OPINIÃO Henrique Pereira dos Santos |
No dia 24 de Setembro de 2013 foi criado o Parque Natural Regional do Vale do Tua. A criação desta área protegida não decorre da vontade de conservar valores ou de encontrar o melhor mecanismo institucional para a gestão de uma paisagem considerada excepcional.
Pela página da Agência para o Desenvolvimento Regional do Vale do Tua, que junta os municípios de Alijó, Carrazeda de Ansiães, Mirandela, Murça, Vila Flor e a EDP, ficamos a saber ao que vêm os promotores da área protegida: “Este parque surge de um acordo entre a ADRVT e o ICNF que garantiu que cerca de três quartos da dotação da EDP para o Fundo da Biodiversidade, no âmbito do Aproveitamento Hidroeléctrico de Foz Tua, sejam canalizados para a região e investido em desenvolvimento regional.”.
A Declaração de Impacte Ambiental (DIA) da barragem diz o seguinte: “A compensação pela perda de valores naturais e sua preservação deve ser assegurada através de contribuições anuais para o Fundo para a Conservação da Natureza e da Biodiversidade, previsto no artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 142/2008, de 24 de Julho, de acordo com o constante na medida de compensação n.º 13.”.
Nenhuma relação é estabelecida entre a contribuição para o fundo de biodiversidade e a promoção do desenvolvimento regional, por razões que a mim me parecem óbvias: embora a biodiversidade e as áreas protegidas sejam activos económicos de primeira grandeza, não é a conservação da natureza (inerentemente deficitária) que tem de financiar a actividade económica, é exactamente o inverso. Tal como foi referido no artigo anterior, as medidas de compensação visam compensar os efeitos negativos não evitáveis dos projectos e dirigem-se exactamente a esses valores de biodiversidade.
Com a justificação da conservação da natureza e da biodiversidade não fazemos mais que alimentar os do costume.
Ao ler as medidas compensatórias desta DIA, é extraordinária a desfaçatez do Estado português na manipulação destas regras de decisão, aproximando a lista de medidas compensatórias de uma lista de pedidos ao tio rico da América (neste caso, a EDP): a tal criação da agência regional, um programa de criação de auto-emprego, a requalificação das acessibilidades, criação de núcleos interpretativos, estudos (mas que efeito negativo da barragem, inevitável, será compensado por um estudo? Será a ignorância um efeito inevitável da barragem que tenha de ser compensada com um estudo?), o plano de ordenamento da albufeira (o Estado aproveitou para passar para o promotor custos que são inerentes à sua função inalienável), a cooperação com a administração na formação técnica e científica (como? Que efeito negativo inevitável da barragem é compensado por esta esperteza saloia da administração vender licença de operação em troco do seu próprio financiamento?), etc..
Para compensar os efeitos negativos nos valores naturais, que medidas prevê o parque natural regional? Criação de rotas temáticas, certificação de produtos da região, medidas de redução do risco de incêndio, elaboração de guias sobre o património natural. Ou seja, dito pelos seus promotores: “Este investimento será um grande contributo para o desenvolvimento socioeconómico da região, criando, assim, um enquadramento favorável para a captação de investimentos privados para exploração do potencial turístico da região em termos de turismo de natureza e turismo de bem-estar.”
Não, não se pense que o problema está na EDP ou nas outras eléctricas, essas fazem, bem ou mal, o seu papel de produtores. O que é verdadeiramente corrosivo é uma administração pública que actua de forma ilegal e ilegítima, permitindo as mais evidentes aldrabices para que os pequenos interesses locais se atirem aos recursos como gato a bofe (em 7 milhões de euros, há menos de meio milhão para os gestores da biodiversidade: os proprietários. O resto é para distribuir pelos amigos sob a forma de cargos (mais de um milhão de custos de estrutura de gestão) ou de estudos.
E com a justificação da conservação da natureza e da biodiversidade não fazemos mais que alimentar os do costume.
Não, não se pense que são os outros o problema. O problema é mesmo a nossa complacência para com esta corrupção institucional bem patente em processos deste tipo: o Estado a vender licença a troco do seu próprio financiamento.
in:publico.pt
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