Opinião |
Armando Fernandes |
Acostumei-me a ouvi-lo enquanto ele observava e comentava o vaivém na Praça, agudo, certeiro, tinha o condão de antecipar o fim de uma qualquer história que tivesse tido eco ou vislumbrasse. Sempre que voltava à cidade, via-o, normalmente, devido a comprar jornais no quiosque vizinho.
Cumprimentava-me como se tivéssemos estado juntos no dia anterior, a troca de opiniões animada de imediato proporcionava-me alegria, no mais ficava com a sensação de a profissão lhe ter dado a virtude de acumular referências cuja matriz era a chapa. Ele registou pessoas, actos e evoluções ao longo de dezenas de anos a darem-lhe lugar na história recente da cidade.
A Susan Sontag gostaria de ter falado com ele, a célebre autora de On Photography, seguramente, obrigava-o a revelar o segredo da expressividade que colocou em muitos registos. Não sei se os seus arquivos estão inventariados e classificados, desconheço se a denominada massa crítica da cidade alguma vez se interessou pela sua obra, se calhar nunca recebeu a homenagem que bem merece e nunca foi alvo da exposição reveladora do seu talento. Goste-se ou não, ele fotografou tudo o que lhe deu na real gana, a concorrência quando surgiu não o atiçou, continuou a preferir o esmero à pressa, no global apanhava pormenores de notável sensibilidade e ferino humor. Se duvidam tentem ler as fotografias que tirou aos Presidentes da República, a dignitários de todos os talantes, se o fizeram encontrarão o pormenor que faz dele um artista e não mero registador de cenas.
Uma fotografia tirada na Rua Marquês de Pombal a Américo Tomás envolto num remoinho de papelinhos é disso claro paradigma. Não deixem cair na obscuridade o Sr. Ricardo.
Armando Fernandes
PS. À atenção da Academia de Letras.
in:mdb.pt
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