O Presidente da Associação Nacional de Empresas Florestais, Agrícolas e do Ambiente (ANEFA) critica duramente o poder político por nas últimas décadas ter menosprezado a floresta, um sector, recorda, que representa 3% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Pedro Serra Ramos defende a necessidade de mais investimento e denuncia a existência de má gestão no Fundo Florestal Permanente, «que deveria ser utilizado directamente na floresta».
Café Portugal (CP) - 2011 é o Ano Internacional das Florestas. Qual a importância desta celebração e de que modo vê as preocupações nacionais sobre esta matéria?
Pedro Serra Ramos (PSR) – O país não tem dado a devida importância ao sector florestal, que aparece apenas quando surgem os incêndios. Isso tem muito a ver com o facto de a floresta ser um espaço que leva muito tempo a crescer e de vivermos ainda muito da floresta que nos foi deixada pelos nossos pais e avós. As pessoas não sentem uma necessidade em preservá-la. É fundamental não esquecer que este sector representa 3% em termos do PIB. Porém, o que temos vindo a assistir nos últimos anos é a uma degradação da floresta.
CP - Quais as causas que estão na origem dessa degradação?
PSR - Primeiro, como é expectável, os incêndios. Depois, as pragas, uma consequência esperada. Se temos uma floresta que está em equilíbrio e ela entra em desequilíbrio por causa dos incêndios é natural que os elementos que vivem nela, tentem procurar alimento nas outras florestas que estão ao lado e que permanecerão verdes. E, nessa medida, o aparecimento das pragas é uma consequência disso mesmo. Depois, também há alguma alteração no modo como se cuida da floresta que, entretanto, se alterou por falta de capacidade de investimento e devido às alterações climáticas.
CP - Estamos a falar de descuido?
PSR - Sim, mas a origem desse descuido tem a ver com a falta de capacidade das pessoas para investir. Ou seja, por um lado temos uma situação em que as áreas florestais foram deixadas por pais e avós às pessoas, que já não têm uma ligação muito directa com a floresta. Antigamente, recordo, as pessoas viviam junto à floresta e esta servia, muitas vezes, como fonte de rendimento. Actualmente isso não acontece. Muitas das pessoas que herdaram a sua floresta não sabem sequer onde ficam os seus terrenos. E isso faz com que não haja uma ligação afectiva com o espaço florestal. Por outro lado, as dificuldades financeiras que os países atravessam levam a que as pessoas não tenham dinheiro para investir. E aqui estamos a falar de valores muito altos. Limpar um hectare de floresta, por exemplo, pode custar mil euros.
CP - Isso é incomportável para muitos particulares.
PSR - Sim, mas um hectare de floresta, se reparar, não é nada, é praticamente a dimensão de um campo de futebol. Isto é incomportável e, sobretudo para as pessoas que não têm grandes capacidades, não é uma prioridade. Portanto, é difícil, hoje, mostrar às pessoas as mais-valias do investimento no seu espaço florestal.
CP - Estamos a falar de um problema de gestão?
PSR - Há um problema que o sector tem de resolver rapidamente: encontrar formas de financiamento. Há muitas pessoas que até se encontram disponíveis para investir. O problema é que não têm dinheiro nem formas de financiamento. Os quadros comunitários poderiam ter sido uma solução. Relativamente a este último pacote financeiro que recebemos, arrancou de forma muito má em termos de funcionamento e a verdade é que só agora é que as pessoas estão a começar a candidatar-se às linhas de apoio. Apresentando os projectos agora, quando muito, serão colocados em execução só no próximo ano. Este último quadro comunitário tem muito pouca taxa de execução, pela dificuldade burocrática que teve no início e que levou a que as pessoas, no fundo, se desmotivassem face ao investimento florestal. Há uma outra maneira disponível para financiar a floresta.
CP - Está a falar de formas alternativas de exploração económica da floresta?
