiva da empresa neste concelho transmontano.

Numa nota no site da empresa, lê-se que “após um processo de registo iniciado em meados de Março, a Assembleia Geral da Movhera validou hoje a localização definitiva da sua sede no Município de Miranda do Douro”.

A Movhera explica que fica assim “mais próxima dos activos da empresa localizados no Douro Internacional, assim como da Engie Hidroelétricas do Douro”. A empresa sustenta ainda que com este passo, confirma “o compromisso com o desenvolvimento económico da região”.

Quando foi aprovada a venda das seis barragens de Miranda, Picote, Bemposta, Baixo Sabor, Feiticeiro e Foz Tua, a Engie tinha assegurado que a entidade responsável pela operação e manutenção dos aproveitamentos hidroelétricos, com cerca de 60 trabalhadores, ficaria sedeada em Miranda do Douro, prevendo ainda juntar mais 22 funcionários, correspondentes a novos postos de trabalho.

A confirmação da instalação em Miranda surge na semana em que o Movimento Cultural da Terra de Miranda tinha alertado que a empresa continuava a ter sede no Porto, temendo que os impostos municipais não fossem pagos na região.. 

Escrito por Brigantia
Jornalista: Olga Telo Cordeiro

PÁSCOA TRANSMONTANA ESTÁ MAIS DOCE MAS O FOLAR DE CARNES NÃO PERDE DESTAQUE

 Em Trás-os-Montes, um dos maiores sinónimos de Páscoa é ter folar à mesa.
Por aqui, este verdadeiro manjar é feito com os melhores ingredientes transmontanos, acima de tudo bem recheado de fumeiro e preferencialmente cozido em forno a lenha. Apesar de a pandemia ter deixado a vida de quase todos em suspenso, a verdade é que, tendencialmente, ainda que com menos gente reunida, as festividades não deixam de ser assinaladas e as pessoas continuam a procurar os produtos que são característicos de cada celebração.

Ingredientes certos determinam um bom folar

Por Bragança, a pastelaria Canelão, fundada há mais de 25 anos, é das mais procuradas nestes dias de festa. Luís Correia, o proprietário, que no ano passado, tirando o Algarve, mandou folar “para todo o lado”, admite que “há cada vez mais pessoas que preferem comprar porque não têm tempo para o fazer ou não sabem”. 

Normalmente, a tradição de fazer o folar é fortemente associada às aldeias, mas até mesmo nelas há cada vez menos gente que o faz. Segundo o proprietário do Canelão deve-se, como de resto acontece em muitas outras coisas, ao envelhecimento. “Há muita gente que ainda tem forno a lenha, mas, em muitos casos, a idade já não deixa”, explicou. Nesta pastelaria de Bragança, encomendas, por estes dias, não faltam. Ainda assim, os tempos do “não há mãos a medir” já lá vão. Hoje em dia, as máquinas ajudam e muito. “Não preciso de muito, tenho quatro filhos. Dois deles trabalham aqui a tempo inteiro e os outros dois, se for preciso, ajudam. Além disso só preciso dos meus outros dois empregados”, assinalou Luís Correia, que começou pôs de pé o Canelão através de um sonho da mulher, que hoje em dia está responsável pelo atendimento aos que ali passam. 

Na fábrica onde se confeccionam, por estes dias, milhares de folares, o avanço dos tempos ajudou a tornar o processo de fabrico mais fácil e rápido, através de várias máquinas e batedoras, mas as características mantiveram-se. “Agora já não é preciso trabalhar largas horas, nem de noite, como quando comecei. Mudou muita coisa mas a qualidade foi sempre a mesma. Comprei e compro sempre a mesma mercadoria, sobretudo no comércio local”, referiu o pasteleiro. 

Aproveitando então os melhores ingredientes da terra, segundo Luís Correia, o petisco da Páscoa não esconde grande sabedoria. “A massa leva 12 ovos por quilo. O segredo não é nenhum. Só faz bem quem quer e só faz mal quem quer. Se não se usar carne boa claro que não fica tão saboroso, mas também não fica a mesma coisa se se retirar aos ovos, à manteiga ou ao azeite”, sublinhou o pasteleiro, que mune de bacon, chouriça, carne gorda e chourição este pão de ovos. No ano passado, por esta altura, no Canelão, onde a especialidade são os bolos que dão nome à pastelaria, já se tinham vendido mais folares, ainda assim, “não deve faltar gente que o venha comprar por estes dias da Semana Santa”.

Chocolate adoça a Páscoa

Sérgio Delgado é um dos filhos de Luís Correia que ali trabalha a tempo inteiro. As circunstâncias da vida encaminharam-no para o negócio de família, do qual faz parte há 11 anos. Apesar de nunca ter tido grande interesse pela pastelaria, segundo diz o pai, Luís Correia, Sérgio é o “rei” dos bolos e da chocolataria, um gosto que o irmão, que está por Lisboa, lhe transmitiu. Cada vez mais interessado pelo trabalho em chocolate, Sérgio Delgado tem colocado a pastelaria e as vendas noutro nível. Além do folar, no Canelão não faltam opções para quem procura algo mais aprimorado e diferenciador na mesa. “Por esta altura fazemos várias coisas à base de chocolate, desde ovos e outras figuras características da Páscoa, a bombons e amêndoas”, explicou. 

Para chegar ao patamar de tratar o chocolate por tu, Sérgio Delgado teve que aprender as bases. Depois tudo se tornou mais “fácil” e até mesmo “natural”. “Gosto mais de chocolate negro. É um chocolate com o qual se trabalha melhor”, referiu o pasteleiro, que se mostra satisfeito em ver que, no que toca à sua “casa”, a Páscoa “é um dia em que se vende muito bem” e “as pessoas procuram cada vez mais estes pequenos requintes”. Além das criações de Sérgio Delgado, sem deixar de lado o típico folar, as montras do Canelão, por esta semana, enchem-se de outras sobremesas que servem para assinalar a quadra. 

Entre as ofertas estão o pão de ló cremoso de chocolate, o brioche de cacau, o bolo honoré, com crocante de avelã, mousse de chocolate negro, caramelo salgado e um cremoso de baunilha, o ovo de chocolate recheado de tiramisu, o ninho de Páscoa e outros ovos que dentro escondem sobremesas geladas, com várias combinações de sabores.

Tradição resiste

Noutros tempos, por esta altura, eram muitas as portas dos fornos que se abriam, nas aldeias, para fazer o folar. Antigamente rara era a família que não tinha forno e também rara era a casa onde o folar que fosse para a mesa não tivesse sido ali feito. Aida Pires tem 81 anos e é natural de Alimonde, no concelho de Bragança. Foi naquela aldeia que nasceu, cresceu e ainda vive. Em termos de cumprir a tradição, a idade é só número. Mesmo que as pernas já não ajudem, o folar da Páscoa é feito no forno a lenha que ainda conserva e onde ainda vai cozendo pão. Além dos enchidos, da manteiga, azeite, farinha e fermento, gasta dez dúzias de ovos às galinhas que ainda cria e que às tardes comem as ervas que apanham no pátio. É ali, a apanhar o sol de Março, onde se senta e recorda estes saberes. “Faço folar há mais de 50 anos. É uma tradição bonita e tenho que o ir fazendo enquanto possa”, explicou, lembrando que aprendeu a confeccioná-lo, ainda bem nova, com uma vizinha e amiga, a Tia Marquinhas, a quem carinhosamente chamava madrinha. As dificuldades em andar podem ser grandes mas a vontade de manter a tradição não é mais pequena. O forno têm que ser os filhos a carregá-lo de lenha e acender-lho, mas o resto não o entrega a mais ninguém. “Sou eu que amasso e quando faço o folar aproveito sempre para fazer pão e bolas de carne”, salientou Aida Pires, que, ainda assim, pede ajuda à neta, também em jeito de lhe transmitir a forma de fazer, garantindo que a tradição não morre e aquele toque perdura na família. Depois de amassado, o folar da dona Aida fica a levedar duas horas e, pelo menos, outros trinta minutos já nas formas. Além dos bons ingredientes, o segredo está nas mãos, no jeito de amassar.

Jornalista: Carina Alves

Intercâmbio internacional 'Erasmus + Heritage Volunteers Workcamp' em França: Palombar recruta 5 voluntários/as

 A Palombar - Conservação da Natureza e do Património Rural está a recrutar 5 voluntários/as para participar no intercâmbio internacional 'Erasmus + Heritage Volunteers Workcamp', realizado no âmbito do projeto 'Erasmus + Heritage Leaders and Volunteers II', financiado pelo programa Erasmus + da União Europeia (UE), sobre conservação do património edificado e das técnicas tradicionais de construção.
O intercâmbio irá decorrer na aldeia de Faycelles (departamento de Lot), em França, entre os dias 20 e 31 de julho de 2021 e é organizado pela associação francesa Rempart (www.rempart.com), em parceria com a Palombar, a Associação The Dry Stone Wall - DSWAI (Irlanda) e a Associação DECLAM (França).

Durante 12 dias, os/as voluntários/as que integrarão este intercâmbio vão adquirir conhecimentos em ações que visam principalmente: promover a valorização e conservação do património edificado da aldeia de Faycelles, restaurar espaços arquitetónicos e muros de pedra, bem como criar móveis de madeira e contribuir para a manutenção de áreas e trilhos adjacentes aos edificados alvos de restauro. Serão também realizadas atividades de lazer e convívio para a descoberta do território e do seus valores patrimoniais, culturais e naturais. Esta será uma experiência única de partilha de conhecimentos, intercâmbio cultural e vida comunitária.

Localizada no último sopé do Maciço Central francês, Faycelles é uma aldeia francesa, com origem medieval, encaixada entre dois vales onde correm os rios Lot e Célé. Possui um rico património histórico e edificado, com miradouros a partir dos quais é possível desfrutar das mais belas e vertiginosas paisagens da região.

CANDIDATURAS

Quem pode candidatar-se?

Jovens com idades entre os 18 e os 30 anos. Os/as jovens do distrito de Bragança terão prioridade no processo de seleção dos/as voluntários/as.

Como?

