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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

domingo, 20 de março de 2022

A origem das alminhas populares | Religiosidade popular


 Os painéis populares das alminhas, com as figuras ingénuas dos condenados entre as chamas do Purgatório, com as imagens de Cristo, da Virgem, de S. Miguel ou de qualquer outro Santo a assistirem no alto, e com legendas piedosas rogando orações pela salvação dos que penam, constituem uma das notas mais típicas da etnografia religiosa portuguesa.

Vemo-las por todo o país, dentro de pequenos nichos, ora rebordando os caminhos, ora nas encruzilhadas, ora junto das pontas, etc.

Como entre os romanos se costumavam colocar nestes mesmos sítios uns altares em honra dos Lares Viales e dos Lares Compitales, é vulgar afirmar-se que as nossas alminhas provêm do referido culto pagão, adaptado ao Cristianismo.

No entanto, nada menos certo.

Os retábulos das almas só nos surgem com frequência depois do Concílio de Trento, quando a Igreja reafirmou e divulgou o dogma da existência do Purgatório, negado pelos Protestantes.

Nem na época mais primitiva do Cristianismo, nem na Idade Média, nem ainda na Renascença, encontramos oratórios de alminhas ao ar livre – o que prova que o seu aparecimento não é fruto duma continuidade, dum evoluir natural ou duma adaptação dos altares pagãos, mas sim uma criação própria, autónoma, relativamente moderna.

Além disso, mesmo na intenção religiosa os monumentos diferem.

É com a acção da Contra-Reforma e com a difusão das Confrarias das Almas, que se desenvolve o número de quadros sobre o Purgatório – tema que a arte da Idade Média, apesar da crença religiosa acerca do assunto, só veio a conhecer nos fins do século XV.

A reforma iconográfica post-tridentina fixa também o novo tema, de que encontramos já numerosos exemplos, pelos finais do século XVI e princípios do século XVII, na Itália, França, Espanha, etc.

Em Portugal, num Juízo Final da primeira metade do século XVI, que está no Museu de Arte Antiga de Lisboa, descobre-se já uma figuração do Purgatório, ainda hesitante.

Todavia, pelos fins do século XVI e começos da centúria imediata, divulgam-se também entre nós as composições segundo os cânones posteriores ao Concílio de Trento.

Podem ver-se painéis desse género na Igreja de Santo Antão, em Évora; na Igreja do Colégio do Carmo, em Coimbra; no convento de Refojos, junto de Ponte do Lima; na Igreja de Santa Clara, no Porto, etc.

Depois, pelos séculos XVII e XVIII multiplicam-se as Confrarias das Almas, e com elas uma multidão de quadros alusivos.

O culto das almas vingou tanto no nosso país que, a partir de certa altura, começam a aparecer ao ar livre retábulos populares representando o Purgatório, pintados segundo a iconografia que os artistas eruditos haviam espalhado.

Torna-se difícil hoje saber a época precisa em que nasceu o costume das alminhas das estradas e dos largos; do século XVIII, porém, já nos restam muitos exemplares, sobretudo de azulejo ou de pedra.

Os locais escolhidos para a sua colocação foram, quase sempre, os mesmos que já se usavam para o levantamento dos cruzeiros – estes talvez derivados dos Lares pagãos.

Felizmente, o belo e piedoso costume ainda se mantém.

Dr. Flávio Gonçalves (1)

As alminhas, história e significado

Dado que nos primórdios do cristianismo apenas se pensava no Céu e no Inferno, a ideia do Purgatório surgiu na sequência do Concílio de Trento, que o apresentou como dogma de fé, numa sensata resposta católica à Reforma levada a cabo pelos protestantes.

Assim, passava a haver um estado intermédio para as almas das que faleciam.

A resposta da Igreja foi bem interpretada pelo povo cristão que começou a multiplicar as formas e os caminhos para chegar junto das almas dos irmãos em sofrimento, no sentido de as aliviar, para tal, tudo valia, orações, missas, esmolas, sacrifícios, etc.

A voz dos responsáveis e os textos divulgados ampliaram-se com a expansão de gravuras de fácil entendimento e de pinturas apelativas (uma imagem vale mais do que mil palavras) que tocavam fortemente a sensibilidade das pessoas.

O Purgatório, para além do alto significado religioso, inspirou muita arte religiosa, pois as alminhas são marcas profundas da religiosidade popular.

