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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

domingo, 27 de setembro de 2015

Lhaços da Freixenosa - A transmissão oral transmontana

Texto integral de uma publicação de Abílio Topa e da Editora Apenas Livros, sobre os Lhaços da Freixenosa e um conjunto de informações preciosas sobre a cultura de transmissão oral, ainda hoje vivida nas aldeias no nordeste português.

A tradição musical de Freixenosa
Na terra de Miranda, as aldeias constituem uma unidade cultural com particularidades específicas, que as tornam peculiares e com identidade própria.

A cultura oral deve a sua continuidade a determinados agentes culturais que são os depositários dessa mesma tradição. Esses agentes, são pessoas cujo ouvido musical e cuja memória lhes permitiram assimilar, conservar, e transmitir esse património. Em Freixenosa, pequena aldeia debruçada sobre as arribas do Douro Internacional, viveu um dos melhores executantes de gaita-de-foles de que há memória na Terra de Miranda. O Tiu Pepe, Manuel José Lopes, falecido em 8-12-1924, deu vida a este som único e telúrico, sendo o primeiro tocador a acompanhar os pauliteiros fora da Terra de Miranda. Com efeito, em 1898, por ocasião das comemorações do IV Centenário da Descoberta do Caminho Marítimo para a Índia, actuou no coliseu dos recreios em Lisboa com os pauliteiros de Constantim, perante a rainha Dona Amélia. No cartaz conservado pela sua bisneta, pode ler-se que, na Terça-feira 28 de Maio de 1898, haverá uma “récita de gala”, e um “ espectáculo etnográphico”, onde será também executada a “dança dos paulitos”.

As transcrições dos lhaços que aqui se apresentam são baseadas em registos sonoros feitos a Alexandre Feio e Clementina Rosa Afonso e são os seguintes: Balantina, Acto de Contrição, Palombitas, Padre Antonho, Carrascal de Barbadilha, Belhano de Çamora, Oufícios, Pica-me ua china, La lhiebre, e Calhes de Roma. Os registos sonoros dos três últimos lhaços não estão editados, quanto aos restantes os de Alexandre Feio encontram-se no disco “ Folclore Português, Trás-os-montes e Alto Douro, Grupo folclórico de Duas Igrejas” da Editora Movieplay, editado em 1996. Os de Clementina Rosa Afonso, no disco ”Modas, lhaços e Rimances” editado em 1998 pela Editora Sons da Terra.

Alexandre Feio, (21-08-1914/27-03-1999), natural de Freixenosa, era já moço quando o Tiu Pepe faleceu. Terá aprendido dele a arte de tocar a gaita-de-foles. Alexandre Feio, pastor e músico de profissão, tocava nas festas e no Grupo Folclórico Mirandês de Duas Igrejas, com o qual percorreu vários continentes e ganhou muitos prémios nacionais e internacionais. Pode considerar-se, que foi ele quem mais divulgou a nível mundial a gaita-de-foles mirandesa, sendo considerado um virtuoso neste instrumento. O seu estilo interpretativo é tecnicamente elevado, fazendo um brilhante uso das ornamentações, o que lhe conferem um carácter muito próprio.

Clementina Rosa Afonso (5-11-1929), também natural de Freixenosa, agricultora e cantadeira, das de maior nomeada na tradição mirandesa, é bisneta do Tiu Pepe. Herdou da sua mãe e do seu bisavô um valioso património de cultura oral que inclui orações, contos, adágios, provérbios, rezas para curar pessoas e animais, receitas de cozinha e medicina tradicional e claro, canções de vários géneros, lhaços, modas de baile, rimances, jogos de roda (canções lúdicas infantis), modas dos serões e fiadouros, modas da igreja, de teatro e de rua. Tem colaborado em várias publicações, reportagens e investigações sobre a cultura mirandesa.

