quarta-feira, 17 de setembro de 2014

A morte lenta dos soutos de Trás-os-Montes

"Dentro de poucos anos, algumas manchas de castanheiros na zona da Padrela terão desaparecido devido à doença do cancro e da tinta". Esta conjectura foi avançada pelo presidente da Associação Regional dos Agricultores das Terras de Montenegro, ARATM, Flávio Costa. Apesar de vários estudos e novas práticas de plantação, variedades e sustentabilidade dos soutos, as doenças continuam a afectar os castanheiros e os produtores mostram-se impotentes para combater esta realidade.

Os inúmeros trabalhos de investigação que têm sido feitos pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Instituto Politécnico de Bragança e pelo Centro Nacional de Sementes Florestais de Amarante, ainda não permitem um tratamento eficaz para nenhuma das pragas. A doença da Tinta deve o seu nome à cor negra que a árvore adquire por baixo da casca quando é atacada, sendo conhecida desde o século XIX. A sua propagação faz-se através da água de rega, da chuva, do transporte de terra e de material vegetativo infectado. Na Europa, está presente já há várias décadas e foi detectada pela primeira vez, em Portugal, no ano de 1989, concretamente na região de Trás-os-Montes. A zona de Padrela foi a mais afectada, principalmente a variedade "Judia".

A outra doença, o cancro do castanheiro, só é detectado a partir do terceiro ou quarto ano após a plantação, é muito virulento e ataca a parte aérea da árvore de forma rápida e irreversível. Detecta-se pelo desenvolvimento de necroses castanho-avermelhadas no tronco e pela permanência das folhas e ouriços mortos nos ramos secos da árvore.

Na abordagem que fez ao Nosso Jornal, Flávio Costa deixou transparecer muita preocupação e algum cepticismo. "Nesta actividade rural, o principal problema são as doenças dos castanheiros. Embora haja pessoal técnico a ajudar, não conseguimos controlar as doenças e daqui a poucos anos vamos ter muito prejuízo nos castanheiros mais velhos. O que vai valendo ainda são os soutos plantados recentemente, além de das novas plantações que se estão a fazer, que vão resistindo à doença. Por outro lado, há variedades mais resistentes à doença da tinta e ao cancro. Infelizmente, ainda não há cura para estas doenças".

Envelhecimento dos produtores e desinteresse dos mais jovens também afecta produção

Para o presidente de uma das maiores associações de agricultores de Trás-os-Montes, a solução, para adiar o pior, passa "por cortar e desinfectar as partes atingidas pela doença". "O cancro está a destruir os nossos soutos. É com tristeza que vemos os nossos castanheiros a morrer pouco a pouco. Outro factor que nos preocupa é o envelhecimento dos produtores. A maioria das pessoas que estão ligados à produção de castanha já têm uma certa idade e não podem tratar das árvores. Os jovens não se querem dedicar à agricultura porque não dá rendimento e não se sentem atraídos pela castanha. Além disso, falta-lhes o incentivo do rendimento, que nem sempre é certo, há anos muito difíceis".

A receita para contrariar esta tendência fatídica passa por incentivos e ajudas aos agricultores, para fazerem projectos destinados a novas plantações para a reposição das zonas afectadas. No apoio aos agricultores, o dirigente realçou o papel dos técnicos da Associação e da Direcção Regional e também da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, que têm desempenhado uma acção importante, com a sua colaboração e realização de projectos conjuntamente com a associação.

Um dos produtores de castanha que está a sentir na pele o alastramento da doença do cancro nos seus soutos, é Júlio Amaro, de Carrazedo de Montenegro (na foto). "De ano para ano, a doença está a dar-me muito prejuízo. Ainda encomendei, de França, vários pés de castanheiros, mas acabaram por ser afectados também. Vou cortando os ramos atacados para adiar a morte dos castanheiros velhos. Depois, lá os terei de arrancar" .

De acordo com um estudo (um magnífico trabalho de investigação sobre o castanheiro em Portugal) levado acabo por Luís Martins, da UTAD, nas freguesias da Padrela e Corveira assistiu-se ao agravamento do declínio dos povoamentos de 1995 até 2001, com estas doenças. Em 2000, cerca de 20 por cento das árvores estavam decrépitas, detectando-se já em 2001 a mortalidade em mais de 11 por cento dos castanheiros observados. Outras afecções também aparecem no terreno, a antracnose, que debilitam progressivamente os castanheiros.

Flávio Costa abordou ainda a mão-de-obra para a apanha da castanha, revelando uma situação curiosa. "Esse problema não existe. Nesta zona, como a castanha se valoriza muito, é essencialmente grande, brilhante e de grande qualidade, as pessoas gostam de ir para a apanha. Além disso, nós já temos a mecanização, só que, para ser rentável, tem de haver muita castanha".

Quebra pode chegar aos 40 por cento

Na colheita deste ano, os produtores têm sentido uma contrariedade, que é a falta de chuva. Com a ausência de chuva, o fruto está agarrado ao ouriço, e ela só é deitada ao chão com o auxílio de uma vara, o que tem dificultado a apanha.

Segundo a ARATM, este ano a quebra de produção de castanha pode chegar a 40 por cento em relação aos anos anteriores, salientando contudo que os preços correntes têm sido bons (2 euros por quilo).

A castanha "DOP Padrela" é exportada essencialmente para França, Brasil, Inglaterra, Espanha, Itália e para outros países da Europa. A produção média de castanha, na área da ARATM, é de 12 mil toneladas. A ARATM representa cerca de mil agricultores, produtores da castanha e de outras áreas, prestando vários serviços aos seus associados. Abrange os concelhos de Valpaços, Murça, Vila Pouca e Chaves.

O castanheiro (Castanea Sativa Mill), em Portugal, tem sido uma mais-valia no rendimento do agricultor desde meados da década de 1980. O mesmo tem acontecido na área produtora da "Castanha da Padrela". Nesta zona, a castanha "Judia" é uma das principais fontes de receita das populações locais, nomeadamente em seis freguesias do Concelho de Valpaços (Carrazedo de Montenegro, Curros, Padrela e Tazém, Santiago da Ribeira de Alhariz, São João da Corveira e Serapicos).

José Manuel Cardoso
Semanário Expresso

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