quarta-feira, 11 de abril de 2012

1. OROGRAFIA, CLIMA, PLUVIOSIDADE E VEGETAÇÃO NATURAL

1.1. Orografia e Clima
A Província Transmontana onde Bragança se insere (e parte da Beira) pertence ao grande conjunto geográfico da região central da Península. Nela não se encontram é certo, os caracteres típicos da geografia e clima da parte espanhola, como também não participa, tanto quanto as serranias do Marão o impedem, de muitos traços do litoral atlântico.

À excepção do Marão que se perfila no sentido horizontal, as principais serras da Província desenvolvem-se perpendicularmente ao rio Douro que a limitam da Espanha, a desenvolver-se no mesmo sentido dos rios que cortam o território de Oeste para Este – parte do rio Tâmega, rio Tua e rio Sabor –, a saber, o contínuo das serras da Padrela, Serra do Brunheiro, Serra de Mairos, Serra da Coroa (Alto-Tua na fronteira Portugal-Espanha) e o contínuo das serras de Bornes, Serra da Nogueira, Serra de Montezinho e Serra de Mogadouro. E a desenvolver-se no sentido do Douro, a Serra da Reboreda.

Tendo em vista a variação anual da temperatura, a região integra-se na categoria do clima Continental excessivo. No Inverno registam-se em Bragança 7º, na isotérmica de Montalegre-Mirandela e Moncorvo, 8º; na de Guarda-Viseu 9º; no oposto Sul do território, no arco de Lisboa, 11º, no de Lagos 12º. No Verão, em Julho, o contraste é litoral-interior: as mais altas temperaturas (26º) assinalam-se nas isotérmicas de Moncorvo-Castelo Branco e Mirandela, Guarda, Évora, Beja (25º).


No litoral as isotérmicas de Braga, Porto, Lisboa, registam 22º. No seu interior, nas altas montanhas, sempre se registam invernos e períodos mais frios e de maior oscilação térmica, mais húmidos, mais ventosos, mais pluviosos e nevosos que os das regiões deprimidas circunjacentes. O tónus geral é o de pouca chuva e forte aridez do solo. Clima de grandes contrastes, de extremos, como se lhe refere Miguel Torga: «léguas e léguas de chão raivoso, eriçado, queimado por um sol de fogo, ao par um frio de neve [136]. Ou como se lhe refere J. Baptista de Castro geógrafo coevo (1745): «frio em extremo: tem nove meses de Inverno e três de Verão ardentíssimo, por não ser arejada do Norte que embaça nas montanhas».

Tem-se usado a designação de Zona Nordeste ou Terra Fria e Zona Quente do Norte, para distinguir as duas regiões climáticas mais marcantes, ainda que haja hoje quem prefira considerar os seus múltiplos micro-climas. Em relação ao relevo do solo e clima, têm-se optado pela designação genérica de Além- Douro Transmontano e na perspectiva das regiões naturais a de Terra Fria Transmontana (ou Trás-os- Montes), Terra Quente Transmontana (ou Alto Douro) e Terra Fria Beiroa (ou Beira Transmontana). Do ponto de vista da divisão regional, a identificação Trás-os-Montes e Alto Douro.

1.2. Traços oro-climáticos nas Memórias Paroquiais

É possível encontrar nas Memórias Paroquiais testemunhos para caracterizar os montes, as montanhas, as serras, e em relação com eles os elementos do clima da região. É certo que a descrição «microscópica», isto é, paroquial, não facilita a visão e a descrição do conjunto, até porque as serras e montes variam de nome e adaptam-se ou recebem o nome das terras que atravessam. Por outro lado, a descrição dos elementos do clima, fixa-se também nas características locais, nos micro-climas das terras ou vales profundos encaixados, das encostas sombrias ou soalheiras, das altas serras frias e ventosas que nem sempre permitem fixar os traços do conjunto orográfico e da «região» climática em que se inserem.

