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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

O ROCK EM PORTUGAL 1980-1989


Para a maioria dos portugueses, hoje, a sua memória do rock em Portugal remonta apenas o «Chico Fininho», o clássico embrionário de Rui Veloso e também a "gota de água" que fez explodir o verdadeiro primeiro boom do rock'n'roll entre nós. Estávamos em 1980 e «Ar de Rock», o álbum que continha o tema, entrava com alguma surpresa e massificação por todos os lares portugueses, via rádio e TV.
Quando, um mês mais tarde, saem para a rua uns «Cavalos de Corrida» chamados UHF, consolida-se o fenómeno. Digamos que, pela primeira vez em Portugal, o rock é escutado e cantado em português de forma tão unânime. Até aqui e à excepção, nos anos 60, dos Sheiks e do Quarteto 1111, nunca antes os nossos rockers tinham obtido um tal impacte junto da camada juveniI. Era o país inteiro que, boquiaberto, aclamava a sua primeira geração rock oficial. Também, pela primeira vez, a linguagem escrita do rock'n'roll. revista num português directo e espontâneo, chega a todos os lugares recônditos do território.
Para trás. tinha ficado o esforço injustiçado, mas histórico, dos grupos com que acabámos o resumo da década de 70: Faíscas (e a posterior mutação para Corpo Diplomático), Aqui D'EI-Rock ou Perspectiva. Contudo, nenhum deles conseguiu saltar o fosso do conhecimento restrito, mas criaram bases e uma certa habituação prévia para a explosão referida no início. Concentremo-nos pois nos novos aventureiros e na dupla Rui Veloso/UHF, entre a qual se estabelece a charneira da nossa quarta idade do rock em Portugal, depois dos Sheiks/Ekos, depois do Quarteto 1111/Filarmónica Fraude/Objectivo, depois dos Tantra/Arte & Oficio/Beatnicks. Para muitos, este novo crescendo da produção nacional deveu-se muito à ocasionalidade de um tema que pegou na rádio, «Chico Fininho», mas convém não esquecermos factores de máxima importância: os UHF, por exemplo, já tinham percorrido praticamente todas as estradas de Portugal, num roteiro intenso de concertos que veio ajudar à rápida propagação do seu surgimento.
Pela Rua Do Carmo dos UHF
Mas «Cava/os de Corrida» não foi o seu primeiro fôlego em estúdio. Aliás, o grupo acabou por representar uma geração enorme de músicos incontinentes do chamado «outro lado da margem», ou seja, Almada e localidades circundantes. Um ano atrás, em 79, a sua formação inicial - António Manuel Ribeiro (voz e guitarra), Renato Gomes (guitarra), Carlos Peres (baixo) e Américo Manuel (bateria) - já tinha gravado o single «Jorge Morreu» para a Metro-Som. O tema servia simultaneamente como homenagem a um amigo da banda que "passou muito depressa pela vida" e como radiografia real da vida de muitos jovens que habitavam a cintura industrial lisboeta, propensos à assimilação do rock de características urbanas vindo das Ilhas Britânicas. António Manuel Ribeiro iniciou, com os UHF e algumas históricas apresentações na Incrível Almadense, uma escalada ao topo do rock em Portugal que ainda hoje se mantém.
A sua paixão confessa pelos Doors deu-lhe o direito a ser conhecido como o Jim Morrison português, apesar de António Manuel Ribeiro nunca ter admitido tal pretensão, não obstante simpatizar com a analogia. Já em 81 a banda erguia finalmente os seus distintivos: discos de ouro para «À Flor da Pele», o álbum de estreia, e para o somatório dos seus singles, «Cavalos de Corrida», «Rua da Carmo» e «Modelo Fotográfico». Martelando sucessivamente sobre as temáticas que invadiam qualquer imaginário dos jovens rebeldes, os UHF lançam consecutivamente «Estou de Passagem» (o seu último trabalho para a EMI-Valentim de Carvalho, num divórcio que deu que falar!», «Persona Non Grata» e «Ares e Bares de Fronteira», numa prática que se iria estender por toda a década de 80 até ao presente, com altos e baixos normais numa carreira tão extensa. Para muitos dos seus simpatizantes, os UHF restam como a última amostra de teimosia pelos valores que defendem, enquanto outros apontam o grupo como exemplo da estagnação do nosso rock.