Envia uma mensagem de e-mail com o assunto "Intercâmbio internacional 'Erasmus + Heritage Volunteers Workcamp' - candidatura" para palombar@palombar.pt, com o teu currículo e carta de motivação em Inglês, nome completo, idade e contactos, a indicar a tua intenção de participar neste intercâmbio. Se fores selecionado/a, irás receber toda a informação necessária.

Qual é o período de candidatura?

O período de candidatura decorre até 31 de maio de 2021.

Vou ter alguma despesa financeira?

As despesas das viagens (através de reembolso do valor pago previamente pelos/as voluntários/as - até 275€), das refeições, do alojamento e das excursões realizadas no local serão todas asseguradas pela associação Rempart, através do programa Erasmus +.

Cada voluntário/a terá de pagar apenas o seu seguro pessoal obrigatório, no valor de 30€.

Como vou para França?

O grupo de voluntários/as recrutados/as pela Palombar deverá ir para a França de preferência de avião.

Nota: Devido à pandemia de COVID-19 e às medidas de combate à doença, poderá, eventualmente, ser solicitado aos/às voluntários/as um teste negativo à COVID-19 para participarem neste intercâmbio ou outros elementos de controlo sanitário. Caso tal seja necessário, os/as participantes selecionados/as serão informados/as previamente e em tempo útil.

Mais informação AQUI.

ONDA LIVRE TV – GNR está a fiscalizar e sensibilizar para a limpeza de matas e terrenos

Retábulo da Capela de Nossa Senhora do Amparo vai ser restaurado

 A intervenção em execução, financiada pela autarquia, no valor de cerca de 24 mil euros, tem como objetivo garantir a estabilidade física e material do retábulo, retardando a sua degradação, bem como a recuperação da sua unidade estética, respeitando a autenticidade e o valor o valor histórico-cultural, artístico e devocional.
A Câmara Municipal de Mirandela vai investir na conservação e restauro do retábulo da Capela de Nossa Senhora do Amparo. Datado do século XIX, com 6 metros de altura e em talha dourada, o retábulo da Capela de Nossa Senhora do Amparo possui um incalculável valor histórico-artístico para o concelho de Mirandela, informa fonte do município.

Uma análise técnica realizada em outubro de 2020 revelou sinais evidentes de oxidação de elementos de fixação, de fendas e fissuras, de danos provocados por agentes biológicos, do depósito de poeiras e sujidade, do enfraquecimento e empenamento do tampo do frontal de altar e predela, causado pela colocação de vasos de flores no retábulo, e consequente contato de água com a madeira, salienta um comunicado do município.

A intervenção em execução, financiada pela autarquia, no valor de cerca de 24 mil euros, tem como objetivo garantir a estabilidade física e material do retábulo, retardando a sua degradação, bem como a recuperação da sua unidade estética, respeitando a autenticidade e o valor o valor histórico-cultural, artístico e devocional. O término das obras, realizadas por uma equipa técnica especializada, estão previstas para o fim do mês de maio deste ano.

Eça de Queirós: "A Aia"

Era uma vez um rei, moço e valente, senhor de um reino abundante em cidades e searas, que partira a batalhar por terras distantes, deixando solitária e triste a sua rainha e um  filhinho, que ainda vivia no seu berço, dentro das suas faixas.

A lua cheia que o vira marchar, levado no seu sonho de conquista e de fama, começava a minguar, quando um dos seus cavaleiros apareceu, com as armas rotas, negro do sangue seco e do pó dos caminhos, trazendo a amarga nova de uma batalha perdida e da morte do rei, trespassado por sete lanças entre a flor da sua nobreza, à beira de um grande rio.

A rainha chorou magnificamente o rei. Chorou ainda desoladamente o esposo, que era formoso e alegre. Mas, sobretudo, chorou ansiosamente o pai, que assim deixava o filhinho desamparado, no meio de tantos inimigos da sua frágil vida e do reino que seria seu, sem um  braço que o defendesse, forte pela força e forte pelo amor.

Desses inimigos o mais temeroso era seu tio, irmão bastardo do rei, homem depravado e bravio; consumido de cobiças grosseiras, desejando só a realeza por causa dos seus tesouros, e que havia anos vivia num castelo sobre os montes, com uma horda de rebeldes, à maneira de um lobo que, de atalaia no seu fojo, espera a presa. Ai! a presa agora era aquela criancinha, rei de mama, senhor de tantas províncias, e que dormia no seu berço com seu guizo de ouro fechado na mão!

Ao lado dele, outro menino dormia noutro berço. Mas era um escravozinho, filho da bela e robusta escrava que amamentava o príncipe. Ambos tinham nascido na mesma noite de verão. O mesmo seio os criara. Quando a rainha, antes de adormecer, vinha beijar o principezinho, que tinha o cabelo louro e fino, beijava também, por amor dele, o escravozinho, que tinha o cabelo negro e crespo. Os olhos de ambos reluziam como pedras preciosas. Somente, o berço de um era magnífico de marfim entre brocados, e o berço de outro, pobre e de verga. A leal escrava, porém, a ambos cercava de carinho igual, porque, se um era o seu filho, o outro seria o seu rei.

Nascida naquela casa real, ela tinha a paixão, a religião dos seus senhores. Nenhum pranto correra mais sentidamente do que o seu pelo rei morto à beira do grande rio. Pertencia, porém, a uma raça que acredita que a vida da terra se continua no céu. O rei seu amo, decerto, já estaria agora reinando em outro reino, para além das nuvens, abundante também em searas e cidades. O seu cavalo de batalha, as suas armas, os seus pajens tinham subido com ele às alturas. Os seus vassalos, que fossem morrendo, prontamente iriam, nesse reino celeste, retomar em torno dele a sua vassalagem. E ela, um dia, por seu turno, remontaria num raio de lua a habitar o palácio do seu senhor, e a fiar de novo o linho das suas túnicas, e a acender de novo a caçoleta dos seus perfumes; seria no céu como fora na terra, e feliz na sua servidão.

Todavia, também ela tremia pelo seu principezinho! Quantas vezes, com ele pendurado do peito, pensava na sua fragilidade, na sua longa infância, nos anos lentos que correriam,  antes que ele fosse ao menos do tamanho de uma espada, e naquele tio cruel, de face mais escura que a noite e coração mais escuro que a face, faminto do trono, e espreitando de cima  do seu rochedo entre os alfanjes da sua borda! Pobre principezinho da sua alma! Com uma ternura maior o apertava nos braços. Mas o seu filho chalrava ao lado, era para ele que os seus braços corriam com um ardor mais feliz. Esse, na sua indigência, nada tinha a recear a vida. Desgraças, assaltos da sorte má nunca o poderiam deixar mais despido das glórias e bens do mundo do que já estava ali no seu berço, sob o pedaço de linho branco que resguardava a sua nudez. A existência, na verdade, era para ele mais preciosa e digna de ser conservada que a do seu príncipe, porque nenhum dos duros cuidados com que ela enegrece a alma dos senhores roçaria sequer a sua alma livre e simples de escravo. E, como se o amasse mais por aquela humildade ditosa, cobria o seu corpinho gordo de beijos pesados e devoradores, dos beijos que ela fazia ligeiros sobre as mãos do seu príncipe.

No entanto, um grande temor enchia o palácio, onde agora reinava uma mulher entre mulheres. O bastardo, o homem de rapina, que errava no cimo das serras, descera à planície com a sua horda, e já através de casais e aldeias felizes ia deixando um sulco de matança e ruínas. As portas da cidade tinham sido seguras com cadeias mais fortes. Nas atalaias ardiam lumes mais altos. Mas à defesa faltava disciplina viril. Uma roca não governa como uma espada. Toda a nobreza fiel perecera na grande batalha. E a rainha desventurosa apenas sabia correr a cada instante ao berço do seu filhinho e chorar sobre ele a sua fraqueza de viúva. Só a ama leal parecia segura, como se os braços em que estreitava o seu príncipe fossem  muralhas de uma cidadela que nenhuma audácia pode transpor.

Ora uma noite, noite de silêncio e de escuridão, indo ela a adormecer, já despida, no seu catre, entre os seus dois meninos, adivinhou, mais que sentiu, um curto rumor de ferro e de briga, longe, à entrada dos vergéis reais. Embrulhada à pressa num pano, atirando os cabelos para trás, escutou ansiosamente. Na terra areada, entre os jasmineiros, corriam passos pesados e rudes. Depois houve um gemido, um corpo tombando molemente, sobre lajes, como um  fardo. Descerrou violentamente a cortina. E além, ao fundo da galeria, avistou homens, um  clarão de lanternas, brilhos de armas... Num relance tudo compreendeu: o palácio surpreendido, o bastardo cruel vindo roubar, matar o seu príncipe! Então, rapidamente, sem  uma vacilação, uma dúvida, arrebatou o príncipe do seu berço de marfim, atirou-o para o pobre berço de verga, e, tirando o seu filho do berço servil, entre beijos desesperados, deitou-o no berço real que cobriu com um brocado.

Bruscamente um homem enorme, de face flamejante, com um manto negro sobre a cota de malha, surgiu à porta da câmara, entre outros, que erguiam lanternas. Olhou, correu o berço de marfim onde os brocados luziam, arrancou a criança como se arranca uma bolsa de oiro, e, abafando os seus gritos no manto, abalou furiosamente.

O príncipe dormia no seu novo berço. A ama ficara imóvel no silêncio e na treva.

Mas brados de alarme atroaram, de repente, o palácio. Pelas janelas perpassou o longo flamejar das tochas. Os pátios ressoavam com o bater das armas. E desgrenhada, quase nua, a rainha invadiu a câmara, entre as aias, gritando pelo seu filho! Ao avistar o berço de marfim,  com as roupas desmanchadas, vazio, caiu sobre as lajes num choro, despedaçada. Então, calada, muito lenta, muito pálida, a ama descobriu o pobre berço de verga... O príncipe lá estava quieto, adormecido, num sonho que o fazia sorrir, lhe iluminava toda a face entre os seus cabelos de oiro. A mãe caiu sobre o berço, com um suspiro, como cai um corpo morto.

