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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Limites à integração política e religiosa das comunidades

Apesar do esforço multi-secular de integração político-cultural das comunidades nas grandes instituições político-hierárquicas dos Tempos Modernos, tal está longe de ser realizado. A concorrência entre as diversas ordens mais gerais de enquadramento e tutela das populações paroquiais – Monarquia, Igreja, Senhorios, Concelhos, ou locais, Paróquias, Confrarias, Eleitos e Vintaneiros –, por sua iniciativa ou adentro das ordens gerais em que se insere mais activamente, não deixaram de para tal concorrer. Aliás essa concorrência é estrutural, a esta Sociedade de Antigo Regime e fundamenta a sua natureza conflitiva.
São por isso imensos os espaços e territórios à margem e intersticiais a estes poderes e enquadramentos que exprimem marginalidades ou autonomias, como são também frequentes e regulares as manifestações passivas e activas de resistências à integração e morigeração.
No espaço paroquial, o quadro institucional de maior autonomia, parece-nos particularmente configurado na organização das irmandades e confrarias, de instituição canónica ou civil, que resistem mais não só à elitização social e à clericalização que percorre a Sociedade Política e a Sociedade Religiosa de Antigo Regime, mantendo neles uma forte participação social, mas também um campo forte de autonomia relativamente aos poderes civis e eclesiásticos. Tal deve sobretudo ser seguido nas confrarias de maior desenvolvimento e riqueza – as Misericordias e outras de grande expressão – onde tais tendências e características devem ser acompanhadas. Elas volver-se-ão aliás o principal suporte da religiosidade popular, que muitas vezes nasce e se afirma à margem da ordem e poder eclesiástico.
No que diz respeito à administração régio/concelhia, como se referiu, a integração da paróquia no concelho é limitada. Não há continuidades entre a ordem concelhia e a paroquial. Apesar da associação forçada às festas públicas/régias e concelhias, as resistências à participação concelhia das paróquias são enormes, medidas designadamente pelos volumes de encoimação municipal. O Regalismo acentuaria esta oposição. Aliás a realidade municipal, na memorialística de base paroquial, é uma realidade sempre muito ausente e até estranha. Por outro lado, a integração da aldeia, vizinhos e moradores, é uma integração promovida por via do imposto e dos serviços forçados à vila. A relação que se estabelece entre a vilacidade – sede do concelho – e suas elites governamentais, as relações entre os privilegiados da sede dos concelhos e os rústicos, colonos, devassas do termo, é de natureza senhorial/fiscal. 
Institucionalmente esta separação vai marcada na dificuldade de nomear oficiais nas freguesias para exercer as funções municipais, que caiem nos mais indefesos e desclassificados. Agora no século XVIII, por efeito da marcha do município para a senhorialização e por efeito da privatização dos baldios, agravam-se ainda mais as relações entre as comunidades de moradores e as camaras. Pombal intentou regularizar e promover a participação rotativa de toda a população da paróquia, sem escusa de privilegios. Mas os resultados foram limitados, abandonados depois de 1777. Mais tarde, no tempo de D. Maria I, implementar-se-iam nalguns pontos as figuras dos Comissários e Zeladores de Polícia, dependentes directamente da Intendência Geral.
A conflitividade, a contestação legal e violenta a esta dinâmica senhorial e individualista ganha forte desenvolvimento ao longo da 2.ª metade do século XVIII e explode em revoltas, motins, mas sobretudo em inumeráveis pendências judiciais, junto dos poderes e autoridades civis e eclesiásticas. Em socorro dos povos contra esta ofensiva municipal e senhorial tem que vir os poderes régios, que o fazem de modo crescente, com Pombal, na imposição da ordem legal e judicial pública. Que se exprime localmente na actuação mais interventiva dos magistrados, em especial dos mais ilustrados e adentro do Espírito Público da legislação régia. É significativa a intensidade do recurso dos povos às sentenças de Capítulos dos corregedores ao longo do período pombalino – mas tal intensificação vem de antes – em busca de justiça e defesa de direitos, quase sempre em defesa de direitos colectivos, apropriados ou ameaçados. E é também significativo o sentido da intervenção dos corregedores em prol da participação da defesa do comum e defesa dos povos contra os poderes, municipal e judicial, locais.