Da fartura à ressaca
Mas, fascinado como as novas hipóteses comerciais do rock cantado em português, o nosso sistema discográfico reage e, entre 81 e 83, dá-se então o já apontado boom, pleno de uma fartura que iria conduzir a uma grave ressaca lá pelos meados da década, apesar de, pelo meio, se ter ressuscitado o Festival de Vilar de Mouros que, para além dos portugueses, contou ainda com os U2, os Echo And The Bunnymen, Durutti Column ou Stranglers. No entanto, nesses parêntesis, foram guardados trabalhos históricos e de grande valor artístico, entre os quais se destacam os Xutos e Pontapés, G.N.R., António Variações (que só depois da morte por Sida foi finalmente reconhecido como um precoce da vanguarda pop em Portugal), Heróis da Mar e Street Kids. Como apontamento de referência, guardaram-se também aventuras como os Táxi (ex-Pesquisa, cujo tema «Chiclete» e o álbum «Cairo» atingiram uma expressão enorme em vendas), Salada de Frutas (famosos pelo tema «Se Cá Nevasse»), Jafúmega (os ex-Mini-Pop agora virados para um rock com sabor a tripas do Porto), Manuela Moura Guedes (que assinou um dos melhores singles de sempre da música portuguesa, «Foram Cardos, Foram Prosas»),TNT, Albatroz, Roquivários, Roxigénio, Opinião Pública, Popeline Beje, Da Vinci, Trabalhadores do Comércio ou Grupo de Baile.

Todos eles partilharam entre si singles e álbuns de grande sucesso nacional, mas juntos trabalharam para a saturação de um mercado que não estava preparado para uma revolução tão vincada e exigente no apoio promocional aos seus projectos. 
Entre 81/83, quase bastava ter uma canção rock cantada em português para merecer um contrato discográfico. Essa alienação do rigor originou o surgimento de muitos sub-produtos rock, o que viria também a ajudar ao desacreditar o futuro dos nossos valores. A maioria desintegrou-se, entre eles os interessantes Street Kids (inicialmente vocacionados para o cantar em inglês, nos singles «Let Me Do It» e «Super Wen»), praticantes de uma pop de contornos virados para a new wave importada do circuito anglo-saxónico com resultados práticos no álbum Trauma, no qual deixaram um clássico importante, «Tropa Não», retomado anos mais tarde como hino emblemático pelos seguidores do post-punk em Portugal.
Aos Xutos & Pontapés contra o sistema
No cume da pirâmide activa do impacte do punk em Portugal, encontramos os Xutos & Pontapés. Entre 78 e 82, "remaram contra a maré", mas sem resultados práticos editoriais. No entanto, nunca pararam de dinamitar rebeldia em cada palco que pisavam, num acumular de culto que, os viria a transformar na maior banda portuguesa, de rock'n'roll, muitos anos depois. Tim (voz e baixo), Francis (guitarra substituído por João Cabeleira após a saída de «1978-1982»), Zé Pedro (guitarra) e Kalú (bateria), foram os primeiros Xutos, apesar de ser injusto não referir a participação inicial de Zé Leonel, fundador do grupo, mas que rapidamente se viu excluído deste por problemas com o consumo excessivo de estupefacientes. Só em 82, pela mão de António Sérgio e da sua editora Rotação - nome guardado do programa homónimo que realizou para a Rádio Renascença no final dos anos 70 -, chegaram a estúdio para registar «1978-1982», álbum compilação de toda a produção acumulada durante esses quatro anos.
