OPINIÃO
Gustavo Cardoso |
É hoje muito difícil convencer alguém a votar por um partido ou contra outro porque a tradicional baixa credibilidade partidária, por culpa dos próprios protagonistas políticos, está hoje ainda mais exacerbada.
A consequência é que as próximas legislativas serão, provavelmente, ganhas em função de qual dos partidos e coligações perderão menos potenciais eleitores e não de quantos eleitores conseguirá convencer a ir votar no dia 4 de Outubro.
Fica portanto a pergunta: votar para quê? E em quem? Se a pergunta me fosse dirigida recusaria a responder "em quem", porque essa deve ser uma escolha forte e pessoal, mas não tenho dúvidas quanto à resposta sobre "para quê".
A um mês das eleições legislativas, a resposta sobre como começar a mudança passa certamente por novas formas de olhar para velhos problemas e por colocar em cima da mesa negocial novas soluções.
Votar para quê? Porque precisamos mudar o que hoje somos como sociedade. Uma sociedade que nos últimos anos assistiu a uma queda generalizada dos rendimentos, excepto para uma pequena minoria. Votar porque hoje temos menos empresas nacionais capazes de gerar emprego e mais trabalhadores independentes, que fazem uma ginástica impossível para chegarem até ao fim do mês.
Votar porque o nosso nível de endividamento não deixou ainda de crescer desde que a crise passou a ser gerida com a "ajuda" externa.
A situação que hoje vivemos não é fácil, mas o pior que nos poderia acontecer neste momento seria darmo-nos por vencidos e adoptar um modelo assente na precariedade laboral para os portugueses.
Precisamos de abandonar um mau caminho, que começou antes da crise global de 2008, mas que ainda se tornou mais prejudicial com a intervenção estrangeira e com a fraca capacidade de liderança e de gestão da crise em Portugal.
Votar para que depois do pântano do início do novo século e da tanga apregoada por Durão Barroso, possamos agora abandonar o buraco onde caímos. Um buraco para o qual a saída não pode passar pela perda de direitos, e pela competitividade baseada na diminuição da qualidade de vida.
Votar para que possamos sair deste buraco centrando todos os nossos esforços num processo de reindustrialização assente na procura interna mas, igualmente, dirigido para os mercados externos.
Votar para que possamos mudar e iniciar um longo e árduo caminho que nos afaste da periferia da Europa, pois essa é a única forma de quebrar um circulo vicioso que nos remete para uma União a várias velocidades.
Votar porque nos últimos anos emigrámos a nossa ciência e tecnologia. Votar para inverter as condições que criámos para que os nossos cientistas e investigadores tivessem de abandonar a nossa ciência, passando a fazer a ciência dos outros países europeus.
Votar porque precisamos de uma política económica séria, uma economia dirigida ao bem comum, uma economia assente na translação de conhecimento científico, uma economia verde e não uma economia de trabalho precário e dirigida para os ganhos de uma muito pequena minoria.
Votar porque precisamos de um plano público para empreendedores para que haja de facto um financiamento dirigido ao empreendedorismo e não apenas bancos que só financiam a construção e venda de casas, cartões de crédito e empréstimos para consumo.
Votar porque precisamos de promover a nossa soberania através do software, apoiando as empresas nacionais que invistam nessa área hoje central a tudo o que fazemos.
Votar para que possamos alterar as prioridades fiscais do país, tornando a fiscalidade mais preocupada com os cidadãos e em adaptar o IVA ao seu dia-a-dia (e não ao dia-a-dia de quem não vive a vida da classe média e dos cidadãos de menores rendimentos).
Votar porque a recuperação económica passa por aumentar o rendimento disponível dos cidadãos e não pela baixa do IRC das maiores empresas (as quais muitas vezes nem sequer são patriotas na sua domiciliação fiscal nem na sua criação de emprego).
Votar porque a recuperação económica passa também pela recuperação da dignidade económica de um país. Quantos meses, ou anos, necessitaria um trabalhador médio português para atingir o salário recebido em algumas administrações de empresas privadas e públicas portuguesas, ou dos reguladores de diferentes sectores económicos?
Votar porque a enorme desigualdade salarial entre homens e mulheres e entre cargos de topo e os restantes trabalhadores tem de ser reduzida. O preço a pagar por não o fazer será uma recuperação económica em debilidade permanente e a ausência de dignidade em Portugal.
Votar porque não podemos continuar a ter um país em que os riscos de pobreza, e o número de população em pobreza, continuem a aumentar. Precisamos assegurar que não seremos, a breve trecho, um país onde a saúde e a esperança de vida dos cidadãos dependa do local onde se habita, onde se apanha transportes públicos ou de onde se estuda ou trabalha.
Votar porque precisamos de assegurar o financiamento de uma educação e saúde públicas e de assegurar que pequenos e médios empresários não caiam na exclusão social após um desaire económico dos seus investimentos produtivos.
Votar para que seja possível uma mudança assente na justiça social, na dignidade e na soberania dos cidadãos.
Uma mudança que precisa dos que perderam o trabalho nos últimos anos, dos que foram obrigados a emigrar, das famílias despojadas dos seus rendimentos sem dinheiro para chegar até ao fim do mês, dos empresários que fazem milagres para manter o seu negócio, dos trabalhadores independentes e dos trabalhadores precários, dos trabalhadores públicos fartos de que se expolie e privatize o que é de todos, das forças de segurança e dos militares que também viram as suas condições de vida regredir, dos pensionistas, dos estudantes, de todos aqueles que sentem a sua dignidade posta em causa e que acreditam na democracia e na mudança.
É por tudo isto que importa votar. É, por tudo isto, que é preciso e possível mudar para que não mais nos digam que Portugal é um pântano, que estamos de tanga ou que é aceitável vender um país até não mais ser possível abandonar o buraco que cavaram para nós. Votar em quem? Em quem se acreditar que traga esta mudança.
Professor Catedrático do ISCTE-IUL, em Lisboa, e investigador do College d'Études Mondiales na FMSH, em Paris
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