Os instrumentos musicais que acompanham a dança
Os instrumentos usados no acompanhamento da dança dos paus são da categoria dos aerofones, menbrafones, e idiofones;

Aerofones: a Fraita, (flauta pastoril, em madeira, de tubo cilíndrico com três orifícios, e bisel, em Ré bemol) e a gaita-de-foles da Terra de Miranda, cuja constituição ou organologia é semelhante às antigas gaitas galegas e de Castela. Em termos de afinação e no que respeita a este trabalho, a gaita de Freixo de Alexandre Feio, afina em Lá índice 3. Sendo esta nota a fundamental da sua escala, que é em modo maior, tal como se comprovou, tocando em sobreposição, das gravações acima citadas, com um instrumento construído por José Preto (25-06-1966), igualmente natural de Freixenosa.

Menbrafones: a caixa de guerra com peles de animais, bordões de tripa de cabra, e como o nome indica de feições militares, com um timbre médio/grave. O bombo de dimensões avantajadas, para poder emitir convenientemente as frequências graves, geralmente as peles eram de vaca. 
Idiofones; os paus dos dançadores, feitos de várias madeiras e com cerca de 40cm de comprimento, ornamentados com fitas. As castanholas que os dançadores usam na bicha, são em forma de caroço e têm um timbre suave.

Os lhaços
Na língua mirandesa designa-se por lhaço, a música, texto e coreografia que constituem os elementos artísticos da dança dos paus. Da mesma forma o bailarino chama-se dançador e não pauliteiro, à dança dos pauliteiros simplesmente la dança.
    
A principal razão que assegurou a continuidade da dança há pelo menos 5 séculos, foi a celebração da Festa de Santa Bárbara, no primeiro domingo de Setembro, depois das colheitas do cereal. A função dos dançadores era fazer o peditório, a procissão e actuações no terreiro. Todos os anos eram incluídos na dança rapazes adolescentes, num espírito de iniciação, continuidade e manutenção da tradição. Antes de integrar a dança os moços passavam por uma selecção dos mais hábeis existentes na povoação. Depois iniciavam a fase de aprendizagem para dançador. Em primeiro lugar o moço tinha que saber a canção do lhaço, pois isso ajudava-o a identificar os lhaços, a compreender e memorizar a coreografia dos mesmos.
Depois aprendiam a picar o pau, esta actividade consiste em bater com os paus um no outro, e de seguida treinava os golpes com um colega. Existem várias posições de bater os paus: pau picado por baixo, pau picado por cima, o pau simples em cima e em baixo, os paus em cruz e o pau de corrida. Nesta fase também aprendia os passes da dança e a tocar as castanholas. Por último era integrado na dança juntamente com os que já sabiam sempre sobre a orientação do ensaiador, que cantava os lhaços, enquanto ia posicionando e corrigindo os dançadores. Os ensaios para a festa de Santa Bárbara começavam pelo menos um mês antes da data. Segundo me contou a senhora Clementina Rosa Afonso, aos dias de semana treinavam à noite, na rua, à luz da candeia ou do lampião, na presença de outras pessoas que realizavam outras tarefas tradicionais (fiar, cardar, (carbenar), descascar feijões etc). Aos Domingos ensaiavam pela hora do meio-dia, à sombra de uns imponentes olmos que lhes emprestavam um pouco da sua frescura.

Descrição da estrutura musical
Em termos estruturais, a música dos lhaços divide-se nas seguintes partes:

Anunciar o lhaço: O gaiteiro a solo, toca alguns compassos da melodia do lhaço que vai se vai executar a seguir, para que os dançadores o possam identificar.

Introdução: A melodia da introdução também é tocada a solo pelo gaiteiro, a sua função é a de calibrar a afinação da gaita e preparar o início da dança, é igual em todos os lhaços.

Lhaço: O lhaço propriamente dito tem a sua melodia e ritmo binário, baseado no texto ou numa linha melódica que lhe é particular (alguns lhaços não têm letra). É conveniente que seja sempre repetido 4 vezes. Só ao princípio da melodia do lhaço é que começam os tocadores do bombo e a caixa, assim como os dançadores iniciam a da dança com os paus.

Bicha; Trata-se de uma coda em que se finaliza o lhaço, a melodia da coda é igual na maioria dos lhaços , à excepção de alguns com o Padre António, outros não têm coda, como las Palombitas. Na bicha os pauliteiros com os paus debaixo do braço tocam dois pares de castanholas, um em cada mão.

