terça-feira, 10 de julho de 2018

A indústria das sedas de Bragança na sequência das guerras liberais (1835-1875)

No período entre 1835-1875, assistimos, numa primeira fase, a um processo lento mas irreversível do afundamento da indústria das sedas de Bragança, seguida por um período de euforia de produção do casulo, graças à procura estrangeira, para, numa última fase, assistirmos à hecatombe do bicho-da-seda, e com ela, praticamente, o desaparecimento da sua matéria-prima. Durante este período, nem o Estado, nem a iniciativa privada foram capazes de relançar esta indústria, incapaz de resistir à modernização e à competitividade acrescida, suscitadas pela revolução industrial e pela imbatível concorrência asiática.


Mitra de seda confecionada pela indústria da seda de Bragança
Em Bragança, por 1836-1837, a produção das sedas era “quase nula”, reduzida, apenas, à laboração de alguns teares. Em todo o Distrito de Bragança funcionariam 12 rodas de fiar pelo método piemontês, trabalhando todas as outras pelo método antigo. Contudo, os produtores de seda vendiam melhor as sedas em fio grosseiras, elaboradas pelos métodos tradicionais, ordinários, destinadas ao mercado regional, do que a seda fina, obtida pelo método piemontês. A matéria-prima não fiada, o casulo, era vendida para o Porto.
Em 1839, a “fábrica de tecidos de seda” de Bragança constava de 32 teares, que não trabalhavam continuamente, ocupando cerca de 300 pessoas, e nove tornos ou máquinas bastante rudimentares para tecer a seda, que funcionavam todo o ano e empregavam 50 pessoas. Apesar de tudo, este setor industrial, ainda que em regressão, continuava a desempenhar uma importância considerável na economia da Cidade de Bragança.
A fiação da seda, porém, efetuada sem método nem inspeção, encontrava-se muito falsificada e degradada, razão pela qual a produção dos tecidos de seda consumia maioritariamente seda de Itália. Os tecidos de seda exportados estavam sujeitos ao pagamento, na alfândega da Cidade, de 280 réis, sob o pretexto de poderem ser estrangeiros, apesar de facilmente se detetar a sua origem.
Em 1841, o administrador geral de Bragança considerava que se faria um grande serviço se se tratasse cuidadosamente de plantar amoreiras brancas e da multicaule, suplicando ao Governo que mandasse vir a semente das amoreiras brancas por meio das agências consulares dos países onde a sua cultura era muito desenvolvida e recomendando ao Governador Civil de Lisboa que diligenciasse obter um número, posto que limitado, de estacas da multicaule, de forma a, por barco a vapor, as enviar comodamente acondicionadas em qualquer pequeno caixão com terra, para o Governo Civil do Porto, a fim de as transportar, pelo Rio Douro ou por qualquer outro meio mais fácil, para o Distrito de Bragança.
O Governo, que, em 1837, através da pauta alfandegária, declarara livre de direitos a importação do casulo, muito provavelmente devido à pressão dos industriais da seda, tentará, mais tarde, criar condições para a expansão das amoreiras em todo o País, em particular no Distrito de Bragança, e a Rainha, em 1843, mandou ao governador do bispado de Bragança que insinuasse às preladas dos conventos de religiosas da Diocese a plantação de amoreiras nas suas cercas, para o que deviam solicitar ao Governador Civil a remessa de garfos para a enxertia ou a semente daquelas árvores. Com esta última medida, tratava-se, de certo modo, de atenuar os efeitos das doenças que afetavam então os olivais transmontanos, que causaram grandes prejuízos à região, em 1843-1844. Só pela seda – concluía o artigo referido –, se podia acudir a Trás-os-Montes.
Entretanto, a produção da seda e tecidos em Bragança não parou de descer, em virtude da concorrência da seda estrangeira, vendida a baixos preços, e da falsificação dos tecidos de seda “com outros têxteis entremeados na urdideira, e cujo encorpamento era obtido com a carga da tinturaria”, prática altamente lesiva da sua qualidade e que, vinda já do século XVIII, ameaçava eternizar-se. O arrátel do casulo fresco vendia-se apenas a 100 réis, e o casulo seco a 300 réis; a seda fiada a 2 000 réis, a grossa a 800 réis e a macha a 400 réis o arrátel. Dos 60 teares que Manuel Lopes dos Santos, por 1844, sustentava em Bragança, nos quais trabalhavam mais de 200 operários, em 1850, existiam apenas 19, dos quais 12 instalados na freguesia da Sé e sete na freguesia de Santa Maria, ocupando 64 operários. Estes teares consumiam, anualmente, 1 392 arráteis de seda em fio e produziam tecidos de sarja, tafetá e nobreza – deste último, apenas um tear – no valor de 5 568 000 réis. Com exceção das sedas, por 1850, não existia qualquer outra atividade industrial em Bragança, como se pode ver pelo Quadro n.º 42.