PSR - A floresta produz bens de que todos usufruímos e que até hoje não têm sido pagos e cuja cobrança é inevitável e este conceito é cada vez mais falado ao nível europeu. Ou seja, está na altura de avançar com o princípio do utilizador-pagador e das pessoas pagarem por esses serviços. O que acontece em Portugal é que isso já acontece sem que os contribuintes tenham consciência disso.
Ou seja, cada vez que é atestado um depósito de combustível é cobrado um imposto verde que foi criado, e que vai para o conhecido Fundo Florestal Permanente (FFP). O FFP foi criado para resolver precisamente este problema da dificuldade de financiamento do sector.
CP - E como avalia a implementação do FFP?
PSR - A gestão do FFP tem corrido muito mal. Não no sentido de obter a receita porque ela ronda os 30 milhões de euros por ano e nesse aspecto tem funcionado. Mas em termos da sua utilização, não tem funcionado. O FFP, que deveria ser utilizado directamente na floresta, está a ser usado para todo o tipo de coisas, associadas ao sector, menos para a floresta directamente.
CP - Em que é que o FFP tem sido usado?
PSR - O FFP existe há seis anos. Começou a falar-se dele quando as pessoas perceberam que não estava a ser usado na floresta directamente. Ou melhor está a ser usado no sector florestal mas não na floresta. O FFP tem sido utilizado numa série de actividades desde a investigação, no apoio as estruturas organizativas, no planeamento e na publicidade em torno da floresta por causa da questão dos incêndios. Ora, o sector florestal tem actualmente um problema grave - é que o corte de madeira efectuado anualmente é muito superior ao crescimento anual da floresta portuguesa. Assim, se não focamos a capacidade de investimento existente na reposição do equilíbrio entre o que se corta e o crescimento florestal vamos ter graves problemas.
CP - Isso é um perigo.
PSR - Vamos chegar a uma situação de insustentabilidade e a um ponto em que queremos floresta e não a temos e não conseguimos repor o stock florestal de um dia para o outro.
CP - A cortiça, por exemplo, é dos produtos que mais exportamos. Porque não se aposta mais neste produto?
PSR - Penso que tem tudo a ver com a grande dificuldade de investimento. Como existe pouco dinheiro disponível cada organização olha para os seus interesses em vez de olhar para o interesse comum, a floresta e a árvore. O diagnóstico do sector florestal português foi feito no final da década passada (1999/2000), o assunto foi amplamente discutido e originou o chamado Plano de Sustentabilidade da Floresta Portuguesa.
CP - E o que aconteceu a esse Plano?
PSR - Ficou guardado numa gaveta. Criou-se tudo e para cada uma das fileiras florestais foram definidas metas e objectivos. Foi feito o retrato daquilo que existia e foram delineados os vários passos que deveriam ser seguidos para mantermos a sustentabilidade da floresta portuguesa. Esse Plano não passou da teoria. E cada vez que politicamente entra um Governo em funções, fazem-se novos planos e estratégias, perde-se mais tempo e gasta-se o dinheiro disponível.
CP - Sendo 2011 o Ano Internacional das Florestas, esta realidade pode ou não despertar consciências?
PSR - Pode, através da persistência. Neste momento isso passa por encontrar uma forma de financiar o sector. Se tivéssemos uma forma de financiar o sector, conseguíamos convencer os produtores florestais a investir mais.
CP - Como têm passado essa mensagem junto do poder político, por exemplo?
PSR - Cada vez que falamos no FFP para ser utilizado directamente na floresta o poder político ri-se e diz: «coloquem-se na fila porque há mais gente à espera». E esta não pode ser a resposta e muito menos relegar para segundo plano aquilo que é realmente importante. Estamos cansados de planeamento e de estruturação, sobretudo quando este não tem qualquer efeito prático.
CP - Será possível, a médio/longo prazo, ter uma floresta sustentável?
PSR - Possível é. Não temos outra solução, porque grande parte dos solos do nosso país não comportam outra coisa a não ser a floresta. E a alternativa que temos é entre floresta e mato. Está na altura de, politicamente, as pessoas se aperceberem dessa situação e de, de uma vez por todas, acabarem com os planeamentos sucessivos e passarem a criar e a cuidar da floresta.