Descrição coreográfica
Os lhaços tradicionalmente são dançados só por homens. Eles vestem um traje muito particular. O grupo de dançadores é geralmente constituído por 8 elementos cada qual com a sua posição: 4 guias (2 direitas e 2 esquerdas), nas pontas; e 4 peões (2 esquerdos e 2 direitos) no meio. Quem comanda é o guia direito que se encontra mais perto do trio de tocadores. No evoluir da coreografia os dançadores, formam “rosas” ou “meias rosas” em que executam vários passes ou desenhos coreográficos que consoante os lhaços podem ser quatradas, guias adentro e peões afora, guias afora e peões adentro, guias em volta, passagens cruzadas, corrida, desvolta por dentro ou por fora e ainda passos específicos de alguns lhaços. Assim como dramatizações da letra dos lhaços, como por exemplo, nos Ofícios os dançadores representam gestualmente as profissões referidas na letra

Letras e músicas
Nas transcrições aqui feitas em notação musical, a transposição de Lá par Ré, os ornamentos próprios da técnica da gaita-de-foles (picados e batimentos), estão escritos conforme as regras aconselhadas no livro “Os Segredos da Gaita” de Xosé Luís Foxo

As partituras para gaita são transcrições das gravações de Alexandre Feio, as partituras para voz, das gravações de Clementina Rosa Afonso.

Na maioria das partituras, temos a transcrição do mesmo lhaços tocado e cantado. Com isto pretende-se demonstrar a diferença entre a base de referência da transmissão oral, que é o lhaço cantado (mais fácil de assimilar) e o lhaço tocado, de estrutura mais complexa, e cujo domínio estava restrito aos músicos.

Balantina
Para aprender este lhaço,
Tebimos que andar a scola.
Pur causa de la balantina,
Que nun mos quier dar la esmola.
Por isso ye que nós andámos,
A ber se la colhemos cá.
A ber se mostra sou briho,
Haber la esmola que dá.
Yá la puôde dar que ganhada stá,
Que ganhada stá.

Acto de Contrição
Jasús Cristo Dios mío,
De que es hombre berdadero,
Criador i salbador de l cielo i tierra.
Nós Amen
I a nosotros nós também
I a nosotros nós também 
Pésame-me Senhor de todo el coraçón,
Ajoelhando an tierra.
Perdonai-nos Dios mío,
Alcançando la glória eitierna,
Gloria eitierna.

Palombitas
Palombitas palombitas,
Palombitas, Madre son.
Yá no son palombas Madre,
Las qu´ andában la misson,
Las qu´ andában la misson.

Padre António
El Padre Antonho era un hombre,
Honrado i prudente.
Que mantenia su casa,
Con el suor de su frente.
Que tenia un huerto,
Que tenia un huerto,
Onde recogía la fruta,
Del campo qu´el tiempo traía.

Carrascal de Barbadilha
Carrascal de Barbadilha,
Las torres del Salinar(i).
El pastor destas oubeilhas,
De balde nun há-de andar, 
Nun há-de andar.
Arriba, arriba pastor(e)!...
Que me guardas al miu ganao,
Nun te pago la soldada,
Por andares de namorao de namorao.

Bilhano de Çamora
L Belhano de Çamora,
Que le dan pan pu cebolha.
L Belhano que le dan?
Cebolhetas coro i pan,
Coro i pan.

Oufícios
Pa aprender ls ouficios,
Que me mantenga senhor.
Carpinteiro i barbeiro,
Alfaiate i serrador.
Taran-tan-tan, taran-tan-tan,
Ta-tan-taran-tan-tan-tan,
Taran-tan-tan-tan.

Pica-me ua china
Pica-me ua china,
Neste carcanhal.
Pica-me ua china, 
I nun puodo andar,
I nun puodo andar.

La lhiebre
Por aqueilha canhadica arriba,
Iba ua lhiebre correndo,
Tu l´aliterste,
I you l´atirei.
Nin tu la mateste,
Nin you la matei.

Calhes de Roma
Por las calhes de Roma,
Mirai bien como ando,
Solita i sola,
Bou pelegrinando.
Taran-tan-tan, taran-tan-tan,
Ta-tan-taran-tan-tan-tan,
Taran-tan-tan-tan.

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