Só a cartografia, a aproximação e conjunção sistemática destas informações permitirá usá-las mais correctamente, para fixar as suas regiões e conjuntos. Com pequenas excepções algumas vezes os párocos não deixam de integrar os relevos, os elementos climatéricos nos sistemas orográficos e climáticos, mais gerais. Respigamos alguns traços e elementos dessa caracterização, ainda que estejamos convictos das enormes potencialidades que só a exploração e o tratamento adequado e sistemático destes indicadores pode dar ao estudo e conhecimento da região, há dois séculos e meio atrás, e por eles seguir as mudanças bem visíveis na paisagem e no clima.
O território mais ocidental do Distrito, limitado para Ocidente pelo Alvão e Marão, confronta a Norte com as altas serranias da Galiza – Serra seca e invernadeira – (Memória de Quiraz, concelho de Vinhais) e Serra da Coroa, e a Sul, com o rio Douro. É a área dos concelhos de Carrazeda, Mirandela, Vila Flor, Vinhais e parte de Bragança. O sistema orográfico principal que o percorre pelo interior e lança as suas extensões por estes territórios é o da Padrela, Brunhoso e Serra de Mairos.
Região de forte altimetria aqui se afirmam elementos e formas mais extremas do clima. Aí a neve pode durar, casos extremos, 6 meses, quase meio ano. Tal regista-se para a freguesia de Montouto onde relativamente à serra se diz «muito fria e tanto que nos meses de Novembro, Dezembro, Janeiro e Fevereiro e Março, ordinariamente (o itálico é nosso) está coberta de neve. E no Estio raramente passa sem ter frio o que a pisa» (Memória de Montouto, concelho de Vinhais). A zona de Vinhais para a fronteira de Espanha é fortemente condicionada pelas influências dos elementos frios vindos e produzidos pelas serranias da «Serra seca e invernadeira» da Galiza e da Coroa em Portugal, que nos arredores de ¾ léguas influenciam a terra. Que por isso tornam as suas serras «frias, onde caiem muitas neves e dura muito» (Memória de Quiraz, concelho de Vinhais), de temperamento ou clima «frigidíssimo» ou muito frio (Memória de Tuizelo, concelho de Vinhais).
Os contrastes Verão-Inverno são particularmente acentuados pelos memorialistas de Mirandela onde no Verão a terra e o clima é dita «muito cálido» ou «afogadiço e cálido demasiadamente» e no Inverno, «frio e muito frio» (Memória de Vila Nova de Patas; Torre de Dona Chama, Frechas, concelho de Mirandela). Em Carrazeda de Anciães, do mesmo modo, serras são ditas muito frias no Verão, mas nas terras baixas, designadamente ao pé do Douro, como se refere em Marzagão, «em baixo, ao pé do Douro, nos baixos das ribeiras, é muito cálido». E para melhor caracterização refere-lhe as culturas adaptadas:
«Nos altos não cria senão centeio e nos baixos cria-se de todo o género de pão, vinho e azeite, figos e melões». Aqui convivem, no mesmo território concelhio, os elementos do clima da Terra Fria Transmontana e Terra Quente do Douro. A área central a oriental que integra os territórios dos concelhos fronteiriços de Bragança, Vimioso, Miranda do Douro e Mogadouro e mais interior Macedo de Cavaleiros, desenvolve-se ao longo do sistema montanhoso das Serras de Bornes, Nogueira e Montezinho e também da Coroa.


Os territórios mais próximos da Espanha sofrem grande influência da proximidade da Serra de Sanábria. A influência da Serra de Sanábria, mas também a de Bejar, é particularmente registada em Miranda, que pela sua proximidade e estar quase todo o ano coberta de neve exerce uma contínua influência climática na região (Memória de Picote, Póvoa, Sendim, concelho de Miranda). A acção dos seus ventos que os «naturais chamam Travessias e Nordestes» (Memória de Serapicos, concelho Bragança), está na origem do clima frigidíssimo, «por conta das neves e geadas que trazem os ventos» (Memória de Serapicos, concelho Bragança). Os Invernos são por isso rigorosos e dilatados:

costuma haver neve dois meses «e já houve anos que esteve cinco» (Memória de Rebordainhos, concelho Bragança). As culturas cerealíferas naturalmente confinam-se ao centeio. As neves, os gelos e as geadas não permitem a cultura das hortaliças – ou prejudica-as gravemente – e também os pastos para os gados (Memória de Parada de Outeiro, concelho Bragança).
Nos concelhos de Macedo e Mogadouro, nas principais serranias – Serra de Bornes, de Montemel – as serras são frias, no Inverno em geral cobertas de neve (Memória de Bornes, Burga, Grijó, concelho de Macedo de Cavaleiros). O clima é mais temperado, como se refere na Memória de Macedo de Cavaleiros, «ainda que nos meses de Inverno é áspero, não tanto como nas terras frias». No concelho de Mogadouro vai sobretudo ressaltada a secura do clima, por efeito certamente da grande seca que se fez sentir nos anos de 1757 e 1758 e por ela da terra e dos solos. Em Miranda as referências são para dizer que o temperamento da terra é frio, causado pelo enquadramento das altas serranias que cercam Miranda e daí se avistam, a serra de Sanabria, Bejar, parte do ano sempre coberta de neve, de «copiosa» neve (Memória de Águas Vivas, Constantim, concelho de Miranda).
Atente-se agora em algumas referências para os concelhos no todo ou em parte integrados na Terra Quente.
Em Freixo de Espada à Cinta o clima é dito variar entre o frio, o moderado e quente como se lhe refere o memorialista de Poiares, junto ao Douro: «o temperamento dele, da parte do Douro, hé bastantemente quente e pela outra parte frio» (Memória de Poiares, concelho de Freixo de Espada à Cinta). Por tal razão, por regra, as serras cultivam-se tanto no alto como no baixo. Estamos na terra da paisagem do zimbro silvestre, dos colmeais, da muita oliveira e amendoeira e abundante fruta. Em Vila Flor, em geral, os Memorialistas referem-se ao clima temperado, ameno, à bondade do clima. Tal explica a intensa frutificultura, a vinha, o azeite, as amoreiras (Memória de Santa Comba, Carvalho d’Egas, concelho de Vila Flor). Os contrastes e extremos são também frequentes: «entre calido e frio» ou serra frigidíssima (Memória de Vilas Boas, Freixiel, concelho Vila Flor). Em Torre de Moncorvo, na generalidade, de clima temperado mas «mais cálido que frio» (Memória de Adeganha, Maçores, concelho de Moncorvo), mas com extremos de calor, tal como em Horta de Vilariça, no Verão: «lugar (…) muito cálido e seco, pois é muito falto de águas». Mas também com serras de invernos frias, bastante frias (Memória de Cabeço de Mouro, concelho Moncorvo) que se cobrem de neve muitas vezes (Memória Torre de Moncorvo, concelho Moncorvo).


continua...
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