Do reflexo de uma forma religiosa, emocional e sentimental, começaram a surgir pequenas representações das alminhas em sítios públicos com pinturas de pessoas adultas de mãos erguidas, suplicando aos vivos orações e esmolas para as almas dos defuntos em geral, para poderem completar a purificação e libertar-se das penas do Purgatório.

São Josemaria Escrivá dizia: “O Purgatório é uma misericórdia de Deus, para limpar os defeitos dos que desejam identificar-se com Ele” (Sulco, 889).

Ao seu Deus e aos seus santos, os homens levantaram mais imponentes e também os mais simples e humildes.

Fruto da religiosidade e da superstição (nalguns casos) popular, as alminhas aí estão, nos cruzamentos das aldeias, vilas ou cidades; são pintadas em zinco, madeira ou azulejo e representam as almas do purgatório.

Encontram-se em nichos próprios, engalanados com flores ou alumiados por velas, despertando a atenção daqueles que passam e há frases que fazem meditar e convidam à oração: “Ó vós que ides passando, lembrai-vos dos que estão penando“.

A superstição, o sentimentalismo religioso, a fé ou o conjunto de todos estes fatores, fizeram com que as alminhas aparecessem à beira das estradas, dos caminhos rurais e nos cruzamentos.

Em Portugal…

Em Portugal, na sequência do Concílio de Trento (1545-1563), começaram a criar-se estes monumentos que são marcas profundas da religiosidade popular.

Assim, no reinado de D. Filipe I de Portugal (1580), o pintor Álvares de Andrade, que trabalhava para a corte, destacou-se na pintura religiosa, particularmente pelos seus painéis, que representavam as almas dos defuntos a arder nas chamas do Purgatório.

Estas representações espalharam-se desde Lisboa, pelo resto do país e foi então que o povo começou a designá-las por “Alminhas”.

Toda a gente as conhece e em todas as freguesias encontramos testemunhos deste fervor religioso.

Também a tragédia da Ponte das Barcas, em 29 de Março de 1809, marcou indelevelmente a memória e a espiritualidade do Porto.

Por intenção dos que morreram no Douro surgiram as alminhas da Ponte “, culto de raiz popular; logo houve alguém que pintou um “tosco painel” evocativo das almas, depositando-o no Cais da Ribeira, perto da Ponte Dom Luís.

De imediato, mais alguém ali pôs lamparinas acesas e de seguida todos as quiseram manter assim, com a luz das velas e com dinheiro.

Ou seja, foi lá posta uma caixinha de ferro onde todos os que passavam, ainda chocados com o acontecido, deixavam uma esmola.

Apesar de ter passado muito tempo, o culto às alminhas da ponte não esmoreceu.

Estes dois acontecimentos, segundo a opinião de alguns especialistas no assunto, marcam o início ou, pelo menos, a difusão das alminhas, abrigadas em pequenos nichos.

Entre as manifestações mais importantes da religiosidade do homem, encontra-se o culto aos defuntos, que se expressa, desde sempre, numa variedade de usos e costumes relacionados com os mortos.

No entanto, Luís Pinheiro refere:

As alminhas surgem no século XVI, mas Leite de Vasconcelos dizia que são a continuação do uso romano e pagão de levantar nas encruzilhadas dos caminhos, entradas das pontes e junto das habitações, uma aediculla ou ara em honra dos Lares compitales e Lares viales.

A este propósito, Leite de Vasconcelos acrescenta:

O nosso povo alça uma cruz ou erige umas «alminhas». Os negociantes de Roma honravam particularmente Mercúrio com festas e santuários […]; hoje, sobretudo no Norte e na Beira as lojas de negócio ostentam um nicho com a imagem de Santo António, ladeada de jarrinhas com flores […). Aos genii das cidades romanas correspondem entre nós os oragos ou padroeiros cristãos.

Nestas crenças pré-cristās, segundo um sociólogo contemporâneo, encontra-se uma certa religiosidade popular: “nas aldeias e nas vilas ou cidades continuam a praticar-se ritos vindos do fundo dos tempos, inúmeras vezes condenados pelas instituições eclesiásticas ou mesmo pelos regulamentos municipais. Religião cristã, magia, feitiçaria formam um todo coerente no seio das camadas populares…” (2)

(1) In Guia oficial do I Congresso de Etnografia e Folclore, promovido e organizado pela Câmara Municipal de Braga | Braga – Viana do Castelo | 22 – 25 de Junho de 1956 (texto editado)

(2) In “O Douro, um olhar diferente”, António Augusto Ribeiro (texto editado e foto)

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