Não é fácil ser um concelho do interior (“mas como se pode falar de interior num país que dista 200 quilómetros de largura?”, questiona, retórico, o presidente da câmara Jorge Fidalgo). As debilidades são várias. Pertencente ao distrito de Bragança, é um município essencialmente rural e isolado. “Chegar cá é o maior problema”, lamenta o autarca, que aguarda com expectativa a luz verde para a ansiada estrada de ligação à A4, que vai para Bragança. O ensino secundário não existe, o que obriga as famílias a sair, e outros serviços públicos foram deslocados. Nos últimos anos, a autarquia tem assim apostado em três grandes frentes. Por um lado, tenta promover a qualidade de vida dos residentes: entre outras coisas, há incentivos à natalidade, infantários gratuitos, aulas de karaté, danças de salão e zumba para toda a população grátis e um programa de aquisição de terrenos a um cêntimo o metro quadrado com moradias com projecto aprovado para fixar jovens casais — em 30 lotes, apenas um não está ocupado.
Por outro lado, tenta atrair o investimento, também através da venda de terrenos a um cêntimo na zona industrial — a unidade de transformação da carne mirandesa, por exemplo, está aqui. “A ideia é fixar, fixar os jovens e, se possível, poder atrair algum investimento para criar postos de trabalho”, explica o autarca, natural da aldeia de Algoso.
O turismo surge como a derradeira cabeça da tríade, o que motivou a criação da marca Vales de Vimioso, cuja menina dos olhos é o PINTA. E que vales são estes? Os dos rios Maçãs, Sabor e também o Angueira, que ziguezagueiam pelo território de 482 quilómetros quadrados. Aqueles que se adivinham, bucólicos, do topo do Castelo de Algoso, construído algures no século XII numa posição privilegiada para vigiar Leão. Mal se percebe onde começa a montanha e acaba a fortaleza, rodeada de águias e abutres. “Portugal”, repete Jorge Fidalgo, “nasceu por aqui”. É um dos ex-líbris do património do concelho e, também, do coração dos locais: muitos, dizem-nos, namoraram entre estas ruínas, outros colhiam cravos selvagens. Aconselha-se é precaução na subida, sobretudo a quem sofrer de vertigens.
Ponte de Algoso |
Depois de uma vista de cortar a respiração, que tal mudar de ares? Ter a cabeça em água, até à última gota? As Termas de Vimioso estão cá para nos tratarem da saúde. Responsabilidade das águas sulfurosas da Terronha, localizadas junto à margem direita do rio Angueira, cujas propriedades terapêuticas a nível de doenças respiratórias, reumáticas e músculo-esqueléticas são reconhecidas (falta concluir o estudo dermatológico). “Esta água”, conta o responsável Francisco Brucó, “tem três mil anos”. A época termal dura de 1 de Maio a 30 de Novembro, mas a área de bem-estar está aberta todo o ano. “Queremos ser as termas de referência de Trás-os-Montes”, ambiciona o ex-comandante dos bombeiros. “Mas não queremos torná-las VIP. Queremos que sirvam as pessoas da terra e também para vem quem do Porto e Lisboa e tem a cabeça do tamanho de um melão com tanto stress.” Nada que um duche massagem tipo Vichy e umas boas massagens não resolvam.
O tecido de Vimioso também se faz de pequenas associações de jovens que se têm estabelecido no concelho. Entidades que, na opinião de Jorge Fidalgo, têm “feito um trabalho extraordinário na atracção de turistas e na divulgação do que de melhor o concelho tem em termos ambientais e paisagísticos”. “Acarinhámo-las muito, dando-lhes as condições para trabalharem aqui”, conclui o autarca. A AEPGA é uma delas, mas não está sozinha. A Palombar está por perto, instalou o seu Centro de Interpretação dos Pombais Tradicionais na antiga escola primária de Uva — é nesta aldeia, aliás, que tem início um percurso pedestre até ao Castelo de Algoso (há ainda no concelho um terceiro trilho que percorre as ladeiras do rio Sabor).
