No início do mês de Outubro esteve a debate, em Alijó, a viabilidade do novo produto turístico proposto para o Tua (que junta o comboio, funicular e barco), representando um investimento de 40 milhões de euros. Daniel Conde, do Movimento Cívico pela Linha do Tua (MCLT), critica o projecto nos termos em que é apresentado e considera que os problemas ambientais se mantêm. «O que resolveria o problema seria parar-se com o absurdo da barragem», sublinha.
A conferência internacional «Railroads in Historical Context» que decorreu em Alijó no início de Outubro, reuniu investigadores internacionais, operadores turísticos do Douro e responsáveis da EDP, empresa que há dois anos está a construir a Barragem de Foz Tua num território que compreende os concelhos de Alijó (Vila Real) e Carrazeda de Ansiães (Bragança).
A construção do empreendimento levou à elaboração de um plano de mobilidade turística que está a ser gerido pela Agência de Desenvolvimento Regional do Vale do Tua (ADRVT) e que consagra um investimento de 40 milhões de euros: dez milhões a cargo da EDP e os restantes 30 através de fundos comunitários (QREN).
Questionado sobre este investimento, Daniel Conde, do MCLT, considera que a questão fulcral do investimento não está na verba em si, mas na sua distribuição pelas várias componentes do plano de mobilidade: «autocarros para o transbordo Tua/Brunheda (componente que tem passado bastante despercebida), os veículos ferroviários que farão os cerca de dois quilómetros da estação do Tua ao paredão, o funicular, os ancoradouros, os barcos, e claro, a recuperação do troço Brunheda/Cachão na Linha do Tua».
Segundo as contas apresentadas no Relatório de Conformidade Ambiental do Projecto de Execução (RECAPE) da barragem do Tua, o investimento requerido para a reabertura do troço Brunheda/Cachão por quilómetro é de 400 mil euros. «Ou seja, o investimento necessário à recuperação da linha propriamente dita neste percurso de 21 quilómetros rondará os 8,4 milhões de euros», vinca aquele responsável.
Por outro lado, o investimento necessário para a recuperação da linha entre a estação do Tua e a barragem, o funicular, os ancoradouros e um barco, foram orçados em 6,5 milhões de euros no RECAPE. «Esta soma não considera os veículos ferroviários para o troço Tua/barragem e mais um barco reflectidos no ulterior protocolo do plano, pelo que o investimento final será mais à volta dos 8,5 milhões de euros – praticamente o mesmo que recuperar a Linha do Tua entre o Cachão e a Brunheda, obra prometida ainda por Ana Paula Vitorino, ex-Secretária de Estado dos Transportes, em 2008», recorda o responsável.
Por esta razão, saliente Daniel Conde, «cada uma destas componentes, sendo a Linha do Tua entre Carvalhais e a Brunheda, do meu ponto de vista, completamente independente da solução proposta para o troço Tua/Brunheda, mas não vice-versa, é, individualmente, pagável apenas pela verba disponibilizada pela EDP, sem a necessidade de se recorrer a fundos comunitários».
«Mesmo somados, os cerca de 17 milhões de euros necessários são menos de metade dos 40 milhões tantas vezes apregoados pela comunicação social, mas tão pouco analisados a fundo, cabendo à EDP pagar apenas 2,5 milhões de euros em caso de aprovação em candidatura ao QREN», acrescenta.
Contudo, para os promotores da barragem do Tua – EDP e a ADRVT – o troço Brunheda/Cachão «não é uma obrigatoriedade».
«Como bem têm atestado todas as peças jornalísticas sobre este assunto de há meses a esta data, a sua prioridade é a solução dita “turística”, mas apenas na sua componente entre o Tua e a Brunheda. A Linha do Tua, seja na sua vertente “turística” (resta saber o que querem dizer com turística no caso da Linha do Tua), seja na visão do transporte diário, é completamente relegada para segundo plano. Pior, é sempre conotada como algo muito oneroso e completamente dependente de verbas comunitárias. Não se garantem quaisquer perspectivas nem da continuação da exploração ferroviária, nem tampouco da recuperação do troço Brunheda/Cachão», explica o dirigente do MCLT.
«Dúvida total»:
Este é o aspecto que mais preocupa Daniel Conde já que «o dito protocolo continua a lançar a Linha do Tua em dúvida total, não se sabendo ainda se a circulação ferroviária não será pura e simplesmente extinta e criado um serviço rodoviário, ou se o troço Brunheda/Cachão será de todo recuperado».