E nesse instante um novo clamor abalou a galeria de mármore. Era o capitão das guardas, a sua gente fiel. Nos seus clamores havia, porém, mais tristeza que triunfo. O bastardo morrera! Colhido, ao fugir, entre o palácio e a cidadela, esmagado pela forte legião de archeiros, sucumbira, ele e vinte da sua horda. O seu corpo lá 6cara, com flechas no flanco, numa poça de sangue. Mas, ai dor sem nome! O corpinho tenro do príncipe lá ficara também  envolto num manto, já frio, roxo ainda das mãos ferozes que o tinham esganado! Assim  tumultuosamente lançavam a nova cruel os homens de armas, quando a rainha, deslumbrada, com lágrimas entre risos, ergueu nos braços, para lho mostrar, o príncipe que despertara.

Foi um espanto, uma aclamação. Quem o salvara? Quem?... Lá estava junto do berço de marfim vazio, muda e hirta, aquela que o salvara! Serva sublimemente leal! Fora ela que, para conservar a vida ao seu príncipe, mandara à morte o seu filho... Então, só então, a mãe ditosa, emergindo da sua alegria extática, abraçou apaixonadamente a mãe dolorosa, e a beijou, e lhe chamou irmã do seu coração... E de entre aquela multidão que se apertava na galeria veio uma nova, ardente aclamação, com súplicas de que fosse recompensada magnicamente a serva admirável que salvara o rei e o reino.

Mas como? Que bolas de ouro podem pagar um filho? Então um velho de casta nobre lembrou que ela fosse levada ao Tesouro real, e escolhesse de entre essas riquezas, que eram como as maiores dos maiores tesouros da Índia, todas as que o seu desejo apetecesse... 

A rainha tomou a mão da serva. E sem que a sua face de mármore perdesse a rigidez, com um andar de morta, como um sonho, ela foi assim conduzida para a Câmara dos Tesouros. Senhores, aias, homens de armas, seguiam, num respeito tão comovido, que apenas se ouvia o roçar das sandálias nas lajes. As espessas portas do Tesouro rodaram lentamente. E, Quando um servo destrancou as janelas, a luz da madrugada, já clara e rósea, entrando pelos gradeamentos de ferro, acendeu um maravilhoso e faiscante incêndio de ouro e pedrarias! Do chão de rocha até às sombrias abóbadas, por toda a câmara, reluziam, cintilavam, refulgiam  os escudos de oiro, as armas marchetadas, os montões de diamantes, as pilhas de moedas, os longos fios de pérolas, todas as riquezas daquele reino, acumuladas por cem réis durante vinte séculos. Um longo — Ah! — lento e maravilhado, passou por sobre a turba que emudecera. Depois houve um silêncio ansioso. E no meio da câmara, envolta na refulgência preciosa. A ama não se movia... Apenas os seus olhos, brilhantes e secos, se tinham erguido para aquele céu que, além das grades, se tingia de rosa e de ouro. Era lá, nesse céu fresco de madrugada, que estava agora o seu menino. Estava lá, e já o Sol se erguia, e era tarde, e o seu menino chorava decerto, e procurava o seu peito!... E então a ama sorriu e estendeu a mão. Todos seguiam, sem respirar aquele lento mover da sua mão aberta. Que jóia maravilhosa, que fio de diamantes, que punhado de rubis ia ela escolher?

A ama estendia a mão, e sobre um escabelo ao lado, entre um molho de armas, agarrou um punhal. Era um punhal de um velho rei, todo cravejado de esmeraldas, e que valia uma província.

Agarrara o punhal, e com ele apertado fortemente na mão, apontando par; o céu, onde subiam os primeiros raios do Sol, encarou a rainha, a multidão, e gritou:

— Salvei o meu príncipe, e agora... vou dar de mamar ao meu filho.

E cravou o punhal no coração.

Nota:
Texto-fonte: Conto de Eça de Queirós, obra póstuma publicada em 1902

Homem de 25 anos ferido com gravidade em acidente de moto em Bragança

 Um acidente de motociclo causou, esta noite, um ferido grave, em Bragança, na saída da cidade em direcção à Vinhais.
O alerta foi dado dado às 20h09, dando conta de um despiste de motociclo. 

Quando os bombeiros chegaram ao local a vítima, um homem de 25 anos, já estava a ser estabilizada pela equipa da VMER de Bragança.

A viatura em que seguia ter-se-ia despistado, "tendo embatido num muro do lado contrário à faixa de  rodagem onde seguia, no sentido Vinhais-Bragança", explicou fonte dos Bombeiros Voluntários de Bragança. A vítima, única ocupante do veículo, apresentava ferimentos graves de traumatismos na face, membros superiores e fractura numa das pernas, bem como várias escoriações. Foi estabilizado e transportado para o serviço de urgência  de Bragança, onde se encontra até ao momento.

No local esteve uma ambulância de socorro e um veículo de apoio dos BVB, com 4 operacionais, bem como a VMER e a PSP que tomou conta da ocorrência.

Escrito por Brigantia

Prisão preventiva para mulher detida por roubo por esticão

 A mulher, de 42 anos, detida no domingo, pela PSP, pelo crime de roubo por esticão, ficou em prisão preventiva.
A suspeita, natural de Bragança, simulou ajudar uma idosa a transportar as compras até casa e terá puxado a mala que a vítima trazia a tiracolo, roubando 100 euros.

Segundo informou a PSP, a mulher também é suspeita de outro roubo, que aconteceu há cerca de uma semana, e que terá como modo de vida a prática deste tipo de crimes.

Escrito por Brigantia

Município de Bragança implementa projeto de Desmaterialização Urbanística “NoPaper”

 A implementação de soluções de desmaterialização de processos apresenta múltiplas vantagens para todos os intervenientes, permitindo a redução de custos dos projetos, prestando um melhor e mais célere serviço aos cidadãos.


No âmbito do processo de modernização administrativa e de melhoria contínua dos serviços prestados aos diferentes stakeholders, o Município de Bragança inicia, no próximo dia 6 de abril, o projeto NoPaper.

Este serviço inovador visa a desmaterialização e tramitação dos processos urbanísticos em suporte digital, com o objetivo de agilizar os procedimentos relativos à gestão urbanística, promovendo a simplificação e a desburocratização administrativa e a aproximação ao cidadão. Trata-se, ainda, de uma solução amiga do ambiente, ao reduzir o consumo de papel.

PLATAFORMA permite a construção e a submissão dos processos em suporte digital, de forma simples e intuitiva, com textos de ajuda em cada fase do procedimento. A plataforma disponibiliza, também, os requerimentos em formato digital (pdf editável), facilitando, assim, a instrução do processo.

A implementação de soluções de desmaterialização de processos apresenta múltiplas vantagens para todos os intervenientes, permitindo a redução de custos dos projetos, prestando um melhor e mais célere serviço aos cidadãos, contribuindo, ainda, para o reforço da sustentabilidade, da eficiência, da transparência e da racionalização dos serviços da autarquia.

Por outro lado, no atual contexto de pandemia COVID-19, a implementação deste novo serviço evita deslocações ao Balcão Único e, desse modo, minimiza contactos pessoais e, consequentemente, o risco de contágio.

De referir, ainda, que esta nova plataforma permite o pagamento das taxas de submissão dos processos, através da emissão de uma referência Multibanco, enviada por endereço eletrónico, após a submissão no NoPaper.

Bombeiros de Freixo de Espada à Cinta criam rifas "online" para gerar receitas

 Os bombeiros de Freixo de Espada à Cinta criaram um sistema "pioneiro" de rifas ‘online' para combater as quebras das receitas e pretendem alargá-lo a corporações de todo o país, foi hoje anunciado.


"A Associação Humanitária de Bombeiros de Freixo de Espada à Cinta, devido aos efeitos provocados pela pandemia covid-19, sentiu uma acentuada quebra de receitas que eram provenientes de várias atividades como rifas e espetáculos, entre outras atividades e tivemos de arranjar alternativas, passando por este sistema de sorteios ‘online' ", disse à Lusa o presidente daquela estrutura, Edgar Gata.

A nível nacional, os bombeiros de Viseu já aderiram à iniciativa, havendo disponibilidade demonstrada por várias associações humanitárias na área do Grande Porto para criar uma rede de pontos de venda desta rifas ‘online'.

"Achamos que nesta altura é importante utilizar as novas tecnologias que temos à disposição. A ideia nasce, no fundo, de forma a criar uma rifa que não implique a venda direta e o contacto pessoal. Fomos mais longe e transportamos a ideia para o panorama nacional e para associações congéneres", concretizou o dirigente.

Edgar Gata disse que foram contactadas cerca de 150 Associações de Bombeiros a nível nacional "propondo-lhe a ideia e explicando-lhes o funcionamento desta iniciativa.

"Se conseguirmos que esta plataforma avance criamos uma forma de poder financiar as Associações Humanitárias de uma forma original, mas esta plataforma tem de ter êxito", frisou.

As "apostas" poderão ser feitas através deste SITE, com recurso a computador, tablet ou smartphone.

"Para esta fase inicial, é proposto que em cada rifa vendida com o uso do cupão referido cada Associação Humanitária receba um euro. Isto é, e só a título de exemplo, cada associação promove a venda de 500 rifas e recebe, sem qualquer outro esforço, 500 euros". Indicou Edgar Gata.

Para o dirigente associativo, agora tudo depende da dimensão que se possa dar à iniciativa, havendo sempre a garantia de uma distribuição, conforme os casos e os preços das rifas, entre 22% e 50%, das receitas brutas das vendas ao conjunto das associações que adiram à iniciativa.

"Quanto maior for o peso desta forma de entretenimento e jogo, mais possível se tornará no futuro sortear prémios mais valiosos, logo maiores receitas e, consequentemente, maior compensação para quem colaborar", enfatizou.

Para este tipo de jogo são prometidos" bons prémios" e de marcas apetecíveis que vão desde acessórios de moda de marcas conceituadas e telemóveis de última geração a férias ou vinhos de qualidade.

Alojamento turístico transmontano espera melhoria no Verão mas receia inconstância da pandemia

 Depois de meses de encerramento ou sem reservas, o sector do alojamento turístico transmontano espera que este Verão traga uma boa ocupação e que se mantenha a tendência do ano passado, em que o interior passou a ser um destino de férias escolhido por muitos. No entanto, há ainda receios devido às incertezas relacionadas com a situação pandémica.
O maior hotel do distrito e um dos maiores no Norte, o São Lázaro em Bragança, está encerrado desde Dezembro e a data de reabertura tem sido sucessivamente adiada, estando agora prevista para Junho.