«Sémen» foi inclusive individualizado no formato sete polegadas e a dupla «Ave Maria»/«Mãe» foi de encontro à moral dos portugueses focando, de forma explícita, a religião e o incesto. Dois anos depois, dominavam a primeira colectânea dos concursos do Rock Rendez- Vous, enquanto convidados de honra, assinavam «Remar, Remar» para a Fundação Atlântica e fechavam esse ciclo com «Cerco», um mini-LP que guarda algumas das melhores canções da banda, mas que enferma de péssimas condições sonoras, Nessa altura. já o grupo gozava de uma grande exposição pública e, depois de um conflito para a edição de último álbum para a Dansa do Som - o ao vivo «1º de Agosto» -, assinam pela Polygram e surpreendem tudo e todos com "contentores" cheios de energia e electricidade: «Circo de Feras» (87). Daí para a frente. os Xutos & Pontapés foram gerindo os ganhos, através de álbuns menores como «88» (88), tentando até a internacionalização em território brasileiro. Felizmente, os anos 90 encontraram-nos em forma e o estatuto foi reposto com o mais recente «Direito Ao Deserto».
As "Descobertas" dos Heróis do Mar
Mas se os Street Kids deram nas vistas, em termos pop, foram os Heróis do Mar - Rui Pregal da Cunha (voz), Paulo Gonçalves (guitarra), Pedro Ayres Magalhães (baixo), Carlos Maria Trindade (teclas) e Tózé Almeida (bateria) - quem abalou verdadeiramente as muralhas da nossa consciência formal e ideológica. Em primeiro lugar, adoptaram a estética new romantic (movimento britânico onde despontaram nomes como Duran Duran. ABC. Human League ou Classic Nouveau) enquanto identidade visual, aplicada sobre uniformes e letras intrinsecamente revivalistas do Portugal das Descobertas, num período onde qualquer apologia nesse sentido era tida como um gesto reaccionário. Indiferentes a esses "velhos do Restelo", os Heróis do Mar (ex-Corpo Diplomático) assinaram, logo à partida, um dos melhores álbuns de sempre da música portuguesa, o homónimo de estreia «Heróis do Mar» (82), um trabalho de canções espantosas e de um som novo para os ouvidos portugueses, denotando uma absorção imensa dos manifestos Joy Division/New Order que marcaram o planeta rock à entrada dos anos 80.
Com os posteriores singles «Amor» e «Paixão» - já inseridos no período electro-pop do grupo -, o projecto atinge uma notoriedade raramente antevista em solo nacional, chegando inclusive a preencher a primeira parte de um espectáculo dos Roxy Music em Paris, em mais um episódio da tão falhada internacionalização do rock "made in Portugal". Procurando evoluir, abertos à introdução de novos elementos corno o experimentalismo e algumas expressões étnicas, os Heróis do Mar ainda lançam trabalhos como «Mãe» ou «Macau», mas já não gozam do estatuto anterior e inicia-se a desintegração do grupo, com uma dispersão notável dos seus membros por outros projectos de importância vital para a música portuguesa: Pedro Ayres Magalhães forma os Madredeus e a dupla Rui Pregal/Paulo Gonçalves aguardam os anos 90 para promoverem os controversos LX -90.
Portugal na CEE dos G.N.R.
Tal como os Heróis do Mar e António Variações, os G.N.R. - grupo novo rock - percorreram a primeira metade dos anos 80 em Portugal como um projéctil-choque, desenvolvendo uma aura de culto fortíssima, mais tarde responsável pela sustentação do grupo no salto que deu para o título de grupo rock português com o maior sucesso da história. Hoje, Rui Reininho é o ídolo indiscutível do nosso mercado adolescente, mas há catorze anos atrás jamais pensou deter esta posição.
Na época, encontrava-se entretido nos projectos Anar Band (uma aventura exeperimentalista de Jorge Lima Barreto) e Atitudes (uma brincadeira new wave), até ao dia em que troca posições com Vítor Rua no seio dos G.N.R.. Este tinha oferecido ao grupo dois singles clássicos, «Portugal na CEE» e «Sê Um G.N.R.», mas desinteressou-se pelo rumar pop que este estava a tomar, nas pessoas de Toli (bateria) e Alexandre Soares (guitarra), associando-se a Lima Barreto para os Telectu.
