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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Uma História

Conceição não tinha medo. Não tinha tempo para ter medo. Corria o ano de 1950, numa pequeníssima aldeia de Trás-os-Montes. 
Cinco filhos, o homem e todo o trabalho da casa, do campo e os animais que criava, eram mais do que suficientes para a manter ocupada, sem tempo para respirar.
O marido, carpinteiro de profissão, não nutria grande amor pelas tarefas agrícolas e agarrava-se a todos os trabalhos que lhe apareciam, dedicando-lhes grande parte do seu tempo.
Apenas em determinados períodos do ano guardava as ferramentas e ajudava a mulher e os filhos mais velhos na dura lida das terras. O facto é que era necessário ganhar dinheiro já que as despesas eram muitas e diversas.
Os filhos mais velhos, rapazolas, frequentaram a escola até à terceira classe, que mais não havia. Os três mais novos já usufruíam da possibilidade de fazer a quarta classe e a rapariga ia estudar para Bragança.
Desde que os dois mais velhos começaram a ajudar a mãe as coisas haviam melhorado significativamente.
Era uma casa de muita lida. Conceição não tinha senão que orientar os filhos e trabalhar com eles.
André e Pedro, dezanove e dezasseis anos, eram a força e a energia daquela casa. Manuel e Alberto, com treze e dez anos trabalhavam com os irmãos e a mãe, como gente grande, e via-se o fruto do esforço de todos. A menina, Ana, com quatro anos, era a alegria da casa e o ai jesus dos pais e irmãos, que não se cansavam de lhe fazer as vontades.
Era uma família normal, se a normalidade pode ser um exemplo de boa educação, trabalho, esforço e respeito por todos e por si próprios. A família era referida como um exemplo a seguir, não sem uma pontinha de inveja.
Os tempos da pouca sorte eram uma recordação má, embora distante. Agora tudo fluía como um rio, que serenamente corre para o mar. Não havia descanso nem momentos de ociosidade. Era necessário desbravar os montes e das pedras fazer terra boa. Não havia desculpas para a preguiça. Não havia desculpas para a inércia.
Joaquim, pai orgulhoso e austero, não permitia leviandades e fazia jus ao nome que havia herdado dos antepassados. Tinham sido donos de muitas terras e algum património e, embora tivessem sofrido reveses impossíveis de prever, mantinham o orgulho e a inteligência de não desistir de lutar. Incutia na prole o valor da honra e da justiça, o orgulho do nome e a certeza de que as coisas só poderiam melhorar.
Aos poucos, foi comprando o que tinha sido obrigado a vender ao longo dos anos. Sabia que muito desse desígnio se devia à mulher e aos filhos. A sua arte, embora rendesse, não era o suficiente.
Começava a respirar com algum desafogo e podia pensar em dar um curso à sua única filha. Os rapazes, infelizmente, teriam de se contentar com o que o trabalho árduo do campo lhes pudesse facultar. Inteligentes e trabalhadores como eram, não tardariam a arranjar forma de continuarem a aumentar o património da família.
Sabia que tinha casado com uma mulher que, embora franzina e frágil, era dona da mais profunda e inabalável tenacidade que aliava a uma imensa inteligência. Ninguém a superava. Ninguém se atrevia a desobedecer às suas ordens que mais pareciam carícias. Ninguém ficava indiferente à sua educação e bom senso.
Filha mais nova de uma das melhores famílias de Cidões, fora educada para o trabalho que, naquele tempo, só os muito ricos podiam estudar.
Depois do casamento, acompanhou o marido. Foi acolhida com desconfiança pelas outras mulheres. Não se deu ao trabalho de pensar no assunto. Meteu-se na sua vida, lutou por ela.
Trabalhou até ao dia em que foi mãe pela primeira vez. Não foi um parto difícil pois ela não o permitiu. A parteira não lhe ouviu um ai. Sofreu o momento com a esperança de dias melhores a brilhar-lhe no azul acinzentado do olhar. Sabia que viriam e a essa expectativa se agarrou. Continuou a trabalhar todos os dias depois de um brevíssimo repouso. Durante esse período contou com o apoio da mãe e da tia Clemência que vieram propositadamente para cuidar dela e do bebé.
As duas mulheres impressionaram-se com a pobreza que grassava naquela casa. O essencial era uma miragem. O mínimo indispensável não existia. Vieram munidas do que entenderam necessário e ainda bem que o fizeram. Perguntavam-se como pudera Conceição, ter-se adaptado àquela vida de tantos sacrifícios… como seria a partir de agora? E a criança?    
Joaquim, habituado a uma vida confortável, entristecia pela sorte aziaga que os perseguia desde que se haviam casado e arrenegava aquele povo da sua aldeia que não trabalhava e nem fazia nada para melhorar a sua situação.
Não tinha mais a quem recorrer e não se sentia capaz de incomodar o sogro novamente. Devia-lhe o dinheiro da parelha de vacas que lhe haviam morrido sem que ninguém conseguisse entender o porquê. Sabia que não há mal que sempre dure e ansiava por dias melhores. O menino era saudável, Graças a Deus, Nosso Senhor, embora franzino. Tinha de arranjar maneira de alimentar convenientemente a mulher para que pudesse amamentar o filho.
O curto período de repouso pós-parto acabou. Recebeu a visita do pai, orgulhoso do neto a quem haviam dado o seu nome e trouxe com ele a herança da filha. Mais valia dar-lha agora que a precisava, do que quando já não lhe fizesse falta.
Ao saber disso, o jovem casal viveu um corrupio de emoções desencontradas. Apetecia-lhe chorar, ao mesmo tempo que se riam. Sentavam-se e levantavam-se como se impulsionados por uma mola. Queriam agradecer mas faltavam as palavras e abundavam as lágrimas.
O senhor André Pires teve, então, a certeza de haver tomado a decisão correta. Aquela sua menina, era a luz dos seus olhos, a sua preferida, embora não o admitisse. Sabia do seu valor, da sua força e coragem, da sua audácia. Tinha a convicção de que saberia rentabilizar o dinheiro e que o multiplicaria. Ali começava o seu futuro e o futuro dos filhos que viesse a ter.
O genro era bom rapaz, de boas famílias, muito sofrido e maltratado pela vida. Tinha sido dono de uma boa fortuna que outros haviam desbaratado. Ficara órfão de pai e mãe muito cedo e os tutores fizeram seus os haveres que lhe pertenciam por direito.

Depois de André, os outros filhos, sequencialmente, de três em três anos. Só a menina se fez esperar mais e quando chegou, invadiu-lhe a vida como se de um sol radioso se tratasse.

Mara Cepeda
in:nordestecomcarinho.blogspot.pt

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