segunda-feira, 11 de novembro de 2013

A representação sócio-política das comunidades

Como se organiza e representa politicamente a comunidade local de camponeses, fregueses, vizinhos e moradores? Quais são as instituições e planos gerais e sectoriais da sua expressão?
Não há um padrão único de organização e representação política destas comunidades para o território que melhor conhecemos, o Norte de Portugal. Há certamente uma aproximação a uma estrutura ou figurino comum, com variantes, que decorrem de diversos factores, entre eles, a dimensão dos lugares, formas de povoamento, riqueza e desenvolvimento social das terras, tradições e culturas próprias e também da maior ou menor força e extensão dos enquadramentos das instituições da Sociedade Política, a Coroa, a Igreja, os Senhorios, o Município.
A comunidade agrária de camponeses enquanto corpo vinculado ao cultivo da terra, tem como célula base da sua organização, essencialmente para fins económico-agrários e fiscais, o casal. É por via disso uma comunidade que se organiza à volta da exploração repartida dos elementos que compõem o casal: terra, montes, águas, servidões. Constituiu-se numa comunidade sócio-agrária de consortes de partes do todo, que se representam e elegem num cabeça ou pessoeiro, figura que responde perante o tribunal e o fisco senhorial pelo foro ou censo cerrado do casal, encabeçado, repartido e a cobrar entre os consortes. Este casal pode constituir-se na base do pagamento e repartição de outros direitos, designadamente alguns direitos eclesiásticos e paroquiais, repartidos por casais (igrejários/eclesiásticos ou não) mas também foraleiros, régios e realengos. A comunidade de consortes estende-se também à propriedade e exploração de outros bens e recursos colectivos, com articulações directas ou não ao casal, a saber, os consortes de baldios, de águas e ribeiros e de outros equipamentos: poços, fornos, lagares, moinhos, mas também vezeiras.
A comunidade dos consortes é muito activa nas fases de actualização e renovação dos prazos e feitura dos tombos, altura em que por regra os senhorios pretendem alterar e acrescentar os foros e direitos sobre as terras. E também nas fases em geral do reforço do regime senhorial ou do individualismo agrário. Ao longo do século XVIII e sobretudo na 2.ª metade, vemos os diferentes grupos de consortes encher as notas dos tabeliães públicos com rubricas colectivas a fazer procurações para defender suas causas, e direitos e usos comuns, nos tribunais civis e eclesiásticos. E também a acorrer às camaras, a responder a provisões régias (sobretudo de aforamentos) ou às audiências gerais de correição do Corregedor, a defender os seus interesses ou a pedir públicas formas e sentenças para os seus regimentos e regulamentos específicos. Quando o casal ou corpo de consortes corresponde ou se desenvolve no quadro de todo um lugar ou aldeia, a força deste corpo e unidade é ainda mais actuante e representativa.
A comunidade dos fregueses ou paroquianos que se organiza à volta da paróquia, é de longe a mais forte. Tem na Confraria do Subsino ou da Igreja, a sua expressão política por excelência, cuja implantação segue no tempo e no espaço, a etapa da publicação das instituições e regimentos fundamentais às instituições da paróquia, isto é, os primórdios ou meados do século XVI. Nas mais desenvolvidas, os seus oficiais constam de um juiz (dito da igreja), eleitos, mordomo, procurador, escrivão, zelador. Em princípio a elas pertence e cabe representar a comunidade dos paroquianos, defender os interesses da Igreja, servir o governo das freguesias nas causas eclesiásticas e do culto divino.
Na falta de confraria do Subsino (que está muito generalizada e é imposta pelas Constituições Sinodais) outras confrarias – algumas mais antigas ainda –, podem exercer as funções que vieram a ser atribuídas às do Subsino (em particular as do Nome de Deus e Santíssimo). Devoções e interesses particulares da freguesia ou dos lugares podem ser exercidos por outras confrarias, algumas podendo concorrenciar na Igreja e na paróquia as tarefas das do Subsino. Com elas trabalham activamente os párocos e os visitadores em acção de governo, pastoreio e capitulação de visita à paróquia. É muito frequente as confrarias do Subsino exercerem tarefas civis em nome da comunidade, substituindo-se aos seus juízes e eleitos e até mesmo, substituindo-se ou escusando as vintenas dos lugares. Neste caso as confrarias do Subsino e seus oficiais desempenham uma acção muito mais abrangente, concentrando em si tarefas paroquiais, civis e municipais.
A comunidade civil dos vizinhos e moradores vai representada pelo juiz e eleitos da freguesia, ou homens de acordo, a quem compete representar os interesses da «comunidade civil», mas também da política da camara. No século XVIII – e antes também – já perderam todas ou quase toda a autonomia perante as camaras dos concelhos, aonde se vem empossar, receber os regi-mentos para cumprir os mandatos, obrigações, acórdãos e posturas das camaras para as aldeias. Substituem neste caso por isso os juízes de vintenas e seus corpos. E por isso, os oficiais juízes, eleitos ou homens do acordo podem também ser acompanhados de quadrilheiros e jurados. Exercem a sua actuação e representação em todo o território da freguesia. O exercício dos cargos ainda que se defendesse que deveria andar entre os melhores das freguesias – com até alguma repartição e conformidade com os 2 grandes «estamentos» da sociedade rural –, lavradores no exercício de juízes e eleitos; jornaleiros no de quadrilheiros e jurados – a natureza das tarefas exercidas levou os mais ricos e privilegiados dos lugares a escusarem-se ao seu exercício.
Finalmente os juízes de vintena e seus corpos. Nos termos das Ordenações do Reino, devem servir nos lugares de mais de 20 fogos ou moradores e servir as funções da camara nos lugares. São as extensões do poder municipal nas terras, por quem são eleitos e empossados. As suas funções podem ser exercidas, como se referiu, pelos juízes e eleitos das freguesias, incluindo mesmo pelos oficiais do Subsino. Noutras partes podem até ser exercidos por outros «oficiais», rendeiros dos verdes, das achadas, ou mesmo pelas almotaçarias. Exercem sobretudo acção policial agrária e coimeira das câmaras nos lugares ou vintenas.
Tem naturalmente uma tarefa muito ingrata e difícil e por isso só os mais pobres ou desclassificados é que restam para exercer os ofícios. Nas aldeias e freguesias do Norte de Portugal (Viana, Braga, Vila Real e Bragança) estes oficiais e seus corpos estão presentes em todo o lado, parecendo dominar nos concelhos de vastos termos rurais concelhios onde o poder municipal chega mal, nas aldeias onde a força do enquadramento paroquial e eclesiástico das comunidades é mais débil, mas também nas terras de povoamento organizado a partir de lugares mais concentrados (como em Bragança).

Memórias Paroquiais 1758

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