A Torre de Moncorvo de propósito fui para assistir a uma conferencia sobre o passado e a modernidade do burgo e, pelo amor que tenho aos livros, lá peguei num daqueles que as câmaras municipais fazem o favor de dispensar e cujo titulo dá por ” Constantino Rei dos Floristas” da autoria da Ex.ma Dr.ª Júlia de Barros Biló, uma letrada e mui douta Moncorvense que, em Leiria, se a informação está actualizada, espalha didacticamente as pérolas do seu saber como, aliás, as obras de que é autora o demonstram.
E, graças ao estilo coloquial e alegremente comunicativo da autora, de um só fôlego li a história que desconhecia e, correspondendo aos seus anseios e porque na história há antepassados de pessoas da minha aldeia – Cardanha e de Adeganha, ambas do concelho de Moncorvo – aqui estou a tentar multiplicar a semente para que os associados da CTMAD e seus amigos, nomeadamente os que lerem esta pequena síntese, ficarem a saber quem foi Constantino, que dos floristas foi rei por essa Europa do século XIX.
Nasceu o nosso ilustre conterrâneo, em Alfandega da Fé, antes do dia 28 de Agosto de 1802 e, nesta data, baptizado foi com o nome de Constantino José Marques e, já adulto, viu reconhecida a sua paternidade cujos pais, segundo o assento de óbito de Percis – Pirinéus franceses – foram José Joaquim Marques Moutinho Lopes e Vicencia Luísa Victorina Banha de Melo.
Para infortúnio seu e não só foi depositado num cesto/açafate branco, como se da “roda” se tratasse, em casa do pároco da terra que aceitou, em pedido de confissão da avó materna, receber e guardar segredo sobre o nascituro que os caprichos da mãe natureza mais a vontade de dois temerários amantes conceberam. Sua mãe, uma mulher casada da nobreza da terra, com marido ausente e ele um jovem de 40 anos. E, para salvaguarda do bom casamento da adúltera mãe e evitar a sua desonroso falatório da terra, seu avô materno impôs, com mão de ferro, a predita solução, tão usual naqueles tempos.
Confrontado o padre com o recém-nascido, depressa descobriu a forma de se libertar do encargo e, para evitar devassas pessoais e outras, assim como o inevitável falatório, tão afim dos ainda medievos meios rurais, despachou o petiz para o Larinho, concelho de Torre de Moncorvo, onde contratou uma ama que amamentou o nosso herói em troca de uma retribuição paga por familiares que só o dito padre conhecia.
Aos três anos arrancado foi da mãe de função e, carregada de lágrimas por lhe tirarem o menino que tratado era como se filho fosse, foi o futuro rei Constantino atirado para casa de um comerciante de Alfandega da Fé onde aprendeu as primeiras letras e as lições do giro comercial que as feiras, de terra em terra, lhe davam e seu amo impunha.
Por indicação de suas não assumidas tias paternas, que nele viam retratado o mano progenitor, foi o jovem Constantino, com 16 anos, atirado como criadfo-grave para uma casa nobre e rica de Moncorvo onde depressa aprendeu os segredos da profissão e onde, pelo menos, hábil e graciosamente uma vez serviu sua mãe e seus avós sem que alguma vez o chegasse a saber e onde sentiu uma vibração telúrica que o arrebatou para uma insondável nostalgia ao ver sua desconhecida mãe desmaiar quando tão fixamente o observava.
Serviu noutras casas sem o empenho e o brilho que demonstrara na primeira e, ante a estampada e regular tristeza que chegou aos ouvidos das não assumidas tias, resolveram as suas protectoras encaminhá-lo para o Convento dos Franciscanos, ali junto a Moncorvo, no sopé da férrea serra do Reboredo, onde, com 17 anos, acabou por entrar.
O jovem, sem vocação para frade, depressa congeminou libertar-se do presídio e, com dezoito anos, decidiu uma noite, na companhia de seu amigo Diogo, abandonar o Convento para, em fuga até Viseu, se alistar como mancebo no Batalhão de Caçadores n.º 5 que havia aderido à revolução liberal.
Sem instrução militar e feito cabo de um dia para o outro, andou, durante dois anos em observações pela Beira, sempre à espera que chegassem os ordeiros e autoritários miguelistas nos quais Constantino via o exemplo a seguir.
Como o seu regimento não era miguelista e porque se dera a vila-francada que reconheceu D. Miguel como rei de Portugal embarcou para os Açores e ilha Terceira onde passou cinco anos.
Ali começou a fazer as primeiras flores que, para os altares das igrejas e capelas daquela e outras ilhas, vendidas eram por uma senhora de 57 anos, Brízida Maria Silveira Brasil, com quem, aos 22 anos, depois de tanto e interessado afecto e carinho, havia de vir a casar no dia 4 de Dezembro de 1824, na sé de Angra do Heroísmo e que depois vira partir quando ela completou 60 anos.