Os G.N.R. recrutaram então Reininho (voz) e Jorge Romão (baixo), iniciando a escalada que hoje lhe reconhecemos. A primeira medida foi inflectir o grupo para a vanguarda da pop, extraindo desta a liberdade criativa para desenvolver letras onde misturavam mais do que um idioma, onde divagavam entre o experimentalismo - o tema «Avarias» de «Independança» (83), é um exemplo - e a new wave. Um ano depois, fazem sair «Defeitos Especiais» e o EP «Twistarte», para em 85 chegarem à sua indiscutível obra-prima, «Os Homens Não Se Querem Bonitos», onde despontavam «Dunas» e o espantoso «Sete Naves», para muitos considerado o zénite do grupo. Daqui até «Psicopátria» foi um pulo, com novos lucros a serem contabilizados, quer no plano financeiro, quer em termos artísticos («Bellevue» e «Efectivamente»).
Este ciclo marca também o fim da presença de Alexandre Soares, o grande responsável por mui tos momentos memoráveis dos espectáculos da banda, substituído, depois de várias tentativas, por Zézé (ex-Urb), que tem acompanhado o grupo até ao presente, desfrutando das grandes explosões de massas que já gozaram: o relativo sucesso de «A Valsa dos Detectives», a euforia captada em «In Vivo», o fenómeno que foi «Rock In Rio Douro» e o mega-concerto de Alvalade, o maior de sempre de um grupo português.
A Catedral Rock Rendez-Vous
Fechado que está o ciclo dos primeiros gigantes e do boom de 80/83, chegamos a um dos períodos mais relevantes da nossa acção rock desde sempre, a recuperação da nossa crença a partir de 84, com base na militância de meia dúzia de renitentes em cruzar os braços e voltar ao ponto zero. As multinacionais, essas, já não arriscavam e limitavam-se a gerir as carreiras dos seus eleitos. Como tal, havia que dar a volta por cima, exacta mente como António Sérgio tinha feito com a sigla "Rotação" no início da década, isto é, empurrar o barco para a frente com as mãos.
Na rádio, António Sérgio já estava na Comercial, com o seu "Som da Frente ", pronto para o que desse e viesse e Rui Pêgo/António Duarte mantinham a força do "Nós Por Cá" na Renascença, enquanto nascia o "Blitz", que ainda resta como o único semanário musical da nossa praça. Por outro lado, e sem menos importância, assistiu-se a um fenómeno exemplar: o surgir de uma rede incrível de Rádios Piratas, espalhadas por todo o país, a quem se deve grande parte do ressurgir do nosso rock. Mais tarde, seriam reordenadas por legislatura oficial, mas a sua voz nunca se calou desde então.
Mário Guia, um ex-Ekos e uma personagem que nunca perdeu o rasto ao nosso rock, já tinha transformado, no final de 80, um ex-cinema de filmes pornográficos no mítico Rock Rendez-Vous sob o mote "um palco e um público para o rock feito em Portugal", originando assim a indiscutível catedral do nosso rock durante a década.
Aí se operou, durante anos a fio, a mostragem de todo o tipo de valores, quer pela prática de espectáculos ao vivo assíduos (cerca de 1500 em dez anos), quer pela implementação de concursos.

Nasceu assim a série "Concurso de Música Moderna do Rock Rendez-Vous ", uma expressão que passou a constituir o oásis sonhado por todos quantos sabiam não ter hipóteses junto do circuito multinacional.