No que diz respeito à ordem eclesial e religiosa, os obstáculos a uma maior integração, vem como se disse do ordenamento régio e acção regalista que se vem interpor no seio da ordem e hierarquia eclesiástica. Mas a articulação natural das paróquias, a seus Ordinários e Bispados, nunca esteve em causa, ainda que a actividade correctora e morigeradora eclesiástico-religiosa sofra com a redução do papel e espaço de intervenção do Direito eclesiástico, do Direito Canónico, com a extinção de alguns privilégios, com a redução da acção visitacional. E em resultado disso os párocos viram a sua acção cada vez mais enquadrada na ajuda ao braço civil na correcção e morigeração dos povos, invertendo-se a situações do passado, o apoio de braço civil aos eclesiásticos. 
A quebra do foro eclesiástico pós 1769-1772 acentuou por todo o lado a perda da jurisdição e ordem eclesiástica, e dificuldades crescentes ao exercício de direitos temporais e cobrança de direitos eclesiásticos e paroquiais que a Lei Testamentária de 1769 acentuaria em grande dimensão. Mas este é um quadro com desenvolvimentos na fase posterior à redacção das Memórias Paroquiais de 1758.
No essencial, por então, a expressão de maior «marginalidade» das populações paroquiais relativamente às autoridades e normativas paroquiais e eclesiásticas prende-se sobretudo com questões da prática sacramental, religiosa e devocional. Que apesar da concorrência civil e eclesiástica para o seu envolvimento, continua a mostrar-se débil de resultados, como aliás o teor das pastorais denuncia. Tal acarretaria necessariamente a definição de um novo quadro de actuação paroquial da Igreja e seus Bispos, a visita pessoal, e a pregação e a catequização mais amplamente popular, a que faltam agora os meios de correcção penal. Tal teria na diocese bracarense o seu primeiro e principal apóstolo em D. Frei Caetano Brandão logo a partir da sua chegada à diocese (1790).
Apesar de todo este movimento e esforço eclesiástico e paroquial, a vida paroquial e a religiosidade popular só lentamente se afastarão do fundo antigo, pagão e naturalista, anterior e marginal à «aculturação» religiosa e eclesial, apesar de particularmente inspeccionados e objecto de correcção nas Visitas, Inquéritos e Devassas produzidos nas Visitações anuais. As Memórias Paroquiais mostram-nos ainda, uma vida social e paroquial, em muitas partes, muito desviada das orientações da igreja, confirmando dados visitacionais. Pelo estudo destas fontes visitacionais, tem sido possível fixar, com efeito, os principais «pecados públicos» ou desvios da sociedade paroquial e também do seu clero que exprime aspectos de forte arcaísmo nos costumes, na vida social, conjugal, sexual, familiar, religiosa… que a igreja e a hierarquia não integrou ainda na norma e padrão de conduta. Nas Memórias Paroquiais (de 1758) apesar da ideia geral que delas emana, que é a de uma comunidade fortemente integrada na ordem régia (do Estado), ou da Igreja (sobretudo nesta) não deixam de quando em vez, se referir manifestações sociais que conflituam com o ordenamento e orientação religiosas, ainda que se promovam muitas delas adentro daqueles actos religiosos. 
São as descrições de inúmeras festas, romarias, votos e clamores que escapam completamente ao controlo da ordem eclesiástica e são ocasião de «abusos», «desregramentos», «pecados» na linguagem dos párocos memorialistas, relativamente aos quais as Pastorais dos Bispos intentaram pôr ordem. São ainda as aparições e os milagres – que mais raros pelo tempo da redacção das Memórias – não deixam de aí ser relatados como expressão de criação popular e até de «resgate» de cultos e devoções à Igreja e enquadramento eclesiástico-paroquial. Sinal de que apesar de todo o esforço reformista católico, da enorme concentração de baterias persecutórias nesta etapa barroca e cristã do século XVI a meados do século XVIII, a Igreja e a sua hierarquia ainda não tinham por completo varrido aquelas práticas e tradições da cultura e religiosidade tradicional, nalguns pontos fortemente arreigada, nas populações. Realizações mais concretas serão só efectuadas no ciclo que se lhe sucede: na etapa do Iluminismo em que a Ilustração católica e a Ilustração laica se conjugarão – sob o signo do Racionalismo e do Regalismo – para combater aquelas formas ditas irracionais e obscuras de prática religiosa, cultura e costumes. 
Neste contexto e período histórico, o culto e a devoção de alguns santos, será também objecto de estudo crítico e muitas vezes de revisão, colocando-se frequentes vezes em causa santos e devoções que o racionalismo crítico histórico, a própria Ilustração Católica, porão em causa e «despejarão dos altares». A história ilustrada e crítica bracarense da 2.ª metade do século XVIII, passará a título de exemplo, ao crivo apertado da crítica, a série de bispos e santos primitivos da Igreja bracarense, entre eles a figura de S. Pedro de Rates. As Memórias Paroquiais escritas em 1758 pertencerão com efeito a um tempo em que se encerra aquele longo ciclo antigo e um novo se abre.

Memórias Paroquiais 1758

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