Genericamente intitulada Coração Português, e com um preço de venda inferior ao habitualmente praticado, a série conserva a aparência das capas originais e vem identificada com um selo azul onde está representado um coração em filigrana; no interior, os CD da série vêm «disfarçados» de discos de vinil, negros e brilhantes.
A comercialização da série será efectuada por fases até ao próximo mês de Junho.
No final de Março foi disponibilizado o primeiro «pacote» - onde se incluem, designadamente, os primeiros álbuns dos Heróis do Mar, dos Mler Ife Dada, dos Radar Khadafi, dos Essa Entente, dos Afonsinhos do Condado e de Rita Guerra, para além de Entre Um Coco e Um Adeus de Adelaide Ferreira, e De Par em Par, de José Cid, bem como os primeiros dois álbuns da Banda do Casaco (Dos Benefícios dum Vendido no Reino dos Bonifácios e Coisas do Arco da Velha), e os primeiros três de Sérgio Godinho (Os Sobreviventes, Pré-Histórias e Era Uma Vez Um Rapaz - até hoje indisponíveis em CD), entre outras curiosidades, como o Álbum de Recordações do cantor Francisco José, ou o célebre Bairro do Amor, de Jorge Palma.
Em Abril serão republicados títulos como Um Disco de Sonho, de Vítor Espadinha, Não Há Nada Para Ninguém, de Mário Mata, Desculpem Qualquer Coisinha, de Paulo de Carvalho, Rodrigo, de Rodrigo, Guitarra Portuguesa, de Jorge Fontes, Epopeia, da Filarmónica Fraude, Os Grandes Êxitos, dos Green Windows, Eu Tão Só, de Tony de Matos, e Pensando em Ti, dos Gemini. Já em Maio, alguns dos destaques serão o segundo (e último) álbum dos Mler Ife Dada, Espírito Invisível, o segundo dos Heróis do Mar, Mãe, Herman José e a já quase desconhecida Canção do Beijinho, Abracadabra, de Paulo de Carvalho, ou Ousadias, de Naná Sousa Dias, entre outros. Da série Coração Português também farão parte títulos como Fado Bailado, de Rão Kyao, Espelho de Sons, de Carlos Paredes, Notas Sobre a Alma (o primeiro de Paulo Bragança) e os Temas de Ouro da Música Portuguesa, do cantor António Mourão - que se celebrizou com a sua interpretação de «Ó tempo, volta p'ra trás».
As reedições agora propostas pela Polygram contemplam um intervalo de 30 anos, e registos sonoros seleccionados entre os espólios da antiga Divisão de Discos da Philips Portuguesa, da posterior RCA Portuguesa, e da actual Polygram Portugal, fundada em 1974. Esta última, frequentes vezes acusada de ter silenciado parte significativa da herança da música popular portuguesa por nunca ter transposto para suporte digital diversos discos que foram marcos importantes do movimento - e que permaneceram praticamente desconhecidos até hoje - redime-se agora de culpas passadas, com algum brilho e glória, aproveitando a maré turística da Expo-98 e podendo justificar o «timing» com uma operação de «marketing» devidamente planeada e executada.
Nuno Faria, o actual responsável pelo sector nacional de Artistas & Reportório daquela companhia, está também de parabéns: conseguir fazer aprovar uma semelhante proposta não é tarefa fácil, acompanhar a sua execução ainda menos, e o desgaste daí resultante é sempre fraca recompensa. Faria tem, no entanto, razões suficientes para se sentir feliz - quanto mais não seja, porque também foi remasterizado digitalmente e reeditado o álbum dos «seus» Afonsinhos do Condado.
Os Afonsinhos foram um episódio menor da música portuguesa, mas são um exemplo com o qual ainda hoje se pode aprender muito: o seu álbum Açúcar esteve longe de se revelar um sucesso comercial, mas teve as soluções apresentadas por uma produção e um elenco de luxo - de que fizeram parte, entre outros, Mário Laginha, Ramon Galarza, Fernando Abrantes (que dois anos depois seria membro dos Kraftwerk durante toda uma digressão), o guitarrista José «Moz» Carrapa, os saxofonistas Jorge Reis e Edgar Caramelo e o percussionista Quim M'Jojo.
Dos Benefícios de um Vendido no Reino dos Bonifáciosa estreia da Banda do Casaco (então com Carlos Zíngaro), foi gravado em Outubro de 1974, e é um documento essencial para a história do 25 de Abril - tal como Sobreviventes e Pré-Histórias, de Sérgio Godinho.
Quanto ao disco de estreia dos Heróis do Mar em 1981, será preciso voltar a insistir que foi o precursor de diversas evoluções que a música popular portuguesa sofreu posteriormente - como a ligação à música africana, aqui presente no tema «Salmo»?
É um bom momento para retomar uma ideia simples, que não é nova: o valor destes registos não pode ser medido pelo êxito da sua «performance» comercial.
Pode acrescentar-se uma segunda ideia: estas obras possuem valores de tipos diversos, que só tempo e as circunstâncias permitem revelar por inteiro.
Pode até dizer-se que, neste espólio fonográfico, não é difícil encontrar verdadeiros monumentos ao mau gosto. Mas também eles fazem parte de um património comum, e o património deve, naturalmente, estar acessível.
Para mais, quem sabe se os fracassos passados não poderão tornar-se sucessos futuros?
JORGE P. PIRES
ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL EXPRESSO - 10.04.1998
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