Na Primavera de 84 realizou-se a sua primeira iniciativa, revelando na edição seguinte um grupo que viria a marcar a charneira de transição dos períodos arcaico e moderno do rock em Portugal, os Mler Ife Dada, que depois de gravarem o máxi-single «Zimpó» para a Dansa do Som (editora acoplada ao RRV, por onde eram lançados os discos-prémios dos concursos), acabaram por assinar com a Polygram, associação da qual resultou «Coisas Que Fascinam», um álbum que veio revitalizar muitos dos conceitos seguidos em Portugal pelos nossos músicos. Assente na voz de Anabela Duarte (ex-Ocaso Épico) e na imaginação de Nuno Rebelo (baixo e ex-Street Kids), o grupo surpreendeu pela introdução de ritmos estranhos ao rock standard e pelo imenso electismo das suas inspirações, da música africana à canção francesa, etc.
Dessas gerações ininterruptas que despontaram no Rock Rendez-Vous ao longo de dez anos de actividade - fecho por falência económica -, guardam-se os nomes dos Radar Kadafi, Essa Entente, Requiem, Pop Dell'Arte, Mão Morta, Peste & Sida, Lobo Meigo, Mata-Ratos, Ena Pá 2000, Quinta do Bill, Sitiados ou Ritual Tejo.
Os Ban com a Alma Dorida e a Glória dos Sétima Legião
Paralelamente à actividade da Dansa do Som, uma outra editora independente lançava os dados da sorte: a Fundação Atlântica, fruto da "carolice" de vários membros, entre os quais estava Pedro Ayres Magalhães, uma personagem única no despoletar das várias etapas do rock em Portugal, desde o punk dos Faíscas até à portugalidade dos actuais Madredeus, passando pelos já referidos Corpo Diplomático e Heróis do Mar. O objectivo da Fundação Atlântica foi o da divulgação (associada à distribuição da EMI-Valentim de Carvalho) da música moderna portuguesa de inspiração urbana. Assim, descobriram os Sétima Legião e editaram dois dos mais históricos singles da nossa cronologia: «Foram Cardos, Foram Prosas» de Manuela Moura Guedes (apoiada no então crítico de música Miguel Esteves Cardoso e Ricardo Camacho) e «Remar, Remar» dos Xutos & Pontapés, entre outras edições.
Mas foram mesmo os Sétima Legião quem marcou a existência do seu catálogo, pelo qual lançaram «Glória» (83) e «A Um Deus Desconhecido» (84), o single e o álbum de estreia, respectivamente. E apesar das vendas de ambos os registos não terem sido significativas, transformaram-se em obras de culto para os amantes do novo rock, expressão que caracterizava os seguidores das tendência urbanas britânicas, entre os Joy Division e os Echo and the Bunnymen, entre os U2 e os The Cure. Culto esse que se iria arrastar durante os três anos de interregno do grupo, até ressurgirem reformulados para «Mar de Outubro» e «De Um Tempo Ausente», os álbuns seguintes, que cristalizaram os Sétima Legião entre a elite das nossas propostas rock, com um forte cunho português, quer pela utilização de uma gaita de foles, profundamente celta, quer pelo teor das letras de Francisco Menezes, abertas ao coração pictórico dos portugueses: o mar, o amor, a saudade e as glórias do passado.
A par da Sétima Legião. e no mesmo território desta, despontaram também os Ban, outro projecto a emergir da Cidade lnvicta, tal como os G.N.R.. Começaram por se chamar Bananas, nome com o qual editaram o single «Identidade», mas em 84 surgiam já por detrás do diminutivo Ban para cantar a depressão própria das sociedades urbanas. O EP «Alma Dorida» foi o grito lançado, mergulhando a banda num silêncio profundo do qual só iria emergir em 86 para um novo EP, «Santa», ao qual se seguiram os álbuns «Surrealizar», «Música Concreta» e «Mundo de Aventuras».
Contudo, para quem os acompanhou desde o início, a confusão era total, já que o grupo retomou o activo praticando e investindo tudo numa pop cerebral de intuitos dançantes, insuflando inteligência no mercado das ideias portuguesas.