Marcel Silveira, proprietário da unidade hoteleira, diz que não consegue antecipar quando a situação poderá estabilizar. “Não sei, assusta-me um pouco o novo confinamento da Itália e de outros países, o encerramento das fronteiras de alguns países com Portugal, e isso afasta um pouco os nossos clientes porque trabalhamos muito com agências estrangeiras e com essa indefinição, sem saberem que podem vir, é difícil vender. Achava que nesta altura já estaria a começar a engrenar o novo ano e neste momento não consigo perceber se mesmo em Junho as coisas já estarão normalizadas”, sublinha.

O responsável do hotel afirma que o último Verão foi acima do esperado, mas em 2020 registou menos de metade das 40 mil dormidas de um ano normal. “O último Verão até foi muito acima das expectativas. 2020 foi abaixo do ano de 2019, com perdas de 50 %, mas na minha perspectiva foi o dobro do que estava à espera. No ano passado foram mais os clientes nacionais a passar pelo hotel e a taxa média de dormida, que é de uma noite, subiu para duas ou três noites”, afirmou.

Quem também viu as expectativas alterarem-se foi Manuel Batista que abriu, em Julho de 2020, o alojamento de turismo rural Alformil, na aldeia de Formil, concelho de Bragança, em plena pandemia. Mas mesmo assim afirma que os primeiros tempos foram positivos.

“Foi uma altura complicada, porque era uma incógnita, não sabíamos o que iria acontecer. Em relação ao que prevíamos, que cerca de metade dos clientes chegassem de Espanha, recebemos mais turistas nacionais, 80% das reservas que tivemos foram nacionais e apenas 20% estrangeiros”, sublinha, afirmando que foi “um Verão bom, para o primeiro ano de abertura. No mês de Agosto conseguimos 90% de taxa de ocupação, Setembro ainda foi um mês interessante e a partir de meados de Outubro caiu”, sublinhou.

No entanto, tiveram só três meses de actividades e desde Novembro não registaram mais reservas. Desde aí apenas uma das vertentes do projecto funciona: a enoteca que conta com 21 produtores e 120 referências de vinho das três sub-regiões de Trás-os-Montes.

Em Mirandela, também há quem apesar da crise continue com os investimentos no sector. Cristina Gomes vai abrir um alojamento local na cidade em Abril e está confiante que a região pode beneficiar da procura de destinos menos populosos. “Apesar de ser um ano de continuidade de Covid, acreditamos que será também um ano de oportunidades para o interior, pois reunimos condições para turismo em segurança, únicas. A baixa densidade populacional, alojamentos com poucos quartos, turismo de natureza e ao ar livre e opções de programas, são condições que irão permitir aos visitantes conhecer o interior do país que até agora era descurado em detrimento de grandes centros ou destinos de praia”, acredita.

Em Macedo de Cavaleiros, Eduarda Barroso abriu o turismo Montes do Azibo, em Podence, há sete anos e o último Verão até foi o melhor que já teve, mas admite que têm sido meses complicados. “Tem sido muito complicado. Vivendo da sazonalidade temos de durante os meses que não temos trabalho usar as receitas do Verão. O ano passado tive mais gente que o normal, foi o meu melhor Verão”, afirma, dizendo que já tem muitas reservas a partir de Junho.

O sector turístico com alguma esperança para os próximos meses, mas também ansiedade para saber se o desconfinamento vai prosseguir como previsto. 

Escrito por Brigantia
Jornalista: Olga Telo Cordeiro

terça-feira, 30 de março de 2021

Há pelo menos 65 casais de águia-real nidificantes em Portugal e campos de alimentação têm contribuído para promoção e conservação da espécie

 Dados recentemente divulgados pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) revelam que há, atualmente, pelo menos 65 casais de águias-reais (Aquila chrysaetos) nidificantes em Portugal e que é sobretudo nos distritos de Bragança e da Guarda que se localizam a esmagadora maioria destes (entre 44 e 50 casais). Esta espécie encontra-se ameaçada, estando classificada como “Em Perigo” no território nacional por apresentar uma população muito reduzida.


No que se refere ao distrito de Bragança, o Parque Natural do Douro Internacional (PNDI) e a Zona de Proteção Especial (ZPE) Rios Sabor e Maçãs são os principais santuários para a espécie. É precisamente nessas áreas que a Palombar - Conservação da Natureza e do Património Rural gere vários campos de alimentação para aves necrófagas (CAAN), quer no âmbito de ações do Grupo Nordeste, quer enquadradas no projeto LIFE Rupis.

A águia-real é uma espécie parcialmente necrófaga e a sua presença nos CAAN geridos pela Palombar é frequente, havendo inúmeros registos desta rapina a alimentar-se nessas estruturas. Esta ave tem como presas de eleição o coelho-bravo e a lebre, contudo, em zonas onde a densidade destas espécies é mais reduzida, poderá praticar com maior frequência a necrofagia, sendo os CAAN fundamentais para aumentar a disponibilidade de alimento para esta.

Dados do projeto LIFE Rupis para o PNDI, assim como de um estudo realizado pela Palombar na Zona de Caça Associativa (ZCA) de Santulhão, em plena ZPE Rios Sabor e Maçãs, indicam que a densidade de coelho-bravo nessas áreas é reduzida ou tem vindo a diminuir, o que torna os CAAN numa ferramenta importante para a conservação da águia-real, sobretudo durante a sua época de reprodução, quando os requisitos nutricionais são mais elevados para os progenitores e crias, e também para os juvenis da espécie.

Saiba mais sobre a águia-real AQUI.

Programa ‘Macedo Habitar’ disponibiliza 70 mil euros para apoio à habitação

 Até ao próximo dia 3 de abril, os macedenses podem candidatar-se à segunda fase do programa “Macedo Habitar” e que estipula um total de 50 mil euros para a recuperação e reabilitação de habitações degradadas no concelho.
O Município de Macedo de Cavaleiros destinou este ano uma verba de 70 mil euros para o programa “Macedo Habitar”, nas vertentes de apoio financeiro ao arrendamento social e de apoio à recuperação e reabilitação de habitações degradadas. O presidente da autarquia defende que a manutenção deste programa é o reforçar do dever da câmara de “ajudar os macedenses a acederem a uma habitação condigna para poderem viver”.

Até ao próximo dia 3 de abril, os macedenses podem candidatar-se à segunda fase do programa “Macedo Habitar” e que estipula um total de 50 mil euros para a recuperação e reabilitação de habitações degradadas no concelho. “A habitação é um bem essencial para o ser humano e as autarquias, numa democracia como a nossa, têm o especial dever de garantir que o maior número possível de munícipes tem acesso a uma casa com condições dignas para viver”, explica Benjamim Rodrigues.

Já para a vertente de apoio financeiro ao arrendamento social, cujas candidaturas terminaram no passado dia 15 de março, a Câmara Municipal de Macedo de Cavaleiros destinou uma verba de 20 mil euros. Este apoio financeiro será concedido de forma temporária e está limitado ao arrendamento para residência permanente do candidato ou do agregado familiar.

O programa “Macedo Habitar” está em vigor desde 2017 e, reforça o presidente da autarquia macedense, “é uma mais-valia para as famílias mais carenciadas do nosso concelho”. “Da atribuição de habitação social à recuperação de casas degradadas, tem sido feito um trabalho muito interessante no concelho e que, nesta fase pandémica urge apoiar”, acrescenta. Afinal, diz Benjamim Rodrigues, “ao apoiar esta vertente de reabilitação e recuperação de habitações, estamos também a dar um sinal positivo ao setor da construção civil no nosso concelho”.

As candidaturas à última fase deste programa, recorde-se, estarão em vigor até 3 de abril e os requerimentos podem ser obtidos na página oficial da autarquia ou nos serviços da Divisão de Conhecimento e Desenvolvimento Social.

Alfândega da Fé vai criar Museu Municipal de Arte

 A designada “Casa do Adro”, situada na zona antiga da vila, será em breve um espaço de mostra permanente do espólio artístico da autarquia e que inclui essencialmente obras de artistas contemporâneos como o Mestre José Rodrigues, Balbina Mendes, Alberto Péssimo entre outros, às quais se juntarão, outras peças de Arte Sacra e de arqueologia, numa abordagem disruptiva, precisamente porque se pretende ter a capacidade para romper ou alterar padrões de vivenciar o museu.


Museu Municipal de Arte de Alfândega da Fé terá mostra diversificada de obras. Reprogramar a forma como pensamos e nos relacionamos com os museus, é esse o desafio para a criação do Museu Municipal de Arte (MMA), a novíssima identidade matriz que se pretende que molde toda a lógica expositiva deste novo equipamento cultural.

A designada “Casa do Adro”, situada na zona antiga da vila, será em breve um espaço de mostra permanente do espólio artístico da autarquia e que inclui essencialmente obras de artistas contemporâneos como o Mestre José Rodrigues, Balbina Mendes, Alberto Péssimo entre outros, às quais se juntarão, outras peças de Arte Sacra e de arqueologia, numa abordagem disruptiva, precisamente porque se pretende ter a capacidade para romper ou alterar padrões de vivenciar o museu.

Paulatinamente o corpo de projeto de museologia, concebido em colaboração entre a Divisão da Cultura do Município e a Direção Geral de Cultura do Norte, começa a ganhar forma, assentando em três importantes variáveis, que se relacionam entre si: o edifício, o público e os objetos de arte.

Feita a radiografia, programam-se os conteúdos que faltam para um museu que se estende como uma raiz, disseminando-se por todas as extensões culturais municipais, designadamente a Casa da Cultura Mestre José Rodrigues e o CIT, numa matriz de forte multiplicidade e interação artísticas.

Para além do espaço expositivo, o MMA vai dispor de um serviço educativo, destinado a promover uma maior ligação dos diferentes públicos ao universo temático da arte e a fomentar a criatividade dos munícipes e visitantes.

