Pequenos negócios no centro da cidade de Bragança mantêm clientes fiéis pela qualidade dos seus produtos.
“Boa tarde D. Ana. Tem bolachas das minhas?” questiona Lucinda Cavaleiro. “Tenho sim”, responde Ana Rodrigues, deslocando-se até à prateleira para trazer as bolachas para a sua cliente.
Lucinda tem 74 anos, é natural da aldeia de Castanheira (Bragança), e sempre que vem à capital de distrito vai à mercearia central, um espaço na rua do Paço, que tem clientes fiéis. Ana Rodrigues é comerciante há 16 anos e mantém uma relação de amizade com os seus clientes. “Tenho os meus clientes certos. É isso que vale aos pequenos comerciantes”, acrescenta.
Lucinda Cavaleiro, de 74 anos, não troca a mercearia central pelos hipermercados. “Eu aos outros comércios grandes não me ajeito a ir, não me entendo”, graceja. Lucinda prefere a disponibilidade de Ana Rodrigues para a ajudar nas suas compras. “Gosto muito da D. Ana, é muito simpática e atenciosa e dá-me conselhos, porque eu tenho diabetes”, enaltece a idosa.
Esta habitante de Castanheira conta que vem de autocarro até à cidade, por isso não pode ir muito carregada. “Levo aquilo que posso”, riposta.
Enquanto há clientes a escolher fruta e legumes, Lucinda aproveita para conversar um pouco com a D. Ana. Quando os fregueses se aproximam da caixa para pagar, a idosa faz questão de dizer que não tem pressa para poder continuar a conversa. “Só tenho autocarro às cinco [17 horas]”, justifica.
Durante a conversa fala-se da crise, uma palavra que Ana Rodrigues não aceita e diz mesmo que quem faz a crise é a comunicação social. “Não falam de outra coisa”, afirma. Lucinda concorda e diz mesmo que se estraga mais nos dias de hoje do que havia antigamente para comer. “Quando era nova passei muita fome. Até na casa dos patrões. Que eu andei a servir até me casar”, recorda a idosa.
Quanto ao negócio, Ana Rodrigues garante que está mais fraco, mas aos 52 anos não se imagina a mudar de profissão. “Com esforço e com uma gestão muito rigorosa lá vai dando para pagar as despesas. É que para além da renda ainda tenho que contar com aquilo que tenho que pagar ao Estado”, salienta a comerciante.
Produtos frescos e dois dedos de conversa motivam as pessoas a comprar no comércio tradicional
Um pouco mais abaixo, na Rua Alexandre Herculano, encontramos João Martins. Comerciante há 30 anos, o negócio é a sua paixão e a satisfação do cliente é a sua preocupação. Maria Helena faz questão de ir ao comércio do senhor Martins sempre que quer fruta ou legumes fresquinhos e não tem dúvidas que no comércio tradicional é “melhor atendida”.
A qualidade dos produtos é um desígnio da casa de João Martins, que quando vai aos armazéns faz questão de procurar os produtos do lavrador. A fruta, as hortaliças, os queijos mantêm a qualidade ao longo dos anos, já o negócio foi mudando com a evolução dos tempos. “Antigamente movimentava-se muito mais dinheiro, porque comprava-se e vendia-se mais. Agora o negócio está parado. Há dias que até me dá o sono”, graceja.
Já as despesas são diárias e não páram de aumentar. “Fui obrigado a trocar de máquina registadora várias vezes, por causa do IVA. Agora se o IVA mudar outra vez é mais uma despesa”, contabiliza João Martins.
As máquinas antigas ficam guardadas no armazém. “Quem sabe um dia vão para um museu”, realça o comerciante.
Uns metros mais à frente fica a mercearia de Adelaide Coelho. O negócio abriu há 13 anos, mas na altura dedicava-se à venda exclusiva de artigos de “loja dos 300”. “Na altura do Natal não tinha mãos a medir a fazer embrulhos. Quando os chineses vieram para cá o negócio deixou de dar”, conta a comerciante.
A mercearia é mais recente e surgiu como uma forma de satisfazer os pedidos de alguns clientes e de encontrar uma alternativa para rentabilizar o espaço que tem arrendado no centro da cidade. “Havia aqui o comércio de um senhor que se reformou. Então as pessoas pediram-me para eu vender também mercearia e eu decidi apostar nisto, que agora é o que vai dando algum dinheiro”, conta.
Atendimento personalizado é apreciado pelos idosos, que são os principais clientes das mercearias
O convívio com o povo é o que motiva diariamente Adelaide Coelho a deslocar-se de casa até à mercearia. “Gosto muito de falar com as pessoas e elas também gostam de conversar comigo. Falam de tudo, dos problemas do dia-a-dia, que há pouco dinheiro e não se pode gastar. Tenho clientes que às vezes passam por aqui só para conversar”, conta a comerciante.
Na Rua do Loreto encontramos Carolino Morais, de 71 anos, que toda a vida se dedicou ao comércio. Tinha 14 anos quando se iniciou no negócio em África. Em Bragança está instalado há cerca de 30 anos numa mercearia típica que faz questão de manter para passar o tempo.
Os clientes são menos, também porque há menos gente no centro da cidade, constata Carolino Morais. “Vêm as pessoas antigas, amigas, que são todas conhecidas. É um negócio diferente do que era antigamente, porque havia mais gente”, acrescenta o comerciante.
Mesmo assim, Carolino afirma que vai havendo sempre algum movimento. “Não dá para encher a barriga, mas dá para ir vivendo”, afirma o comerciante.
Nos últimos anos têm fechado mercearias no centro da cidade. São pequenos negócios que acabam com o falecimento, doença ou reforma dos comerciantes, que não têm seguidores.
Já os que resistem afirmam que o comércio tradicional devia ser mais apoiado pelas entidades públicas da cidade. Ana Rodrigues aponta o dedo à Câmara Municipal de Bragança, por não permitir o acesso durante todo o dia à rua pedonal onde está instalada. “Se os carros circulassem as vendas subiam mais de 20 por cento. As pessoas sofrem dos ossos e não podem andar com pesos, por isso é natural que peguem no carro e vão às grandes superfícies”, remata a comerciante.
Por: Teresa Batista
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(Henrique Martins)
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