Entre os Rádio Macau e os Delfins
Entre os Rádio Macau e os Delfins estabelece-se a ponte ideal sobre os dominadores comuns próprios das populações que habitam as linhas ferroviárias urbanas de Sintra e Cascais. A EMI-Valentim de Carvalho pegou nos dois projectos, mas conhecia as diferenças dos seus públicos: um, o de Sintra, virado para o consumo de um rock de guerrilha urbana: o outro, o de Cascais, aberto a uma pop adolescente e positivista. Assim foram dados os primeiros passos dos Rádio Macau e Delfins, bandas que viriam a evoluir para o principal patamar do nosso rock.
A primeira, viria a assinar seis álbuns, dos quais destacamos o homónimo de estreia, «O Elevador da Glória» e «Marca Amarela» o último registo do grupo, que se dissolveu em 93 -, trabalhos importantes do domínio da exploração do rock'n 'roll com traços hard em Portugal. Em palco, os Rádio Macau ficaram também conhecidos como uma das bandas nacionais mais eficazes, quer pela entrega que dispunham, quer pela intensidade com que encaravam cada espectáculo.
Quanto aos Delfins, o seu projecto é bastante mais díspar. Quando no acto de estreia lançaram um tema chamado «Baía de Cascais», imediatamente viram essa bandeira transformar-se numa espécie de hino regional, assumido por todos quantos habitam a Linha de Cascais. Contudo, como uma faca de dois gumes, foram obrigados a suportar o reverso da medalha, rejeitados por todos quantos exigem algo mais do que a frescura pop. Só com o segundo álbum, «O Outro Lado Existe», recuperaram posições, sobretudo através de «Um Lugar Ao Sol», uma autêntica pérola pop que ajudou o grupo a chegar a «Desalinhados» com redobrados créditos face ao público dos grandes centros urbanos, os mesmos que os rejeitaram em primeira instância. Contudo, em 93, os Delfins mudam de máscara e fazem o rock praticado em Portugal olhar fundo para trás, arrancando «Ser Maior - Uma História Natural», um triplo álbum polémico, quer pela sua concepção temática, quer sobretudo pelas opções tomadas, revivalistas dos períodos sinfónico-progressivo, que dominaram grande parte dos anos 70.
A propagação do circuito independente
Com os exemplos dados pela Stiff Records, pela Rotação (através da Rossil), pela Fundação
Atlântica e pela Dansa do Som, guardou-se um recado vital: afinal, pode-se e deve-se sobreviver para além da imensa sombra das editoras multinacionais.
João Peste, voz e líder dos Pop Dell 'Arte, apercebeu-se disso e lança a Ama Romanta; um selo próprio, apoiado no esforço cúmplice de vários amigos.
«Divergências», uma compilação de vários projectos oriundos do nosso circuito alternativo, foi o primeiro grande passo dado, depois de experimentado o mercado com um single dos Mler lfe Dada, «L 'Amour Va Bien Merci». Contudo, foi «Free Pop», o primeiro álbum dos Pop Dell'Arte, quem acabou por consolidar o valor da Ama Romanta, trazendo para o mercado dois lados de vinil cheios de imaginação e criatividade. Ao contrário da geral, João Peste tinha empurrado o seu grupo para um pátio onde se provava que, afinal, a aculturação é inevitável. mas que pode ser filtrada para modelos autónomos e não apenas exercícios de pura cópia à portuguesa.
Esse seu exemplo de coragem foi depois seguido por outros resistentes, com provas à vista nos catálogos da MTM (editora do Porto) ou da El Tatu, propriedade de Tim dos Xutos & Pontapés. Consolidado o processo de autonomia das vias independentes, a música moderna portuguesa ganhou o direito à existência para lá de guetos de bairro. Contudo, apesar do já relativo adiantamento dos anos 90, ainda se espera mais e melhor dos viveiros alternativos. Mas, hoje, pode-se dizer com uma confortável segurança: há rock em Portugal e um sistema de apoio às suas diversas disciplinas - editoras, agenciamento e uma rede de rádios regionais e locais pronta para a sua promoção.

Textos:anossamusica.no.sapo.pt

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