Palombar significa pombal, em mirandês. O que já dá uma pista para a missão desta associação, criada há 18 anos: conservar o património rural e construído, nomeadamente os pombais tradicionais, estruturas que se dedica a recuperar e revitalizar. Ali, na aldeia, a paisagem denuncia a sua passagem. Há pequenas manchas brancas com telhado em forma de ferradura a pintar as encostas um pouco por todo o lado e, por vezes, em contraste, um ou outro edifício semelhante em ruínas. Até agora, já foram reabilitados 37 pombais em Uva, devem faltar ainda uns dez. Mas “não é fácil”, explica Américo Guedes. Quase todos são privados, é preciso haver um acordo com o proprietário, sendo que a associação só recupera e explora os pombais. E começa a ser cada vez mais difícil encontrar quem trabalhe a pedra de forma tradicional.
Ainda que a sua actividade seja cada vez mais alargada, a Palombar actua sobretudo no Nordeste Transmontano, onde, estima, existem três mil pombais; 500 já terão sido recuperados. Porquê fazê-lo? Porque são uma “forma de conservação da natureza”, já que atraem espécies que se alimentam de pombos, como a águia-de-Bonelli, ameaçada em Portugal, ou a coruja-das-torres. Porque constituem um “património arquitectónico e cultural” riquíssimo. Os pombais surgiram, no passado, para ajudar na alimentação (os “borrachos” sempre eram uma proteína extra em comunidades marcadamente pobres) e na fertilização dos campos (o “pombinho”, o estrume das aves, servia de adubo). A sua preservação ajuda assim a contar a história.
A Associação Aldeia fez um levantamento de toda a etnobotânica da região |
Divulgar o património também é o que move a associação Aldeia, sediada em Vimioso, mas com um Centro de Educação, Interpretação e Formação Ambiental na antiga escola primária de Vila Chã da Ribeira que agora visitamos.
Aldeia é, na verdade, um acrónimo para Acção, Liberdade, Desenvolvimento, Educação, Investigação e Ambiente, e é isso que eles gostam de fazer. Apresenta o presidente João Nunes: “É um grupo de amigos que desenvolve actividades para promover conhecimentos e tradições.” Sejam saídas de campo para ver borboletas, como para acompanhar pastores. Sejam workshops de cogumelos e plantas comestíveis ou acções de sensibilização sobre a relação entre as pessoas e o lobo. “É uma nova perspectiva de viver as tradições no século XX”, diz o responsável pela associação, criada há 15 anos.
Um dos últimos grandes projectos foi, por exemplo, um levantamento de toda a etnobotânica da Terra Fria Transmontana, bem como dos seus processos tradicionais. O resultado está num livro e nas várias peças, e sementes, que se apresentam pela sala.
E, claro, Vimioso, como orgulhoso município transmontano, é sinónimo de boa comida. Já o dissemos: a carne mirandesa sai daqui, por isso experimentar a típica posta é quase obrigatório, bem como tomar o gosto do cordeiro e, claro, de 1001 fumeiros. Edite Domingues nasceu com mão para a cozinha.
Aprendeu a cozinhar como outras tantas netas: a olhar para a avó. “Mal acordava, a primeira coisa que fazia era aquecer o pote”, diz a mirandesa, a viver em Vimioso desde que se casou. Hoje, o galo feito naquele pesado pote de ferro continua a ser um dos seus pratos preferidos — sabe-lhe à avó. Outras iguarias saem-lhe das mãos com o mesmo conforto familiar: a robusta sopa da segada (com calda de fumeiro, orelha, pernil, chouriço, pão, massa e grão-de-bico), os rojões, os cogumelos frescos, os peixes de rio.
Sopa da segada |
Não é o que costuma servir no café-pizzaria Pires, o estabelecimento que explora no centro da vila. Mas por lá tente experimentar o pastel de amêndoa, um segredo de família guardado a sete chaves pelo menos desde 1918, e que agora começa a dar os primeiros passos fora do livro de receitas. Já agora, uma curiosidade. Ali ao lado está a majestosa Igreja Matriz de Vimioso, construída em finais do século XVI, inícios do século XVII por iniciativa de uma família abastada local que a financiou com uma condição: tinham de conseguir assistir à missa sem saírem de casa, da varanda. Assim foi. A igreja foi feita com um sui generis declive, com a porta voltada para o solar dos mecenas, até hoje.
Para terminar, fica ainda um aviso. Não espere que, em todas estas andanças, lhe perguntem o nome quando der de caras com uma porta. Manias de bom, e hospitaleiro, anfitrião. “Aqui”, assegura Jorge Fidalgo, “quando se bate à porta não se pergunta quem é. Diz-se logo entre!”. Faça o teste.
A Fugas viajou a convite do projecto Vales de Vimioso
Fugas
Jornal Público
Sem comentários:
Enviar um comentário