Aliás, em 1850, foi criada a Sociedade Promotora dos Melhoramentos Industriais do Distrito de Bragança, presidida por Diogo Sá Vargas e tendo como fundadores José António de Miranda, Albino Augusto Garcia de Lima, Joaquim Álvares Falcão, Zeferino José Pinto, Manuel da Cunha Coelho, António Manuel da Fonseca, Leonardo Manuel Garcia, José Maria Colaço, Luís Manuel dos Santos Valente, José António Martins, António José Teixeira, Henrique José Ferreira Lima, António Rodrigues Ledesma de Castro e Manuel Bernardo Pinheiro de Lacerda. Lançada com o objetivo de desenvolver as indústrias no Distrito, a verdade é que não se lhe conhece qualquer iniciativa de vulto.
A partir de meados da década de 1850, vai assistir-se a uma certa mudança de estratégia quanto à sericultura e à indústria da seda em Bragança, provocada, fundamentalmente, por fatores de natureza exógena. A fábrica de Chacim transformara-se numa “recordação histórica”, de que já ninguém reivindicava o restabelecimento. As exposições das autoridades do Distrito ao Governo vão, agora, no sentido de ser construída uma nova fábrica, com máquinas a vapor e métodos muito mais aperfeiçoados que o método piemontês, a qual se deveria situar na Cidade de Bragança – o casulo, bem ou mal fiado, vendido nas feiras do Distrito de Bragança e destinado ao consumo interno entre 1851 1856, irá conhecer, em seguida, uma forte expansão para França.


Em 1858, a indústria fabril em Bragança era, segundo o Governador Civil, “nula”, com exceção de alguns “pequenos estabelecimentos particulares” que fiavam 227 arráteis de seda ao preço de 3 500 réis o arrátel.
A partir de 1858, várias casas francesas, alertadas por Eduardo Moser e pelo conde de Samodães – que lembra a franceses e italianos que “na extremidade ocidental da Europa existia um povo que cultivava a seda e que tinha a fortuna de ter as suas casuleiras livres da fatal epidemia” que afetava o bicho-da-seda noutros centros produtores –, passaram a abastecer-se da semente de casulo adquirida nas regiões montanhosas do interior, nomeadamente, no Distrito de Bragança, por se encontrar isenta de moléstias. Esta súbita e intensa procura de semente e casulo, pagos pelos comissários estrangeiros a preços elevados, vai provocar em Bragança, como noutros concelhos do Distrito, na década de 1860, um autêntico delírio, o qual se traduziu no aumento da produção do casulo de seda.
O aumento da criação do casulo não foi acompanhado pelo ressurgimento da indústria da seda em Bragança.
A celebridade adquirida no passado pelas fábricas de seda de Bragança, cujos produtos gozavam de uma reputação de primeira qualidade, era apenas uma saudosa recordação. Os fabricantes da província, na “sua inalterável rotina”, ignorando que as “luzes” daquele tempo se tinham transformado no “obscurantismo de hoje”, desconheciam inteiramente os “modernos inventos”. Apenas se procedia à fiação da seda num ou noutro estabelecimento particular, havendo alguns teares “mal montados e de construção antiga” que fabricavam tafetás, sarjas, veludos e nobrezas, mas que não podiam concorrer com os tecidos baratíssimos e de qualidade que atulhavam os mercados do País.
Na viragem para a década de 1860, face à continuidade da procura estrangeira de sementes de casulo, o Governo Civil de Bragança instala, nesta Cidade, um viveiro de amoreiras brancas provenientes de Itália, o qual fornece aos agricultores, em seis anos, três mil pés. O Governo, por seu lado, manda distribuir, ainda que sem grande sucesso, sementes e alguns milhares de amoreiras enxertadas, pelo Distrito. E em 10 de dezembro de 1860, uma portaria vai conceder à Sociedade Agrícola do Distrito de Bragança um subsídio de 1 200 000 réis, para ser distribuído à razão de 100 000 réis a cada uma das Câmaras Municipais que concorresse com igual quantia para o estabelecimento de viveiros, sobretudo de amoreiras.
Mas Bragança continuava a não dispor das amoreiras necessárias para aumentar, de acordo com a procura estrangeira, a criação do bicho-da-seda. Muito do sirgo criado era enterrado todos os anos “por exceder os limitados recursos da alimentação” de que se podia dispor. Em 1868 – escreve o responsável pelo viveiro de amoreiras de Bragança –, metade do sirgo que nasceu acabou por ser enterrado.
Quanto a sirgarias, não existia uma única em Bragança. A criação do bicho-da-seda efetuava-se nas casas, “pardieiros esburacados” e imundos, mal cheirosos, em lojas térreas, nas cortes do gado, etc. Tudo servia, na estação própria, para a criação do sirgo, o qual era objeto de um “tratamento selvagem”. A grande procura de sementes e casulos, diz Pimentel, levou as criadeiras de sirgo a produzirem “assombrosamente, sem se preocuparem com a qualidade do produto, com a vida dos insetos”, que aglomeravam “aos montões por toda a parte, nos sítios mais infectos”, aguardando que a folha de amoreira viesse de léguas distantes, a preços inacreditáveis, e já fermentadas. As larvas eram amontoadas em pequenos tabuleiros, mal alimentadas e sem os mínimos cuidados de limpeza. Não existiam estufas para a incubação das sementes, de forma a manter a temperatura constante; a incubação era feita à custa do calor humano – durante o dia, no seio das mulheres, durante a noite, no leito das pessoas –, ou, mais raramente, processava-se no interior de colmeias.


