(colaborador do Memórias...e outras coisas...)
- Mãe, França ainda é muito longe?
- Não, minha filha é logo ali...até parece que já ouço o teu pai a falar...
Dizia para a filha, a Maria do Carmo, mulher valente, de olhos grandes e cabelos negros como a noite em que um dia de maior saudade, pegou na filha ao colo, embrulhou um cibo de presunto num rodilho e sem mais delongas se entregou nas mãos dum passador.
Maria do Carmo estava cansada dos sorrisos untados do Sr. Almeidinha dos Castiçais, um homem gordo como uma bola, amparando a barriga no desconforto dum cinto que ameaçava rebentar a qualquer momento. O Sr. Almeida tinha uma camioneta, muita fazenda e conhecimentos em Bragança.
- Então, Maria do Carmo, não queres vir à feira?!...
Dizia o Almeida, num sorriso palerma como quem tem a boca na dimensão exacta da distância das duas orelhas.
- Bem precisava, Sr. Almeidinha, não sou capaz de arranjar um papel que o meu homem me pediu, das Finanças...
- Pois anda daí mulher! Tu não sabes que eu conheço tudo em Bragança?
O tempo passou nesta espera do emigrante em terras de França. Favores, atrás de favores e Maria do Carmo, numa noite do diabo e pouca sorte, viu-se perdida nos braços redondos do Sr. Almeida. O homem suava como se todo o unto da sua barriga derretesse a qualquer momento, procurando avidamente a boca vermelha da mulher, fêmea comprada com mil favores. Maria do Carmo, sentiu nojo, abriu os olhos que permaneciam cerrados no pavor do macho horrendo e informe. Como quem acorda dum pesadelo, apertou o botão da blusa, semi-aberta, onde se desenhava um seio redondo de mulher transmontana e num rompante de coragem foge para casa do primeiro passador que encontrou, homem rude e de má fama.
Agora lá estava no aconchego da capelinha da Senhora da Ribeira, perto de Quintanilha, senhora meiga, sempre a guardar as poldras do rio Maçãs, caminho inseguro para o outro lado da fronteira.
O passador não aconselhava, numa espera de três dias, a aventura de se fazerem às poldras, pois os Carabineiros no conforto da lua cheia e de dias claros, não arredavam pé como quem está fascinado pelas águas amenas do rio.
- Que fadário terão os Carabineiros com o rio...
Comentava o passador, naquele mastigar constante dum palito ao canto da boca. Depois, franzia um olho, afagava o bigode espesso e tossia na inquietação da infindável espera.
- Mãe, França ainda é muito longe?
- Não minha filha, é já ali...já ouço o teu pai.
O fastio da recordação do Sr. Almeidinha dos Castiçais mais lhe aguçava o ouvido, afagado pelas gralhas que mansamente se acoitavam nas proximidades da capela.
O passador...pensou, naquele trejeito de quem há muito perdeu os sentimentos no drama imenso da saga da emigração e comentou taciturnamente:
- É verdade rapariga...França é logo ali...e já nem precisamos de passar as poldras. Vamos subir aquele monte, mal se esconda a lua e depois, é só caminhar, num piso maneirinho que até dá gosto e França é logo ali.
Já os galos cantavam quando o passador apontou uma placa colocada discretamente na berma da estrada:
- Vês rapariga, o que lês naquela placa?!...
- FRANÇA!...
Disse Maria do Carmo numa expressão de alegria e alívio. Depois, aquela placa era igualzinha à placa da sua aldeia, por isso França, não era nada do outro mundo e em breve estaria a descansar no afago dum beijo do seu homem.
- Adeus rapariga!...vamos a contas...
Maria do Carmo contou dez notas de conto, já tinha pago outras dez e como quem cumpre um dever despediu-se reconhecidamente do passador.
Pouco tempo depois começaram a passar carros carregados de feno e Maria do Carmo pode então ver no esplendor dum dia cálido de Verão a aldeia de França, sobranceira ao rio e bem perto de Bragança.
Uma velha penosamente aproximava-se e como uma mãe desconsolada, logo entendeu a história, cem vezes repetida, desta mulher de emigrante.
Então, levou-a para casa, fez-lhe umas sopas de ovo e deitou-a, a ela e à filha, no melhor quarto da casa que também era de outra filha, da sua filha que se gastava pelas terras da Alemanha.
Publicou com assiduidade artigos de opinião e literários em vários Jornais. Foi diretor da revista cultural e etnográfica “Amigos de Bragança”.
Sem comentários:
Enviar um comentário