Paralelamente, desenha-se a forma da apresentação ao concelho e à região, sem esquecer componentes como a identidade gráfica, com um carácter poliédrico ou multifacetado. O edifício onde vai ser instalado o MMA vai também acolher o Posto de Turismo, potenciando a atratividade da zona histórica da vila, conferindo-lhe mais dinamismo com o aumento de visitantes e turistas.

As obras de reabilitação e reconstrução da Casa do Adro, correspondem a um investimento de mais de meio milhão de euros, cofinanciados pelo programa Norte 2020 e já se encontram a decorrer.

Venda de leitão caiu drasticamente desde o início da pandemia

 Os criadores de suínos notaram a primeira quebra no negócio aquando do primeiro confinamento, altura em que os restaurantes encerraram portas.
Uma queda no negócio que se deve ainda ao cancelamento de festas e romarias, onde o leitão é presença assídua na mesa dos portugueses.

A afirmação é de Carla Alves, Diretora Regional de Agricultura e Pescas do Norte:

“Não tem sido fácil, mesmo com alguns apoios. Das raças autóctones, penso que o leitão tem sido muito afetado. Na minha opinião tem a ver com a falta de consumo. Baixou drasticamente, mesmo com os canais de distribuição online.

Associamos muito o consumo dessa carne às épocas festivas, e o facto de não se reunir tanto a família e não haver festas fez com que a situação e o escoamento se tenha agravado.”

Da mesma opinião partilha Sandra Fernandes. Tem uma exploração de suínos nos concelhos de Alfândega da Fé e Macedo de Cavaleiros e conta como tem adaptado o negócio à pandemia:

“No início da pandemia penso que ainda foi pior. Cheguei a vender leitões a 25€ porque era a única maneira de os tirar de casa. Foi muito difícil, e vender a esse valor é mesmo para os tirar de casa. Depois tentei adaptar-me mais um pouco e deixei algumas fêmeas para criar, levava ao matadouro e vendia aos conhecidos. 

Por isso penso que, no início, ainda foi pior porque ninguém estava preparado. Os restaurantes estavam fechados completamente, agora pelo menos há o take away, que vai dando para vender alguma coisa.”

Apesar dos vários problemas que têm assolado os criadores de animais, Carla Alves considera que tem sido feita uma reinvenção exemplar na hora de escoar os produtos:

“Se não é abatido nem consumido, deixa de ser leitão. Tivemos alguns apoios à armazenagem mas tudo isto tem sido difícil. Ainda assim, conseguiu-se que muitas raças tenham canais de exportação de muitas superfícies. Penso que se abriram outras portas e outros mercados que, há um ano atrás, não existiam.” 

Várias autarquias têm transferido para o online a venda de produtos típicos. Um plano B que tem ajudado os produtores a ganharem algum fôlego, e que tem demonstrado bastante sucesso.

Escrito por ONDA LIVRE

Novo silo para sal-gema reforça limpeza e prevenção de gelo e neve

 A limpeza e prevenção de gelo e neve nas estradas transmontanas foram reforçadas com a instalação de um novo silo para armazenamento de sal-gema, em Bragança, junto ao nó do IP4 com a estrada nacional 103.
A informação foi avançada pela empresa Infraestruturas de Portugal (IP) com a indicação de que este novo equipamento, concluído em fevereiro, “irá assegurar uma melhor capacidade de resposta operacional da IP na prevenção e limpeza das vias em zonas suscetíveis à formação de gelo e à queda de neve, garantindo as condições de mobilidade e segurança na rede viária situada na região norte do país”.

O silo “tem uma capacidade de armazenamento de 60 toneladas” e foi instalado numa parcela de terreno propriedade da IP, tendo em conta a localização “pela proximidade ao IP4, que é uma via estruturante na região (circular a Bragança), e de onde divergem várias Estradas Nacionais (103, 15, 206, 308, 308-3, IP2(EN103-7) e 217), nas quais frequentemente se verifica a formação de gelo e a queda de neve”.

A IP tem sob sua gestão direta no distrito de Bragança, uma rede viária nacional com uma extensão de cerca de mil quilómetros, dos quais cerca de 400 quilómetros com especial incidência de formação de gelo e queda de neve.

Fotografia: AP

BRAGANÇA: ANOS DE 1700: QUADROS SOCIAIS - JUIZ DO FISCO DE COIMBRA EM BRAGANÇA

 Nestes quadros sociais deparamos com dois factos bem pouco vulgares. Um deles respeita à presença de um inquisidor de Coimbra em Bragança, durante uns 4 meses, concedendo audiências e instruindo processos. Sobre o assunto estamos preparando um trabalho que em breve apresentaremos. O outro facto é a estadia em Bragança, entre junho e novembro de 1685, do “juiz executor geral das dívidas e fazendas do fisco real” do distrito inquisitorial de Coimbra, Dr. Luís Álvares da Costa. O seu trabalho desenvolveu-se “executando, cobrando, arrecadando e vendendo tudo o que ao dito fisco pertence”.
Terão sido as notícias de fuga de bens sequestrados que levaram a esta deslocação do juiz do fisco de Coimbra para Bragança? Teria isso a ver com o grande número de prisões então efetuadas na área da comarca de Bragança/Miranda? E estará também relacionada com dificuldades financeiras da inquisição e do fisco, derivadas da suspensão da sua atividade, em anos anteriores, que exigiam medidas urgentes de recolha de fundos?
Seja como for, ainda antes de chegar a Bragança, o juiz Álvares da Costa expediu ordens aos 4 concelhos do ramo de Miranda, para os juízes de fora ordenarem a entrega, em Bragança, dos dinheiros e peças de ouro do fisco, que estavam em mãos de depositários. Assim, em Miranda, em mão do depositário Bento Simões, encontravam-se 89 960 réis. Por ordem do juiz de fora, aquele dinheiro foi levado a Bragança, pelo meirinho da cidade, André Moreira Freire, em 24.6.1685. Obviamente que todas estas diligências foram objeto de registos e certidões notariais.
O dinheiro resultou da venda de bens sequestrados em Campo de Víboras a Maria Fernandes (4 739 réis); em Vimioso (a Manuel da Costa e sua mulher (5 600) e à mulher de João Carvalho (20 000); em Sendim a António Rodrigues (13 392). O meirinho não trazia registo nem conseguiu explicar a origem de 5 moedas de ouro no valor de 22 000 réis que entregou, porque o depositário dessas moedas era José de Sá Dantas, do Vimioso, que então estava preso em Coimbra e quem lhas entregou foi o cunhado dele, cónego António Pires Paiva. Para além do dinheiro, trazia um anel de ouro que fora sequestrado à citada Maria Fernandes e o entregou também. Recebidos os 89 860 réis e passada a respetiva certidão, mandou o juiz Álvares da Costa retirar 2 000 réis para pagar a viagem do meirinho de Miranda a Bragança e 219 réis para levar ao escrivão de Miranda que tinha feito os documentos de suporte do dinheiro entregue. Descontos feitos, o anel e os 87 641 sobrantes foram entregues pelo juiz ao depositário geral de Bragança, Miguel Rodrigues, que os haveria de levar a Coimbra.
Em 17 de setembro seguinte, na mesma casa e perante o mesmo juiz, compareceu Francisco Rodrigues, depositário do fisco na vila de Algoso a entregar 36 257 réis, procedidos dos sequestros e inventários de bens de João Rodrigues, sapateiro, natural de Sendim, morador no Algoso; Filipe Lopes, de Urrós; Filipe Cardoso, de S. Pedro da Silva; e António Rodrigues, da vila de Algoso. Registe-se que todos estes réus tinham sido presos antes de 1670. Filipe Cardoso, por exemplo, foi preso em 1665 e sentenciado em 1667. Portanto, a execução do sequestro arrastava-se desde há 18 anos. Diligência semelhante se realizou em 22.10.1685, dia em que Pedro Afonso, da cidade de Miranda do Douro foi a Bragança fazer entrega de 65 862 réis provenientes do foro de 20 alqueires de trigo sequestrados a António Rodrigues, de Sendim e alguma fazenda que era do tendeiro João da Costa, de quem se falou em um dos textos anteriores.
Daquele dinheiro, porém, o juiz Costa mandou subtrair 8 294, antes de o entregar ao depositário geral de Bragança. Vejamos: Para si próprio – 4 872 réis, de custas sobre a execução de uma parte daquele dinheiro... Ao caminheiro Simão de Brito, que foi a Miranda fazer a dita execução – 245 rs. Para o mesmo juiz, “de custas de caminhos, estadia e feitio de uma carta” – 2 177. A Pedro Afonso, da deslocação a Bragança – 10 tostões = 1 000 rs.  Guardamos para o fim a entrega feita por João da Silva, meirinho do judicial do concelho de Outeiro, no montante de 12 000 réis. Este dinheiro tem uma história exemplar. Vamos contar: António Oliveira era um cristão-novo natural e morador em Argozelo. Tinha 37 anos quando foi sentenciado no auto da fé de 13.2.1667. Sequestraram-lhe o rendimento de uma vinha e de um prado que tinha, rendimento calculado em 2 000 réis.
Os outros 10 mil réis resultaram de multas impostas pelo fisco a 3 dos seus agentes em Outeiro, a saber: o juiz da paz, Francisco Rodrigues Santulhão, o escrivão Leonardo Machado e o citado João da Silva, meirinho do judicial. O juiz e o escrivão foram condenados em 4 000 réis cada um e o meirinho em 2 mil, por “levarem mais do que importava do inventário” de Estêvão Rodrigues. Ou seja: ao fazer o inventário e sequestro dos bens, levaram mais dinheiro do que pertencia, pelo trabalho.  Sim, embora existissem tabelas aprovadas pela inquisição e fisco real, muitas vezes os agentes do fisco, quando intervinham na feitura dos inventários e sequestros dos presos, na arrematação dos seus bens e outras diligências, cobravam mais do que deviam. Neste caso, foram condenados.
De outros casos temos conhecimento e logo no primeiro texto que escrevemos sobre este assunto apresentámos uma carta do escrivão do fisco em Bragança denunciando abusos dos agentes na execução das prisões e na feitura dos inventários. Realizou-se um processo de averiguações em cujo despacho, datado de 16.8.1715, se condena o comportamento de familiares, escrivão e outros agentes da inquisição e do fisco. Vejam: - Nos inventários feitos nesta cidade, não somente se acham contados salários por dias, como se fossem fazer fora da terra, mas ainda o salário de cada dia muito exorbitante ao que cada um tem taxado pela lei, quando vai fora da terra. O que é mais de notar, havendo tantas ordenações que proíbem, com graves penas, exceder cada um o salário que pelas leis lhes é taxado. - A falta, parece, é do escrivão, omitindo o que é manifesto e que no dito provimento se lhe encarrega, mas como também quer que lhe contem salários de dias em sua casa, não lhe convém ir contra a própria conveniência a dita observação do provimento. E chega a tanto excesso esta conta de salários de dias na própria terra, que houve vários inventários com escrita somente de uma folha de papel de que, em sua execução, ficou para o fisco menos de 600 réis, e a conta dos 3 inventários, pelos custos deles, importou em mais de 2 mil réis cada um; e nestes excessos tem havido tanto dano da fazenda real, que para ressarcir de tantos inventários, deve promotor o fiscal e o escrivão observar os provimentos, com a pena de se lhe dar em culpa e se lhe imporem as que, pelas leis se dá aos que levam mais do que por elas lhes é taxado. - Fique em advertência que o escrivão deve escrever no inventário as roupas que levam os presos para o santo ofício (…) e assim também fará assinar os familiares o termo do dinheiro que se lhe entrega para alimentos de cada preso (…) e houve nisto tal desordem que levavam dinheiro de vários presos sem saberem dizer de que presos era (...) - Nas contas dos inventários deve declarar abaixo de que procedeu o dinheiro, se de bens vendidos para isso ou dado pelos depositários por essa conta, e em tudo toda a declaração necessária, pelas muitas dúvidas que depois resultam, passados muitos anos, em que as memórias não podem estar certas, ainda que a vida dure (…)
Na verdade, parece que muita gente corria atrás do dinheiro dos judaizantes presos pela inquisição e muitas bocas em Bragança se alimentavam dos bens sequestrados aos judeus. E isto mesmo sem transgredir as leis. Veja-se como “voaram” legalmente e com despacho do próprio juiz Álvares da Costa, 41 952 réis na execução de uns inventários, em Bragança, em 25.11.1685: Ao Dr. Juiz de fora, de uma devassa que tirou… – 1 436 rs. Ao escrivão Diogo Monteiro, de uns inventários – 1 345. Ao escrivão que este fez – 5 773. De tirar a devassa acima – 842. Ao porteiro Domingos Álvares, dos pregões, arrematações e caminhos a Quintela – 2 040. E 200 réis que se deram a um louvado pela liquidação da casa de João da Costa. E outros 200 réis que se deram à mulher do Chupa, por um concerto da casa em que morava, que era do fisco e se vendeu também. De custas que devia Manuel Martins, de Quintela – 2 300. E assim mais a ele juiz executor 32 998 réis, procedidos de: 2 300 de custas que devia Manuel Martins, de Quintela, ao tempo que se lhe arrematou a fazenda para o fisco (…) E nas custas de António da Costa – 843.  (…) O despacho acima transcrito não foi o único, nem o primeiro. Abusos como os descritos já vinham de outros tempos.
Veja-se, a título de exemplo, um excerto de uma provisão expedida de Chacim para Bragança, em 22.7.1703: - Nos sequestros, nem em outra alguma diligência que se fizer dentro da cidade, se levará salário de dias, assim os ministros como os oficiais; só podem levar quando fora da terra; e se lhe deve então contar na forma da lei somente; e deste provimento se fará parte ao ministro que fizer o sequestro ou diligência, para o fazer executar.