A década de 1860 constituiu a época áurea da produção do casulo fresco no Distrito de Bragança, que por 1850 andava pelos 38 000 quilos, duplica em 1860, e em 1866 ultrapassa os 181 000 quilos, para, a partir daí, começar a descer, situando-se, em 1869, ligeiramente acima dos 122 000 quilos. E o seu preço por quilo, de 600 réis em 1850, passa para 630 réis em 1860, para atingir os 840 ou 850 réis em 1865 e 1867, anos em que alcançou o preço mais elevado, para descer até aos 720 réis em 1869.
Se a cultura da amoreira e a criação do sirgo constituíam uma atividade “exclusivamente agrícola”, do mundo rural, a fiação da seda e produção dos tecidos entrava já no domínio da indústria propriamente dita, registando um carácter marcadamente urbano, centrada fundamentalmente na Cidade de Bragança. O visconde de Vila Maior, na esteira de outros estudiosos da indústria da seda, escrevia mesmo que, se a plantação das amoreiras e a criação do sirgo podiam manter um carácter disperso e rural, a fiação obrigava a uma certa centralização, a estabelecimentos fabris que exigiam máquinas a vapor modernas, um certo capital de exploração e uma direção inteligente, enfim, uma pequena fábrica ou oficina, com máquinas simples, que não requeresse um capital fixo vultuoso – afinal, o que todos pediam desde 1836 ou 1837.
Em 1869, o preço médio do quilograma de seda fiada na Cidade de Bragança, de acordo com a sua qualidade, rondava os 16 000 réis, em comparação com os 6 000 a 6 500 réis pagos em Macedo de Cavaleiros. A produção de tecidos no Concelho de Bragança manteve valores aproximados aos já referidos para 1850, nunca consumindo, durante a década seguinte, mais de 1 000 quilos de seda. Mas, a partir de 1865, vai afundar-se, por não ter venda.
A evolução do número de “antigos e imperfeitíssimos” teares e tornos em Bragança confirma a baixa da produção.
De 30 em 1861, desceu para seis teares de tafetá e nobreza em 1867. Neste ano, existiam no Distrito de Bragança, para as operações de torcedura da seda, 24 tornos com exercício irregular em Bragança, Chacim, Rebordelo e Bornes.
A exportação da seda em rama e de tecidos – lenços de Bragança – durante a década de 1860, revela a anemia desta indústria. A seda em rama nunca chegou aos 1 000 quilos e quase desapareceu a partir de 1866. E os tecidos referidos nunca chegaram aos 50 quilos – se bem que tenhamos de ter em conta a venda avulsa, não declarada, destes produtos, provavelmente superior à que era manifestada oficialmente (Quadro n.º 44).