E está convicto de que «à vista dos vários casos de serviços de substituição do comboio por autocarros desde a década de 1980 até bem recentemente, os quais duraram apenas um punhado de anos até serem também eles extintos, tudo isto se traduz num desprezível plano da EDP e da ADRVT para pura e simplesmente acabar de vez com a Linha do Tua, de forma silenciosa e discreta».
O responsável vai mais longe afirmando que «não será à toa por isso que a ADRVT terá desprezado este ano uma proposta de pré-estudo de viabilidade para a reabertura do troço Brunheda/Cachão (e até do troço Carvalhais/Macedo de Cavaleiros) que apresentei a um autarca local, o qual a terá feito chegar ao conhecimento do Presidente dessa agência».
«Não só o estudo aponta para um modelo de exploração rentável e com impactes consideravelmente positivos para a região, como indica que, até Dezembro deste ano, o QREN apresentava um concurso para financiar… ferrovias no Norte», sustenta.
E questiona: «se a barragem é-lhes uma certeza desde há vários meses, porque não se avançou já para o regresso do comboio à Brunheda, regresso esse que não depende em absolutamente nada da trapalhada proposta para o percurso Tua/Brunheda?».
«Neste sentido, esta falta de discussão à volta tanto do número 40 milhões como da sua aplicação é muito alarmante – e atestatório da falta de transparência que tem patenteado esta obra», vinca.
O investigador do MIT Portugal, Eduardo Beira, considerou naquele encontro sobre o Tua que o plano multimodal proposto para o Tua, que junta o comboio, funicular ao barco, vai «permitir ressuscitar» a linha ferroviária do Tua.
Contudo, Daniel Conde tem muitas dúvidas: «as afirmações do professor Eduardo Beira revelaram um profundo desconhecimento sobre o que é a Linha do Tua, e sobre o que o Plano de Mobilidade sanciona sobre o seu futuro, e por conseguinte um notório desprezo pelas populações locais e utentes da Linha do Tua».
«Uma dessas afirmações, a do “ressuscitamento” da Linha do Tua, é de facto singular: chamar-se ao retalhamento de uma via-férrea de 126 anos, que viveu os últimos 30 anos sob uma gestão de destruição e asfixia, e que mesmo assim chegou ao cúmulo de em 2008 registar o único serviço regional em Portugal com mais procura que oferta, de “ressuscitar”, não é algo que ocorra a ninguém de bom senso – ou minimamente bem informado sobre o que está a falar», considera.
O responsável daquele Movimento não tem dúvidas: «o que ressuscitará a Linha do Tua será reabri-la da Brunheda a Bragança, e obrigar também a EDP a assumir o que foi registado no Caderno de Encargos e ainda no Estudo de Impacte Ambiental, e que doravante foi sendo completamente desvirtuado: construir uma linha nova entre a Brunheda e o Tua, no caso da barragem do Tua ser concluída».
Por isso adianta que, o que resolveria o «problema» seria, «em primeira instância, parar-se com este absurdo da barragem. Mas, uma vez não estarmos a viver um período da nossa História com uma governação séria e corajosa, e em se concluindo esta barragem, o que resolveria o problema seria a construção de um novo canal entre a estação do Tua e a Brunheda».
«O desnível entre a estação do Tua e o paredão pode ser vencido com recurso a essas banais técnicas das ferrovias de montanha do século XIX, de entre as quais o traçado em Z ou as chamadas “ferraduras”».
Problemas ambientais e paisagísticos persistem:
Os problemas ambientais e paisagísticos continuam a existir. «A barragem é igual, as medidas de salvaguarda iguais, o rio é o mesmo, a paisagem a mesma, as espécies de fauna e flora locais as mesmas. O resultado final não se alterará de uma devastação económico-social, paisagística e ambiental sem qualquer benefício que o justifique».
Recorde-se que a construção do Aproveitamento Hidroeléctrico de Foz Tua implica a submersão de parte da linha ferroviária do Tua. Para o Tua propõe-se agora um sistema multimodal, que começará pelo transporte ferroviário até à barragem, com subida do paredão através de um elevador panorâmico (funicular) e depois viagem de barco até à Brunheda, onde se entrará novamente no comboio até Mirandela.
Desde que foi anunciada a construção da barragem de Foz Tua, que os defensores da linha ferroviária têm feito tudo para impedir que a mesma avance. Argumentam que tal levará à destruição de paisagem do Douro Vinhateiro, considerada Património da Humanidade pela UNESCO e de uma linha centenária que é, para muitas populações transmontanas, uma via para o desenvolvimento e para a sua mobilidade.
Ana Clara
in:cafeportugal.net
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