António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães

BORGES A MURALHA DA CHINA E A PSEUDOPOLÍTICA

Por: José Mário Leite
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)

No seu livro “Outras Inquirições”, publicado pela primeira vez em 1952, Jorge Luís Borges, discorre sobre os dois “grandes” feitos de Shi Huang Ti: O começo da construção da Grande Muralha da China e a destruição, pelo fogo, de todos os livros anteriores a ele. 
Queria alcançar dois objetivos simples e concretos: Impedir a invasão do império chinês (que ele unificara), dificultando a transposição das novas fronteiras aos Bárbaros que a circundavam e abolir todo o passado para que a história começasse consigo já que, apropriadamente, se fez batizar com O Primeiro, ordenando que quem lhe sucedesse fosse O Segundo e por aí adiante durante dez mil gerações (o equivalente à eternidade, na cultura chinesa). 
Na história antiga não se fala em ditadores porque todo o poder era ditatorial ou pretendia sê-lo. A ambição ditatorial era consentânea com a chegada ao poder ou com a sua manutenção e os que “falhavam” este desígnio, normalmente claudicavam como aconteceu recorrentemente, mesmo entre os sucessores diretos do Primeiro Imperador Chinês.
O regime democrático, concebido, desenvolvido e disseminado pela excelsa cultura grega veio alterar radicalmente os pilares do poder. Não acabou com as ditaduras, mas confinou-lhes a “legitimidade” e veio introduzir uma nova classe de liderança: a levada a cabo por tiranos que, podendo ser eleitos e jogando com as regras da democracia, para ascenderem ao poder, as usam de forma distorcida, enviesada e soez, para dela beneficiarem e cimentando-o se manterem no poder.
Tal como antigamente, também há os que, pela sua capacidade e competência ascendem a essa categoria, por mérito próprio e há, igualmente, os que, por muito que se esforcem, não passam de aprendizes e não atingem o patamar cimeiro e estabilizador.
Aqui surge uma nova diferença – os aprendizes de ditadores, têm vida curta porque o sustentáculo não admite meias-tintas; ou é ou não é. Já na classe dos tiranos existe uma variedade de gradações pois que, sustentando-se em eleições que, no exercício do seu poder conseguem condicionar, são capazes de aí se irem mantendo, dando ares de grandes senhores mas que, na verdade, não passam de arrogantes executores das exceções que a lei democrática, imperfeita, como tudo o que é humano, lhes permite. Foi a eles que Montesquieu se referiu quando proclamou “Não há maior tirania do que a que é exercida sob o escudo da Lei”.
Não espanta pois que estes iniciantes, não podendo já fazer muralhas, modifiquem, abusivamente as que existem, para lhe dar cunho pessoal e que, sendo-lhes proibido queimar livros, ataquem a memória de quem os escreveu, para tentar alterar a história.
Outra nota significativa e caracterizadora pode ser a forma como lidam com quem lhes contesta a atuação. Em vez de contestarem com razões, as razões que aos outros assistem, refugiam-se em classificações. Chamam-lhes “pseudopolíticos”. Querendo dizer que são diferentes do padrão que, obviamente, tomam como certo, o seu e a sua atuação. Porém, as árvores conhecem-se pelos frutos.
Um bom político, tendo dedicado grande parte da sua vida pública a combater quem lhe antecedeu deveria ter-lhe ganho pelo menos uma contenda direta ou, no mínimo, ter-lhe alguma vez, retirado a maioria absoluta... Ou, pelo menos, ter deixado, para memória futura, alguma obra de vulto, no ambiente, na formação superior...

José Mário Leite, Nasceu
na Junqueira da Vilariça, Torre de Moncorvo, estudou em Bragança e no Porto e casou em Brunhoso, Mogadouro.
Colaborador regular de jornais e revistas do nordeste, (Voz do Nordeste, Mensageiro de Bragança, MAS, Nordeste e CEPIHS) publicou Cravo na Boca (Teatro), Pedra Flor (Poesia) e A Morte de Germano Trancoso (Romance) tendo sido coautor nas seguintes antologias; Terra de Duas Línguas I e II; 40 Poetas Transmontanos de Hoje; Liderança, Desenvolvimento Empresarial; Gestão de Talentos (a editar brevemente).
Foi Administrador Delegado da Associação de Municípios da Terra Quente Transmontana, vereador na Câmara e Presidente da Assembleia Municipal de Torre de Moncorvo.
Foi vice-presidente da Academia de Letras de Trás-os-Montes.
É Diretor-Adjunto na Fundação Calouste Gulbenkian, Gestor de Ciência e Consultor do Conselho de Administração na Fundação Champalimaud.
É membro da Direção do PEN Clube Português.

𝗖𝗲𝗻𝘀𝗼𝘀 𝟮𝟬𝟮𝟭

 No próximo dia 5 de abril (segunda-feira) vão ter início, em todo o país, 𝗼 𝗫𝗩𝗜 𝗥𝗲𝗰𝗲𝗻𝘀𝗲𝗮𝗺𝗲𝗻𝘁𝗼 𝗚𝗲𝗿𝗮𝗹 𝗱𝗮 𝗣𝗼𝗽𝘂𝗹𝗮𝗰̧𝗮̃𝗼 𝗲 𝗼 𝗩𝗜 𝗥𝗲𝗰𝗲𝗻𝘀𝗲𝗮𝗺𝗲𝗻𝘁𝗼 𝗚𝗲𝗿𝗮𝗹 𝗱𝗮 𝗛𝗮𝗯𝗶𝘁𝗮𝗰̧𝗮̃𝗼, com a distribuição, por parte dos Recenseadores (pessoas devidamente credenciadas e identificadas com colete) de envelope com senha que permitirá o preenchimento, on-line, dos inquéritos a partir do dia 19 de abril (momento Censitário) e até ao dia 3 de maio. 

Esta operação de extrema importância, só será possível com a colaboração e participação de todos.

Contamos com a sua disponibilidade.  