Real Filatório de Chacim
De acordo com o Inquérito à Indústria das Sedas em Trás-os-Montes realizado em 1869, havia então no Concelho de Bragança um viveiro de amoreiras negras, que produzia folha suficiente para a alimentação do bicho-da-seda, geralmente de espécie piemontesa, introduzida em Chacim, em 1799, pelos Arnauds. Em todo o Concelho de Bragança existiriam então 2 000 amoreiras, quase todas pretas, alugando-se cada árvore de 1 000 a 2 000 réis. Entre 4 000 a 5 000 bragançanos dedicavam-se à criação do bicho-da-seda. Este sofria de doenças, mas em pequena escala. O casulo era vendido ao preço médio de 700 réis.
O inquérito de 1869 fala de largos milhares de criadeiras em todo o Distrito, e 4 000 a 5 000 só no Concelho de Bragança. Para tratar da criação de uma semente (29 gramas), eram necessárias, de acordo com as informações concelhias, de uma a quatro mulheres. À atividade eminentemente rural da criação do sirgo, que podia render a duas mulheres, em menos de dois meses, 20 000 réis, sem exigir qualquer acumulação prévia de capital – só depois de vendido o casulo eram pagas as despesas –, dedicavam-se milhares de mulheres e crianças, que aí encontravam uma fonte de receita complementar fundamental para o equilíbrio da sua frágil economia doméstica.
A fiação era feita em máquinas antigas, muito defeituosas, denominadas carrilhos. Tanto a criação como a fiação eram “imperfeitíssimas”, não havendo um único estabelecimento de sericultura, o que tornava impossível o aperfeiçoamento desta indústria. O Concelho produzia 1 500 quilos de seda fiada, ao preço de 16 000 réis o quilo, em carrilhos, empregando cada uma destas máquinas duas pessoas, que venciam um jornal de 600 réis (ou 1 100 réis por quilo fiado).
Existiam 17 fábricas, isto é, teares e tornos, que produziam tafetás, nobrezas, sarjas e lenços. Cada tear tinha dois homens e duas mulheres, e cada torno, quatro homens e cinco mulheres, vencendo os homens um jornal de 240 réis e as mulheres 140 réis. O número médio de horas de trabalho diário, quer na fiação, quer na tecelagem, era de 14 – das 5 da manhã às 7 da tarde. Cada tear rendia anualmente 240 000 réis sendo tafetás, e 400 000 réis sendo nobreza ou sarjas. Existiam ainda em Bragança, três tinturarias para a seda, nas quais se tingiam as cores preta e carmim.
Deste inquérito conclui-se ainda a extraordinária importância desta atividade económica para o Concelho de Bragança. O número de viveiros de amoreiras, os largos milhares de mulheres e crianças dedicadas à criação de sirgo – na verdade, a maior parte da população feminina do Concelho de Bragança –, os rendimentos produzidos pela criação do sirgo, a considerável produção de seda fiada – onde Bragança se destacava dos restantes concelhos do Nordeste Trasmontano –, são elementos que permitem ver até que ponto a sericicultura constituía um fator
de rendimento insubstituível do orçamento das famílias.
Segundo o Relatório apresentado à Junta Geral do Distrito de Bragança na sessão ordinária de 1870, a produção do casulo de seda em estado fresco no Concelho de Bragança durante esse ano rondou os 6 000 kg, sendo o preço por quilo na ordem dos 800 réis. As mulheres dedicadas a esta atividade recebiam então de jornal 120 réis e os menores de 16 anos 100 réis. A produção era praticamente toda vendida a negociantes estrangeiros, e o remanescente era “em parte fiado e em parte para semente”.
Ainda de acordo com o mesmo documento, a produção de seda em fio no Concelho de Bragança atingiu os 360 quilos num ano, no valor de 12 000 réis por quilo. Esta atividade era mais bem remunerada, vencendo os homens que a ela se dedicavam o jornal de 300 réis e os menores de 16 anos 160 réis. A seda em fio era vendida, na sua quase totalidade, a negociantes estrangeiros para fora do País, e o restante vendido no Reino.
Em 1871, o Governador Civil de Bragança, Carvalho e Melo, afirmava que “este ramo da indústria leva caminho auspicioso”. O “grande lucro” que a cultura da seda deixara nos últimos anos, motivado pela compra de semente pelos estrangeiros, constituía um poderoso incentivo em favor desta indústria.
No ano seguinte, o sucessor de Carvalho e Melo, Tomás Ribeiro Ferreira, considerava que a produção do casulo muito provavelmente regeneraria o Distrito. Aquela, apesar de estar ainda “em bruto, sem preceito nem regra que a dirijam”, avultava entre as principais indústrias da região, tendo rendido 64,5 contos de réis. Mas registava que a produção do casulo, em 1872, tinha ficado abaixo da média de 1862-1872 em mais de 22 000 quilos, atendendo à grande mortandade que o sirgo tinha sofrido. Quase toda a produção era exportada em capilho para França e Itália – 8 654 quilos de casulo e 1 262 quilos de semente, representando aproximadamente 25 000 quilos de capilho.
Em Bragança, na freguesia da Sé, em 1872, registavam-se seis fábricas de seda, sendo o valor da produção anual de cada tear de 100 000 réis. Em cada fábrica existia um operário, ganhando 200 réis por sete horas de trabalho diário. Fiava-se seda de 1.a e 2.a qualidade: aquela obtinha o preço de 12 000 réis por quilograma; esta, de 6 000 réis.
Em 1871-1872, o número de feiras da seda no Distrito de Bragança – venda de casulo e seda em fio –, era de 21, das quais 12 especializadas na venda de seda em fio, na maioria, realizadas no mês de agosto, a demonstrar, portanto, que, nestes anos, a animação sericícola era ainda notável.
Mas o pior estava para vir. Parecendo escapar às epizootias que atacavam o sirgo nos principais centros sericícolas europeus, a verdade é que Bragança não podia ficar eternamente imune. Em 1867, a mortalidade nas criações era já violenta. O inquérito de 1869, porventura com o objetivo de minimizar a situação que se vivia, refere que tais doenças apenas estavam muito disseminadas em Alfândega da Fé e, em menor escala, no Concelho de Bragança. Por 1870-1871, já todos reconheciam, proprietários, criadores, comerciantes e autoridades oficiais, que todo o Distrito de Bragança se encontrava gravemente afetado.