CP - A floresta ocupa 38 % do território de Portugal continental. Olhando para o mapa, quais são as regiões onde ela é mais sustentável e onde há mais preocupação em termos de rendimento?
PSR - As zonas mais devastadas ultimamente têm sido também as mais produtivas. Temos de ter claramente dois tipos de floresta: uma que seja produtiva a curto prazo e que permita gerar uma receita que ajude noutros projectos. Refiro-me a regiões que se situam mais próximo do Litoral, em termos de produção de eucalipto e da madeira de pinheiro bravo. Por outro lado, o Interior abrange zonas menos produtivas, onde podemos apostar num outro tipo de floresta, a mais longo prazo. È claro que no caso do sobreiro a situação é bastante diferente.
Incêndios
CP - O abandono dos territórios e o envelhecimento populacional são também factores influenciadores dessa situação?
PSR - A sensação que temos é que as populações, à medida que se vai abandonando a floresta, vão igualmente deixando as regiões onde esta predomina, por falta de trabalho. Por exemplo, o ano de 2003 foi dos piores em termos de incêndios florestais. Existe muita madeira de 2003 queimada que ainda não foi retirada. Isto revela o comportamento que as pessoas têm perante o sector florestal. Mas, se nestas zonas não vive ninguém e não há trabalho, as pessoas vão-se igualmente afastando.
CP - Aí o Estado não devia ter um papel determinante?
PSR - Aí o Estado deveria ter um papel de liderança e de reencontro de vontades. Ninguém pede subsídios ao Estado, apenas que tome uma posição forte de liderança naquilo que são os interesses do País, e que passa por ter mais e melhor floresta. Por exemplo, há três anos houve uma procura grande de madeira por parte de empresas estrangeiras para a produção de Biomassa.
CP - Falando do território, como está o levantamento de cadastro das propriedades, não só do Estado como de particulares?
PSR - O problema não é o levantamento das áreas em si, mas sim as questões jurídicas associadas à posse da terra. Não basta chamar os proprietários, identificar as propriedades e fazer o levantamento das áreas. O que acontece é que muitas vezes os proprietários já não conhecem os limites dos seus terrenos e isso obriga a juntar todos os vizinhos para se definirem os limites reais, e isso não é fácil. Se o cadastro for efectuado sem ter isso em conta, os tribunais vão se encher de processos relacionados com as questões cadastrais, que atrasará o processo durante muitos mais anos. Quando se fala em fazer o cadastro, esta é a principal dificuldade. O principal desafio, hoje, está em arranjar uma metodologia simples que permita juntar toda a informação existente e encaminhá-la para um processo legal de decisão rápida.
CP - Em relação aos incêndios, o que tem falhado: a prevenção ou a falta de meios no combate?
PSR - Um dos problemas é a ausência de população nas zonas florestais. Antigamente, a população que vivia junto à floresta em conjunto com os guardas florestais faziam uma vigilância continua. Com o abandono das zonas florestais o problema adensou-se. Apesar disso a situação melhorou muito com a intervenção da GNR, porque é uma entidade respeitada e tem uma actuação local mais vincada. Há obviamente um desaproveitamento de meios. Não se compreende porque é que a prevenção e o combate aos incêndios são efectuados sem a ajuda das empresas florestais, que é quem melhor conhece a floresta, localmente. Por outro lado, as empresas florestais possuem meios, como as buldozzers ou as motosserras que podem ajudar no combate aos incêndios florestais mas são muito pouco utilizadas em Portugal. Não vemos esse tipo de estratégia, de aproveitamento dos recursos existentes.
CP - Qual é o grau de responsabilidade do Estado?
PSR - O Estado tem de assumir um papel de liderança na conciliação de vontades que vão desde a prevenção até à recuperação das áreas queimadas. O que se pede é que junte os diferentes agentes do sector e que procure organizar os interesses em torno de um objectivo comum, a preservação da floresta.
Ana Clara
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