𝘈 𝘳𝘦𝘢𝘭𝘪𝘻𝘢𝘤̧𝘢̃𝘰 𝘥𝘰𝘴 𝘊𝘦𝘯𝘴𝘰𝘴 𝘱𝘦𝘳𝘮𝘪𝘵𝘦, 𝘰 𝘤𝘰𝘯𝘩𝘦𝘤𝘪𝘮𝘦𝘯𝘵𝘰 𝘥𝘰 𝘱𝘢𝘳𝘲𝘶𝘦 𝘩𝘢𝘣𝘪𝘵𝘢𝘤𝘪𝘰𝘯𝘢𝘭 𝘦 𝘥𝘢 𝘳𝘦𝘢𝘭𝘪𝘥𝘢𝘥𝘦 𝘥𝘦𝘮𝘰𝘨𝘳𝘢́𝘧𝘪𝘤𝘢, 𝘴𝘰𝘤𝘪𝘢𝘭 𝘦 𝘦𝘤𝘰𝘯𝘰́𝘮𝘪𝘤𝘢 𝘥𝘰 𝘱𝘢𝘪́𝘴, 𝘢 𝘯𝘪́𝘷𝘦𝘭 𝘯𝘢𝘤𝘪𝘰𝘯𝘢𝘭, 𝘳𝘦𝘨𝘪𝘰𝘯𝘢𝘭 𝘦 𝘭𝘰𝘤𝘢𝘭, 𝘱𝘳𝘰𝘥𝘶𝘻𝘪𝘯𝘥𝘰 𝘵𝘢𝘮𝘣𝘦́𝘮 𝘪𝘯𝘧𝘰𝘳𝘮𝘢𝘤̧𝘰̃𝘦𝘴 𝘪𝘮𝘱𝘳𝘦𝘴𝘤𝘪𝘯𝘥𝘪́𝘷𝘦𝘪𝘴 𝘱𝘢𝘳𝘢 𝘢 𝘥𝘦𝘧𝘪𝘯𝘪𝘤̧𝘢̃𝘰 𝘥𝘦 𝘱𝘰𝘭𝘪́𝘵𝘪𝘤𝘢𝘴 𝘱𝘶́𝘣𝘭𝘪𝘤𝘢𝘴 𝘥𝘦 𝘥𝘦𝘴𝘦𝘯𝘷𝘰𝘭𝘷𝘪𝘮𝘦𝘯𝘵𝘰 𝘦 𝘱𝘢𝘳𝘢 𝘢 𝘵𝘰𝘮𝘢𝘥𝘢 𝘥𝘦 𝘥𝘦𝘤𝘪𝘴𝘰̃𝘦𝘴 𝘥𝘦 𝘪𝘯𝘷𝘦𝘴𝘵𝘪𝘮𝘦𝘯𝘵𝘰 𝘱𝘦𝘭𝘰𝘴 𝘴𝘦𝘤𝘵𝘰𝘳𝘦𝘴 𝘱𝘶́𝘣𝘭𝘪𝘤𝘰 𝘦 𝘱𝘳𝘪𝘷𝘢𝘥𝘰.

segunda-feira, 29 de março de 2021

Eça de Queirós: "O Suave Milagre"

 Nesse tempo Jesus ainda se não afastara da Galiléia e das doces, luminosas margens do lago de Tiberíade — mas a nova dos seus milagres penetrara já até Enganim, cidade rica, de muralhas fortes, entre olivais e vinhedos, no país de Issacar. 

Uma tarde um homem de olhos ardentes e deslumbrados passou no fresco vale, e anunciou que um novo profeta, um rabi formoso, percorria os campos e as aldeias da Galileia, predizendo a chegada do Reino de Deus, curando todos os males humanos. E, enquanto descansava, sentado à beira da Fonte dos Vergéis, contou ainda que esse rabi, na estrada de Magdala, sarara da lepra o servo de um decurião romano, só com estender sobre ele a sombra das suas mãos; e que noutra manhã, atravessando numa barca para a terra dos Gerasenos, onde começava a colheita do bálsamo, ressuscitara a filha de Jairo, homem considerável e douto que comentava os livros na sinagoga. E como em redor, assombrados, seareiros, pastores, e as mulheres trigueiras com a bilha no ombro, lhe perguntassem se esse era, em  verdade, o Messias da Judeia, e se diante dele refulgia a espada de fogo, e se o ladeavam, caminhando como as sombras de duas torres, as sombras de Gog e de Magog — o homem, sem mesmo beber daquela água tão fria de que bebera Josué, apanhou o cajado, sacudiu os cabelos, e meteu pensativamente por sob o aqueduto, logo sumido na espessura das amendoeiras em flor. Mas uma esperança, deliciosa como o orvalho nos meses em que canta a cigarra, refrescou as almas simples: logo, por toda a campina que verdeja até Áscalon, o arado pareceu mais brando de enterrar, mais leve de mover a pedra do lagar: as crianças, colhendo ramos de anémonas, espreitavam pelos caminhos se além da esquina do muro, ou de sob o sicômoro, não surgiria uma claridade, e nos bancos de pedra, às portas da cidade, os  velhos, correndo os dedos pelos fios das barbas, já não desenrolavam, com tão sapiente certeza, os ditames antigos. 

Ora então vivia em Enganim um velho, por nome Obed, de uma família pontifical de Samaria, que sacrificara nas aras do monte Ebal, senhor de fartos rebanhos e de fartas vinhas — e com o coração tão cheio de orgulho como seu celeiro de trigo. Mas um vento árido e abrasado, esse vento de desolação que ao mando do Senhor sopra das torvas terras de Assur, matara as reses mais gordas das suas manadas, e pelas encostas onde as suas vinhas se enroscavam ao olmo, e se estiravam na latada airosa, só deixara, em torno dos olmos e pilares despidos, sarmentos de cepas mirradas, e a parra roída de crespa ferrugem. E Obed, agachado à soleira da sua porta, com a ponta do manto sobre a face, palpava a poeira, lamentava a velhice, ruminava queixumes contra Deus cruel. 

Apenas ouvira porém desse novo rabi da Galileia que alimentava as multidões, amedrontava os demônios, emendava todas as desventuras — Obed, homem lido, que viajara na Fenícia, logo pensou que Jesus seria um desses feiticeiros, tão costumados na Palestina, como Apolônio, ou rabi Ben-Dossa, ou Simão, «o Subtil». Esses, mesmo nas noites tenebrosas, conversam com as estrelas, para eles sempre claras e fáceis nos seus segredos; com uma vara afugentam de sobre as searas os moscardos gerados nos lodos do Egipto; e agarram entre os dedos as sombras das árvores, que conduzem, como toldos bené6cos, para cima das eiras, à hora da sesta. Jesus da Galiléia, mais novo, com magias mais viçosas decerto, se ele largamente o pagasse, sustaria a mortandade dos seus gados, reverdeceria os seus vinhedos. Então Obed ordenou aos seus servos que partissem, procurassem por toda a Galileia o rabi novo, e com promessa de dinheiros ou alfaias o trouxessem a Enganim, no país de Issacar. 

Os servos apertaram os cinturões de couro — e largaram pela estrada das caravanas, que, costeando o lago, se estende até Damasco. Uma tarde, avistaram sobre o poente, vermelho como uma romã muito madura, as neves finas do monte Hérmon. Depois, na frescura de uma manhã macia, o lago de Tiberíade resplandeceu diante deles, transparente, coberto de silêncio, mais azul que o céu, todo orlado de prados floridos, de densos vergéis, de rochas de pórfiro, e de alvos terraços por entre os palmares, sob o voo das rolas. Um pescador que desamarrava preguiçosamente a sua barca de uma ponta de relva, assombreada de aloendros, escutou, sorrindo, os servos. O rabi de Nazaré? Oh! desde o mês de Ijar, o rabi descera, com  os seus discípulos, para os lados para onde o Jordão leva as águas. 

Os servos correndo, seguiram pelas margens do rio, até adiante do vau, onde ele se estira num largo remanso, e descansa, e um instante dorme, imóvel e verde, à sombra dos tamarindos. Um homem da tribo dos Essênios, todo vestido de linho branco, apanhava lentamente ervas salutares, nela beira da água, com um cordeirinho branco ao colo. Os servos humildemente saudaram-no, porque o povo ama aqueles homens de coração tão limpo, e claro, e cândido como as suas vestes cada manhã levadas em tanques purificados. E sabia ele da passagem do novo rabi da Galiléia que, como os Essênios, ensinava a doçura, e curava as gentes e os gados? O Essênio murmurou que o rabi atravessara o oásis de Engaddi, depois se adiantara para além... — Mas onde, além? — Movendo um ramo de flores roxas que colhera, o Essênio mostrou as terras de além-Jordão, a planície de Moab. Os servos vadearam o rio — e debalde procuravam Jesus, arquejando pelos rudes trilhos, até às fragas onde se ergue a cidadela sinistra de Makaur... No Poço de Jacob repousava uma larga caravana, que conduzia para o Egipto mirra, especiarias e bálsamos de Gilead, e os cameleiros, tirando a água com os baldes de couro, contaram aos servos de Obed que em Gadara, pela lua nova, um rabi maravilhoso, maior que David ou Isaías, arrancara sete demónios do peito de uma tecedeira, e que, à sua voz, um homem degolado pelo salteador Barrabás se erguera da sua sepultura e recolhera ao seu horto. Os servos, esperançados, subiram logo açodadamente pelo caminho dos peregrinos até Gadara, cidade de altas torres, e ainda mais longe até às nascentes de Amalha... Mas Jesus, nessa madrugada, seguido por um povo que cantava e sacudia ramos de mimosa, embarcara no lago, num batel de pesca, e à vela navegara para Magdala. E os servos de Obed, descoroçoados, de novo passavam o Jordão na Ponte das Filhas de Jacob. Um dia, já com as sandálias rotas dos longos caminhos, pisando já as terras da Judeia Romana, cruzaram um fariseu sombrio, que recolhia a Efraim, montado na sua mula. Com devota reverência detiveram o homem da Lei. Encontrara ele, por acaso, esse profeta novo da Galileia que, como um deus passeando na Terra, semeava milagres? A adunca face do fariseu escureceu enrugada — e a sua cólera retumbou como um tambor orgulhoso: 

Oh escravos pagãos! Oh blasfemos! Onde ouvistes que existissem profetas ou milagres fora de Jerusalém? Só Jeová tem força no seu Templo. De Galileia surdem os néscios e os impostores... 

E como os servos recuavam ante o seu punho erguido, todo enrodilhado de dísticos sagrados — o furioso doutor saltou da mula e, com as pedras da estrada, apedrejou os servos de Obed, uivando: «Racca! Racca!» e todos os anátemas rituais. Os servos fugiram para Enganim. E grande foi a desconsolação de Obed, porque os seus gados morriam, as suas vinhas secavam — e todavia, radiantemente, como uma alvorada por detrás de serras, crescia, consoladora e cheia de promessas divinas, a fama de Jesus da Galileia. 

