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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 6 de junho de 2018

AS FÉRIAS NOS ANOS CINQUENTA

Em pequeno nunca percebi bem as férias de uma ou outra pessoa que apareciam na minha aldeia a veranear. Uma ou outra lisboeta mais mimosa, ou de outro canto, em Agosto muniam-se de uma sombrinha ou sombreiro, diferentes das que tinham as aldeãs, quando decidiam ir à Bila pela hora da canícula. O exotismo chegava ao ponto de se passearem com umas peles de gato-bravo ou raposa a penderem do pescoço. Depois, de tempos a tempos, falamos da década de cinquenta do século passado, chegavam «os Franceses», para a pequena e humilde casa do António Luís (alcunha o Cuco).

Quase toda a aldeia parava para os cumprimentos. O cortejo começava na travessia das Barcas de Chelas, parava na Casinha da Barca e seguia pela Canelha da Barca acima, parando no terreiro junto à minha casa paterna.


Algumas mulheres esqueciam-se dos cozinhados nas panelas ao lume e esturricavam. Outros, com o cinto do estômago apertadíssimo e assobiar ar e «bento», chamavam pelas mulheres para comer o que a terra dava.


Reparem no pequeno diálogo de um casal simples da aldeia:


- Oh! Mulher! vem lançar os mirros!


- espera que agora estou a ver os «fanfeses»!


- deixa lá os «fanfeses» vem mas é botar os mirros!


Mas, o filho do António Luis, «O Francês» (Francisco), era muito afável e conversador, chegava com a Amparo, a espanhola cara-metade, as filhas, «Ingeles» e «Genobeba» e os maridos franceses (Henri) e (Joachin), aquele de mais de 1,90 m e ambos altos para o «pobo» do burgo. Por isso, dizia-se: - miúdos estadulhos! O António «Cuco» e a Tia Elisa Mateus, ajudados pela filha, M.ª Emília, tinham trabalhos redobrados, para bem receber o Francisco e a prole.


Das inovações que me lembro era os «franceses» andarem de camisola interior branca de alça e as «francesas» de blusas cavadas ou sem mangas. Uma revolução na estática moda rural! Até os poucos relógios da aldeia andavam pela hora velha ou hora solar e os dos franceses p’la hora nova. Até no tempo os «fanfeses» estavam à frente.


Como não havia estrada para a minha aldeia, deixavam o carro, numa casota preta de madeira que o feitor das Pinto Azevedo lhes deixava guardar na Maravilha. O rafeiro do António «Cuco» e do «Pirze» (genro), nessas férias, chegava a ser tratado a açúcar branco, ao ponto de muitos, na aldeia, invejarem a boa vida do cão. Um fidalgo! Nós quase só comíamos açúcar marelo ou escuro e ele a amassar uns «terrões» ou cubinhos de açúcar!


Os franceses, ao contrário dos demais, eram sempre afáveis, respeitadores e conversadores e passavam o tempo no ócio. Uma vez por festa, chegavam a fazer umas canecas de vinho doce (adoçado com laranjada ou gasosa) e distribuíam pelos vizinhos e pelos presentes, junto à taberna da «Questina» ou à do Serafim do Xico Maria Mateus. Quando juntavam os ex-Franceses que emigraram, no pós-1.ª Grande Guerra, e voltaram, gerava-se um diálogo galicisado, em que entrava o Francisco Moleiro, o «Flintro» e o Maximino da Zefa e outros. Cada qual procurava melhor nota no seu francês engrolado. Mas o que falava melhor era o Francisco Moleiro. Era um cavalheiro. Os franceses também iam até ao rio Rabaçal banhar-se, porque as suas águas não sofriam o efeito da mineração do rio Tuela, por altura de Ervedosa.


Mas, para mim, férias era o tempo de aulas e quando saía da escola primária tinha sempre trabalho a fazer. Ir com alguma ovelha parida fartá-la para uma borda ou na ferrã. Ir segar a ferrã, fazer o nabal, esbandeirar o milho ou segar uma carga de cevada verde para a cria. Durante as aulas, nem tempo tinha de olhar para a lousa dos deveres ou para a lição do livro ou trecho de história. Quando tinha problemas ou redacção para casa, estava sempre à espera da noite para que os meus irmãos me ensinassem o que não sabia e a pouca vontade minha, estimulada pelas reguadas da tortura, esbarrava na indiferença dos meus irmãos, pingando, muitas vezes, a lágrima.


As tardes de Verão era certo e sabido que me esperava, o levar os «beis» para o lameiro do Fojo, da Chouza, de Vale das Mós, ou dos Campassóis (termo dos Eixes) e para as regatas do rio Rabaçal. O regresso tinha que ser sempre ao lusco-fusco, quando os demais raparigos escachouçavam pelo Terreiro do Tanque (Eiras), jogando ao rou-rou, ao arranca-cevada, ao esconde-esconde, aos reis-pretos. O apetite da brincadeira era maior quando via que andava no grupo alguma rapariga. Pareciam-me todas bonitas. Quando aconteciam brincadeiras conjuntas, era certo e sabido que me chegava mais a elas, aproveitando, quando podia, para me rebolar, agarrar e sentir o calor do proibido. Quando chegavam grandes carros de feno, para meter em espaços exíguos, era sempre voluntário, para o calcar e rebolar-me com alguma cachopa galhofeira. Na aldeia não se namorava em pequeno ou espigadote, apenas se «gostava» mais dumas do que de outras. Era tudo muito são, comparado com o que hoje é trivial.


Depois, deixei a aldeia e rumei ao Colégio Marista dos Pousos (Leiria), regressando nas curtas férias de Verão transformado e com os horizontes de vida mais abertos. Passei a ser um aluno e gaiato exemplar, apenas sobressaindo a rebeldia com alguma contrariedade ou injustiça. Passei a ser o menino Jorginho da «Guitéria». Ainda hoje sou o «Jorginho» para algumas pessoas da aldeia.


No mês de férias, que voavam mais rápido que um fim-de-semana festivo, passei a ter um comportamento de gente crescida, mas o levar os bois e depois as «bacas» a pastar tocava-me todas as tardes e tinha como atracção montar uma égua bonita, mansa e muito veloz. Mas quando não havia pasto com os bois, havia rega nas cortinhas, com a nora a marcar o ritmo lento do «hiiii…tan-tan» e a burra a arrastar-se como uma zorra, que teima em não fazer mexer o baldão, a guia e os alcatruzes.


E lá ia mais uma cossa com uma vara de marmeleiro no lombo, ficando a andar de lado como os de Caravelas. Regados os talhos do «renobo», era tempo de regresso, pela hora do calor, com os moscardos a atacarem a besta e as moscas garejeiras a enfiarem-se-lhe pelas pregas da rabada e das narinas.


Nas deslocações de égua, era um cavalgar desabrido a galope, ao ponto de, às vezes, as velhinhas ficarem a implorar à Senhora do Amparo e aos santos para que não me matasse. E foram atendidas. 


Jorge Lage

in:diario.netbila.net

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