Podia ter sido corista. Era na Igreja onde melhor se sentia a cantar. Depois de casar essa vida parou, diz. “Quando passava na Praça olhava prá Igreja, chegavam-me aquelas saudades porque já não podia ir. Tinha outra vida já não podia ir, e depois olhava prá Igreja até se me soltavam as lágrimas”. O peso da dificuldade dos tempos poucas vezes deixava chegar aos sonhos e os caminhos eram por onde se pudesse ganhar “algum” para pôr comida na mesa e ver os filhos criados. Eram estes os dias, aos quais a maioria não podia fugir.
Maria Morgado é dos tempos difíceis. De não existir água e ainda assim ter que fazer todas as lides da casa. “Naquele tempo de Inverno eram as geadas, a água gelava-se no ribeiro, tinha que a gente andar a bater pra desfazer o gelo, pra podermos lavar”. As dificuldades que lhe ficaram daquela época não deixam que se esqueça, nunca, do Senhor Almirante Sarmento Rodrigues como um grande benemérito “que trouxe a água para a sua terra”.
Hoje, aos 80 anos, as saudades de cantar são as mesmas e para que não esqueça vai dizendo umas recitas:
Meu pai, minha mãe
eu já não sou pequenina
vou à escola tão bem
porque há lá muita menina
Vamos contentes
Vamos estudar
Vamos à escola
A aprender a falar
Vamos que o dia
Nasceu mesmo agora
E pra lá chegar
É mais de uma hora
Diz com algum aperto que “antigamente não havia nada e hoje há tudo”. As distrações do trabalho eram livres, sem amarras. “Subíamos à torre, sem medo e eram assim as nossas brincadeiras”. Hoje vê que as mocidades são diferentes. Mas da sua nunca se esqueceu e diz que sempre que “o coração lhe puxar” irá continuar a cantar.
(abril de 2015)
Joana Vargas
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