Por esse tempo, um centurião romano, Públio Sétimo, comandava o forte que domina o vale de Cesareia, até à cidade e ao mar. Públio, homem áspero, veterano da campanha de Tibério contra os Partos, enriquecera durante a revolta de Samaria com presas e saques, possuía minas na Ática e gozava, como favor supremo dos deuses, a amizade de Flaco, legado imperial da Síria. Mas uma dor roía a sua prosperidade muito poderosa como um  verme rói um fruto muito suculento. Sua filha única, para ele mais amada que vida ou bens, definhava com um mal subtil e lento, estranho mesmo ao saber dos esculápios e mágicos que ele mandara consultar a Sídon e a Tiro. Branca e triste como a lua num cemitério, sem um  queixume, sorrindo palidamente a seu pai definhava, sentada na alta esplanada do forte, sob um velário, alongando saudosamente os negros olhos tristes pelo azul do mar de Tiro, por onde ela navegara de Itália, numa galera enfestoada. Ao seu lado, por vezes, um legionário, entre as ameias, apontava vagarosamente ao alto a flecha, e varava uma grande águia, voando de asa serena, no céu rutilante. A filha de Sétimo seguia um momento a ave torneando até bater morta sobre as rochas — depois, mais triste, com um suspiro, e mais pálida, recomeçava a olhar para o mar. 

Então Sétimo, ouvindo contar, á mercadores de Chorazim, deste rabi admirável, tão potente sobre os espíritos, que sarava os males tenebrosos da alma, destacou três decúrias de soldados para que o procurassem por Galiléia, e por todas as cidades da Decápole, até à costa e até Áscalon. Os soldados enfiaram os escudos nos sacos de lona, espetaram nos elmos ramos de oliveira – e as suas sandálias ferradas apressadamente se afastaram, ressoando sobre as lajes de basalto da estrada romana que desde Cesareia até ao lago cona toda a tetrarquia de Herodes. As suas armas de noite, brilhavam no topo das colinas, por entre a chama ondeante dos archotes erguidos. De dia invadiam os casais, rebuscavam a espessura dos pomares, esfuracavam com a ponta das lanças a palha das medas: e as mulheres, assustadas, para os amansar, logo acudiam com bolos de mel, figos novos, e malgas cheias de vinho, que eles bebiam de um trago, sentados à sombra dos sicômoros. Assim correram a Baixa Galileia — e, do rabi, só encontraram o sulco luminoso nos corações. Enfastiados com as inúteis marchas, desconfiando que os Judeus sonegassem o seu feiticeiro para que os Romanos não aproveitassem do superior feitiço, derramavam com tumulto a sua cólera, através da piedosa terra submissa. À entrada das aldeias pobres detinham os peregrinos, gritando o nome do rabi, rasgando os véus às virgens: e, à hora em que os cântaros se enchem nas cisternas, invadiam  as ruas estreitas dos burgos, penetravam nas sinagogas, e batiam sacrilegamente com os punhos das espadas nas Thebahs, os santos armários de cedro que continham os Livros Sagrados. Nas cercanias de Hébron arrastaram os solitários pelas barbas para fora das grutas, para lhes arrancar o nome do deserto ou do palmar em que se ocultava o rabi — e dois mercadores fenícios que vinham de Jope com uma carga de malóbatro, e a quem nunca chegara o nome de Jesus, pagaram por esse delito cem dracmas a cada decurião. Já a gente dos campos, mesmos os bravios pastores de Idumeia, que levam as reses brancas para o Templo, fugiam espavoridos para as serranias, apenas luziam, nalguma volta do caminho, as armas do bando violento. E da beira dos eirados, as velhas sacudiam como taleigos a ponta dos cabelos desgrenhados, e arrogavam sobre eles as Más Sortes, invocando a vingança de Elias. Assim tumultuosamente erraram até Áscalon: não encontraram Jesus: e retrocederam ao longo da costa enterrando as sandálias nas areias ardentes. 

Uma madrugada, perto de Cesareia, marchando num vale, avistaram sobre um outeiro um  verde-negro bosque de loureiros, onde alvejava, recolhidamente, o fino e claro pórtico de um  templo. Um velho, de compridas barbas brancas, coroado de folhas de louro, vestido com  uma túnica cor de açafrão, segurando uma curta lira de três cordas, esperava gravemente, sobre os degraus de mármore, a aparição do Sol. Debaixo, agitando um ramo de oliveira, os soldados bradaram pelo sacerdote. Conhecia ele um novo profeta que surgira na Galileia, e tão destro em milagres que ressuscitava os mortos e mudava a água em vinho? Serenamente, alargando os braços, o sereno velho exclamou por sobre a rociada verdura do vale: 

— Oh romanos! pois acreditais que em Galiléia ou Judeia apareçam profetas consumando milagres? Como pode um bárbaro alterar a ordem instituída por Zeus?... Mágicos e feiticeiros são vendilhões, que murmuram palavras ocas, para arrebatar a espórtula dos simples... Sem a permissão dos imortais nem um galho seco pode tombar da árvore, nem seca folha pode ser sacudida na árvore. Não há profetas, não há milagres... Só Apolo Délfico conhece o segredo das coisas! 

Então, devagar, com a cabeça derrubada, como numa tarde de derrota, os soldados recolheram à fortaleza de Cesareia. E grande foi o desespero de Sétimo, porque sua filha morria, sem um queixume, olhando o mar de Tiro — e todavia a fama de Jesus, curador dos lânguidos males, crescia, sempre mais consoladora e fresca, como a aragem da tarde que sopra do Hérmon e, através dos hortos reanima e levanta as açucenas pendidas. 

Ora entre Enganim e Cesareia, num casebre desgarrado, sumido na prega de um cerro, vivia a esse tempo uma viúva, mais desgraçada mulher que todas mulheres de Israel. O seu filhinho único, todo aleijado, passara do magro peito a que ela o criara para os farrapos de enxerga apodrecida, onde jazera, sete anos passados, mirrando e gemendo. Também a ela a doença a engelhara dentro dos trapos nunca mudados, mais escura e torcida que uma cepa arrancada. E, sobre ambos espessamente a miséria cresceu como o bolor sobre cacos perdidos num ermo. Até na lâmpada de barro vermelho secara há muito o azeite. Dentro da arca pintada não restava grão ou côdea. No Estio, sem pasto, a cabra morrera. Depois, no quinteiro, secara a figueira. Tão longe do povoado, nunca esmola de pão ou mel entrava o portal. E só ervas apanhadas nas fendas das rochas, cozidas sem sal, nutriam aquelas criaturas de Deus na Terra Escolhida, onde até às aves maléficas sobrava o sustento! 

Um dia um mendigo entrou no casebre, repartiu do seu farnel com a mãe amargurada, e um momento sentado na pedra da lareira, coçando as feridas das pernas, contou dessa grande esperança dos tristes, esse rabi que aparecera na Galiléia, e de um pão no mesmo cesto fazia sete, e amava todas as criancinhas, e enxugava todos os prantos, e prometia aos pobres um  grande e luminoso reino, de abundância maior que a corte de Salomão. A mulher escutava, com olhos famintos. E esse doce rabi, esperança dos tristes, onde se encontrava? O mendigo suspirou. Ah esse doce rabi! quantos o desejavam, que se desesperançavam! A sua fama andava por sobre toda a Judeia, como o sol que até por qualquer velho muro se estende e se goza; mas para enxergar a claridade do seu rosto, só aqueles ditosos que o seu desejo escolhia. Obed, tão rico, mandara os seus servos por toda a Galiléia para que procurassem  Jesus, o chamassem com promessas a Enganim; Sétimo, tão soberano, destacara os seus soldados até à costa do mar, para que buscassem Jesus o conduzissem, por seu mando a Cesareia. Errando esmolando por tantas estradas, ele topara os servos de Obed, depois os legionários de Sétimo. E todos voltavam, como derrotados, com as sandálias rotas sem ter descoberto em que mata ou cidade, em que toca ou palácio, se escondia Jesus. 

A tarde caía. O mendigo apanhou o seu bordão, desceu pelo duro trilho, entre a urze e a rocha. A mãe retomou o seu canto mais vergada, mais abandonada. E então o filhinho, num  murmúrio mais débil que o roçar de uma asa, pediu à mãe que lhe trouxesse esse rabi que amava as criancinhas, ainda as mais pobres, sarava os males ainda os mais antigos. A mãe apertou a cabeça esguedelhada: 

— Oh filho e como queres que te deixe, e me meta aos caminhos à procura do rabi da Galiléia? Obed é rico e tem servos, e debalde buscaram Jesus, por areais e colinas, desde Corazim até ao país de Moab. Sétimo é forte e tem soldados, e debalde correram por Jesus, desde o Hebron até ao mar! Como queres que te deixe! Jesus anda por muito longe e a nossa dor mora conosco, dentro destas paredes, e dentro delas nos prende. E mesmo que o encontrasse, como convenceria eu o rabi tão desejado, por quem ricos e fortes suspiram, a que descesse através das cidades até este ermo, para sarar um entrevadinho tão pobre, sobre enxerga tão rota? 

A criança, com duas longas lágrimas na face magrinha, murmurou: 

— Oh mãe! Jesus ama todos os pequenos. E eu ainda tão pequeno, e com um mal tão pesado, e que tanto queria sarar! 

E a mãe, em soluços: 

— Oh meu filho, como te posso deixar? Longas são as estradas da Galiléia, e curta a piedade dos homens. Tão rota, tão trôpega, tão triste, até os cães me ladrariam da porta dos casais. Ninguém atenderia o meu recado, e me apontaria a morada do doce rabi. Oh filho!

Talvez Jesus morresse... Nem mesmo os ricos e os fortes o encontram. O Céu o trouxe, o Céu o levou. E com ele para sempre morreu a esperança dos tristes. 

De entre os negros trapos, erguendo as suas pobres mãozinhas que tremiam, a criança murmurou: 

— Mãe, eu queria ver Jesus... 

E logo, abrindo devagar a porta e sorrindo, Jesus disse à criança: 

— Aqui estou.

Nota:
Texto-fonte: Conto de Eça de Queirós, obra póstuma publicada em 1902