Com a chagada das tropas liberais à ilha e ordenada a substituição do seu regimento, regressou o leal Constantino a Lisboa e, ante a simpatia pelo suposto pulso firme de D. Miguel, alistou-se no seu movimento e foi promovido a sargento.
Com as sucessivas derrotas de D. Miguel, a mais estrondosa das quais foi a do Porto, no dia 29 de Setembro de 1832, e tomada de Lisboa pelos liberais, regressaram as tropas miguelistas a Lisboa com mais derrotas em Coimbra, Leiria e Asseiceira.
Perante tanto insucesso, sem ter eira nem beira nem família que o recebesse em Moncorvo, decidiu acompanhar a D. Miguel até Évora, onde, em 26 de Maio de 1826, assistiu à sua rendição pela Convenção de Évora-Monte e tomou conhecimento do seu imposto exílio para Génova, para onde embarcou no navio Stag na tarde de 1 de Junho seguinte.
D. Miguel, sem preocupações com os leais servidores que o haviam acompanhado até Génova, decidiu abandonar aquela cidade para, com o apoio papal, passar a viver em Roma.
Constantino, sem trabalho e recursos para sobreviver, passou um dia, esfomeado, por uma rua de Génova onde viria a descobrir a florista M.me Vieillard e, com gestos e algumas palavras, lá conseguiu transmitir que sabia fazer flores e precisava de trabalhar com o que arranjou o seu primeiro emprego civil remunerado.
A florista, estupefacta com a habilidade e requintado gosto com que Constantino demonstrou a sua primeira obra e embasbacada com a facilidade com que trabalhava as penas, depressa viu o artista a quem, augurando-lhe um futuro radioso, pouco depois, ensinou a preparação e mistura das tintas.
E, assim, o nosso Constantino começou a demonstrar a sua arte e tal era a beleza, graça, finura, fantasia e harmonia que transmitia ás suas flores que os seus clientes, só algum tempo depois da primeira observação, conseguiam distinguir as flores artificiais das naturais.
O prazer de fazer flores e a vontade de se tornar um artista consagrado levaram-no a pernoitar pacientemente na oficina descobrindo, em cada dia, novos motivos de combinadas flores e odores que causavam a admiração da sua patroa e clientes.
Depressa contagiou sua patroa e, volvidos seis meses, pediu-lhe para sair e ir para Paris à procura de novos motivos para sentir-se realizado como artista.
A patroa, não sem mágoa em ver partir o artista, recomenda-lhe, em Paris, Mestre Flamet e aconselhou-o a visitar as fábricas de tintas em Turim e Lyon o que de imediato fez.
Em Paris, em 13 de Dezembro 1834, apresentou-se ao dito Mestre que, apercebendo-se de onde vinha, de quem o recomendara – florista de conhecidas e requintadas exigências – depressa concluiu que se trataria de um bom artesão com o que de imediato o admitiu ao seu serviço.
E, assim, no dia seguinte, de malas e mais haveres se transferiu para casa de Mestre Flamet, onde, como aprendiz, passou a trabalhar e viver dormindo no quarto das traseiras da loja.
O patrão, de imediato, distribuiu-lhe o trabalho e indicou ao Sr. Constantin, nome pelo qual passou a ser designado e divulgado, uma mesa para o efeito ao que o nosso herói, com respeitosa licença, pediu dispensa e, em alternativa, do mesmo modo pediu para se sentar no chão, ao meio da oficina, o que constituiu admiração geral.
Mas, sentado no meio da oficina, de pernas cruzadas como se sentia bem, fazia rodopiar os seus poucos instrumentos e, às penas, ora as alisando ora as acariciando, como se amores-perfeitos parecessem, transmitia-lhes aquela inimitável beleza que confundia artistas e clientes.
E tanta foi a beleza, admiração e satisfação de mestre Flamet que, para gáudio de todos, expôs na montra da oficina o primeiro bouquet para que fosse admirado por todos.
Um tenente da Guarda Nacional que por ali passou, impressionado com a beleza e finura do bouquet, mandou reservar o ramo, não obstante o elevado preço pedido, a fim de a Guarda Nacional o oferecer à Rainha Dona Maria Amélia.
Mestre Flamet, impressionado com o destino do bouquet, exclamou para o nosso Constantino: – Se a rainha gostar você tem o futuro assegurado!
Dias depois, nova visita do sargento que levantara o bouquet a fazer nova encomenda de flores e a comunicar ao mestre Flamet que a Rainha mandava felicitações ao mestre Constantin.
Constantino, sem perder a emoção que aquela felicitação representava, começou a fazer planos à vida e, sem esquecer que ali seria sempre.
Leia aqui a 2ª. Parte
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