Pedro Afonso
Médico psiquiatra
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Transcrição do artigo do médico
psiquiatra Pedro Afonso, publicado no Público
Alguns dedicam-se obsessivamente
aos números e às estatísticas esquecendo que a sociedade é feita de pessoas.
Recentemente, ficámos a saber,
através do primeiro estudo epidemiológico nacional de Saúde Mental, que
Portugal é o país da Europa com a maior prevalência de doenças mentais na
população. No último ano, um em cada cinco portugueses sofreu de uma doença psiquiátrica
(23%) e quase metade (43%) já teve uma destas perturbações durante a vida.
Interessa-me a saúde mental dos
portugueses porque assisto com impotência a uma sociedade perturbada e doente
em que violência, urdida nos jogos e na televisão, faz parte da ração diária
das crianças e adolescentes.
Neste redil de insanidade, vejo jovens infantilizados
incapazes de construírem um projecto de vida, escravos dos seus insaciáveis
desejos e adulados por pais que satisfazem todos os seus caprichos, expiando
uma culpa muitas vezes imaginária. Na escola, estes jovens adquiriram um
estatuto de semideus, pois todos terão de fazer um esforço sobrenatural para
lhes imprimirem a vontade de adquirir conhecimentos, ainda que estes não o
desejem.
É natural que assim seja, dado
que a actual sociedade os inebria de direitos, criando-lhes a ilusão absurda de
que podem ser mestres de si próprios.
Interessa-me a saúde mental dos
portugueses porque, nos últimos quinze anos, o divórcio quintuplicou,
alcançando 60 divórcios por cada 100 casamentos (dados de 2008). As crises
conjugais são também um reflexo das crises sociais. Se não houver vínculos
estáveis entre seres humanos não existe uma sociedade forte, capaz de criar
empresas sólidas e fomentar a prosperidade. Enquanto o legislador se entretém maquinalmente
a produzir leis que entronizam o divórcio sem culpa, deparo-me com mulheres
compungidas, reféns do estado de alma dos ex-cônjuges para lhes garantirem o
pagamento da miserável pensão de alimentos.
Interessa-me a saúde mental dos
portugueses porque se torna cada vez mais difícil, para quem tem filhos,
conciliar o trabalho e a família.
Nas empresas, os directores
insanos consideram que a presença prolongada no trabalho é sinónimo de maior
compromisso e produtividade. Portanto é fácil perceber que, para quem perde
cerca de três horas nas deslocações diárias entre o trabalho, a escola e a casa,
seja difícil ter tempo para os filhos. Recordo o rosto de uma mãe marejado de
lágrimas e com o coração dilacerado por andar tão cansada que quase se tornou
impossível brincar com o seu filho de três anos.
Interessa-me a saúde mental dos
portugueses porque a taxa de desemprego em Portugal afecta mais de meio milhão
de cidadãos. Tenho presenciado muitos casos de homens e mulheres que,
humilhados pela falta de trabalho, se sentem rendidos e impotentes perante a
maldição da pobreza. Observo as suas mãos, calejadas pelo trabalho manual, tornadas
inúteis, segurando um papel encardido da Segurança Social.
Interessa-me a saúde mental dos
portugueses porque é difícil aceitar que alguém sobreviva dignamente com pouco
mais de 600 euros por mês, enquanto outros, sem mérito e trabalho, se dedicam
impunemente à actividade da pilhagem do erário público...
Fito com assombro e complacência
os olhos de revolta daqueles que estão cansados de escutar repetidamente que é
necessário fazer mais sacrifícios quando já há muito foram dizimados pela praga
da miséria.
Finalmente, interessa-me a saúde
mental de alguns portugueses com responsabilidades governativas porque se
dedicam obsessivamente aos números e às estatísticas esquecendo que a sociedade
é feita de pessoas. Entretanto, com a sua displicência e inépcia, construíram
um mecanismo oleado que vai inexoravelmente triturando as mentes sãs deum povo,
criando condições sociais que favorecem uma decadência neuronal colectiva,
multiplicando, deste modo, as doenças mentais.
E hesito em prescrever
antidepressivos e ansiolíticos a quem tem o estômago vazio e a cabeça cheia de
promessas de uma justiça que se há-de concretizar; e luto contra o demónio do
desespero, mas sinto uma inquietação culposa diante destes rostos que me
visitam diariamente.
Reflexões de um homem que tem a experiência do estado da saúde mental deste país. Não é por acaso que a depressão é segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde) a doença do séc. XXI.
ResponderEliminarAs expetativas goradas, a competitividade, e a precaridade do trabalho e as exigências que a sociedade dita moderna nos vai impondo são fatores que contribuem para a evolução negativa do nosso estado mental.
Viemos biologicamente equipados para nos defender, pela fuga, do Tigre dente de sabre há milénios desaparecido, (reflexos incondicionados( mas não tivemos ainda tempo de fazer a adaptação à conta da luz, da água e de outras coisas que a sociedade nos vai apresentando!!!!. A adaptabilidade é algo de essencial para uma boa saúde mental.
O artigo do Psiquiatra Pedro Afonso é uma intervenção técnica e humanista exemplar quanto á gestão desumana, economicista, predadora, castradora que é realizada pelas élites económico-políticas que, actualmente, tomaram conta do nosso planeta azul. È evidente que 1984 de George Orwel, foi antecipado. José Saramago falou disto no seu discurso de entrega do Nobel. Obrigado, Dr. Pedro Afonso pelo seu testemunho. Era bom que os nossos governantes fossem humanistas e não corruptos, que as elites fossem humanistas e não gananciosas. A vida de milhões fosse mais importante que as agências de rating que são pertença dos maiores bancos internacionais.
EliminarEm Portugal, a situação é a mesma, saíu-nos um Coelho depois de um Sócrates, e é o que se vê. Bastava taxar em
20% as os 20/25 que mais têm no nosso país e Portugal sairia do embróglio em que os mesmos (élites político- económicas) nos lançaram, fomentando os empréstimos, o consumismo, tudo para eles enriquecerem. Economia de Casino!
A democracia política deve ser económica e social.