A produção do casulo vai descer assustadoramente nos anos seguintes, sem que houvesse qualquer intervenção, do Estado ou de particulares, no sentido de combater as epizootias. O desânimo era tão grande que os lavradores começaram a arrancar as amoreiras e as mulheres a abandonar a criação do bicho-da-seda.
Apesar de tudo, o Concelho de Bragança recebia, no início de 1874, 5 736 amoreiras, o maior número de plantas entre as que foram então distribuídas pelo viveiro de Freixo de Espada à Cinta pelos diversos concelhos da região.
Desse número, 3 611 amoreiras tinham sido plantadas com sucesso até ao mês de abril. Mas no ano seguinte, o Governador Carvalho e Melo considerava que a sericicultura se sumia “na voragem do desânimo geral, produzido pelos insucessos das últimas criações de sirgo” atribuído às epidemias pebrina e muscardina. Aventavam-se, então – segundo ele –, múltiplas causas para explicar tais insucessos: epizootias importadas ou desenvolvidas espontaneamente; irregularidade das estações nos anos de 1871-1874; más condições dos sirgueiros; processos inadequados de criação do bicho-da-seda; folhas da amoreira branca, etc.
Em jeito de balanço do período que acabámos de abordar, isto é, entre 1835-1875, constatamos a inexistência de uma qualquer iniciativa empresarial, por parte do Estado ou de particulares, no sentido da reestruturação deste setor industrial, que efetuasse a passagem do “sistema doméstico” para o “sistema de fábrica”, banindo os carrilhos do Antigo Regime, relançando a plantação das amoreiras e a produção do casulo. A tecnologia moderna a utilizar estava ainda ao alcance da formação dos operários da região, e as fiadeiras trasmontanas ultrapassavam, no seu trabalho, as fiadeiras do Porto.
Na ausência de um empresário inovador, a indústria da seda na Cidade de Bragança, que sempre se assumira como o grande centro produtor desta indústria, agonizava paulatina mas irreversivelmente. Trás-os-Montes dispunha, então, de alguns capitalistas que facilmente podiam assumir esse papel, só que – refere Augusto Baptista – “pouco ou nada se pode esperar do bem crescido número de capitalistas que tem o Distrito, os quais preferem ver o seu dinheiro no mais improdutivo descanso”.
Bicho-da-seda
A segunda reflexão que importa fazer é que mesmo o extraordinário desenvolvimento sericícola da década de 1860 não suscitou qualquer tentativa séria no sentido de se instalar uma fábrica de fiação e tecelagem. E assim, ao afundamento da indústria da seda vai seguir-se, entre 1872-1875, o descalabro da sericicultura, uma atividade tradicionalmente complementar da faina agrícola. Só então o Estado, e apenas ele, irá tomar medidas concretas no sentido de desenvolver a economia do Nordeste Trasmontano, que da loucura e da euforia sericícola, de “um leve chuveiro de ouro”, vai passar, em menos de cinco anos, para o desespero e a descrença de uma “danaide abandonada”.
Incapaz de passar do estado artesanal e rudimentar para um estado propriamente industrial, a decadência da indústria das sedas em Trás-os-Montes, no século XIX (à semelhança, aliás, do que aconteceu então nas províncias espanholas de Málaga e Valência), acabou por se revelar irreversível.

continua...

Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa

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