Mesmo depois das alterações anunciadas nesta terça-feira pela ministra da Justiça, Francisca van Dunem, ao mapa judiciário, e que incluem a reactivação dos 20 tribunais encerrados em 2014, 282 mil pessoas ainda ficarão a mais de uma hora de distância de um tribunal de família.
Quer as reaberturas quer as restantes medidas destinadas a “corrigir os défices de proximidade” do actual sistema de organização, como diz a governante, só entrarão em vigor no final de Janeiro de 2017. Nalguns casos pontuais a reabertura poderá ser deixada para mais tarde, por dificuldades logísticas.
Os tribunais reactivados não terão juiz residente e apenas contarão com um funcionário judicial em permanência. Merecerão mesmo esta designação, em vez da de balcões de atendimento? Francisca van Dunem acha que sim, até porque os oficiais de justiça terão a ajudá-los, nos casos em que se justifique, funcionários administrativos cedidos pelas autarquias. Em matéria de terminologia, de resto, ainda nem todas as decisões estão tomadas. A governante não avançou que nome vai dar nem a esta vintena de tribunais, nem às chamadas secções de proximidade, que transitam do modelo actualmente em funcionamento — sendo certo que “secções de proximidade” é terminologia que tenciona abolir, por entender que “desvaloriza muito a função do tribunal”. Trata-se de 27 tribunais que tinham sido desqualificados há ano e meio e transformados numa espécie de balcões de atendimento.
Mas as mudanças de nomenclatura dos tribunais — que, em vários casos, tinham perdido a própria palavra “tribunal” para se passarem a designar instâncias — não se circunscrevem às secções de proximidade. A ministra disse que as designações actuais se prestam a grandes equívocos, tendo levado utentes a percorrer dezenas de quilómetros até perceberem que se tinham deslocado ao local errado. Por isso, vão ser simplificadas.
Além de julgamentos, nos tribunais fechados desde Setembro de 2014 serão realizados outros actos judiciais, como inquirição de testemunhas — que, “sempre que se justifique, podem ocorrer por videoconferência”. Serão espaços “onde os cidadãos podem ter acesso a informação, requerer o registo criminal e entregar requerimentos ou petições relativos a processos que estejam a decorrer em qualquer ponto da comarca”, como já acontecia até agora nas secções de proximidade.
“A reforma deixou uma mancha significativa de áreas interiores e periféricas sem efectiva presença judicial”, criticou Francisca van Dunem, explicando que com a reforma da sua antecessora, Paula Teixeira da Cruz, houve 119 mil pessoas que ficaram a mais de 60 minutos de distância de um tribunal com competência para julgar crimes. “Não se pode, a um tempo falar de protecção dos idosos e de promoção de uma justiça amiga de crianças e dos jovens e, simultaneamente, afastar a justiça de muitos idosos e de um número considerável de famílias com filhos menores”, observou. Para Francisca van Dunem, “num território já de si assimétrico, com um interior desertificado e envelhecido, o modelo de concentração” escolhido pelo Governo PSD/CDS “fragilizou ainda mais a coesão territorial e privou populações a quem pouco resta da presença simbólica do Estado” na aplicação da justiça.
Bragança, Viseu, Portalegre, Leiria e Viana do Castelo são os cinco distritos que van Dunem garantiu que irão beneficiar das transformações que, segundo o Ministério da Justiça, custarão meio milhão de euros.
A partir de Janeiro de 2017, a prática de actos judiciais nas chamadas secções de proximidade tornar-se-á obrigatória. “Como era expectável, essas secções foram-se transformando em meras antenas judiciais, destinadas a prestar informações. Com utilidade em muitos casos; noutros, com vantagens menos evidentes”, descreveu a governante. A realização de julgamentos nestes 27 locais tornou-se, na esmagadora maioria dos casos, facultativa, ficando ao critério dos juízes.
Nenhum dos 47 tribunais, os que serão reabertos e as secções de proximidade, que ficarão na mesma categoria dos primeiros, terão competência plena, admitiu a ministra: “Funcionarão como dantes funcionavam as comarcas agregadas”, porque “o Estado não pode pôr um tribunal à porta de cada cidadão, mas tem a obrigação de garantir o acesso de todos à justiça nas mesmas condições”.
Nos tribunais reactivados passarão a ter lugar pelo menos os julgamentos dos crimes puníveis com penas até cinco anos. Mas não crimes mais graves, uma vez que isso obrigaria, na opinião da ministra, a uma grande alteração da actual organização judiciária, implicando ainda “recursos humanos e materiais que seriam muito difíceis de alocar”.
Já nos tribunais de família e menores serão levados a cabo, em sete casos, desdobramentos das secções centrais. E 30 tribunais locais passam a ter competências nesta matéria, seis deles no distrito de Viseu e quatro no de Coimbra. O critério foi o das comarcas em que a distância entre a sede do município e o local onde se encontra sediado o tribunal seja superior a 30 quilómetros e em que tenham sido identificadas dificuldades de transporte das populações — embora se admita que continuem a existir casos em que este critério vai continuar por cumprir.
Desde Setembro de 2014 que 606.453 pessoas (6% da população nacional) ficaram a mais de uma hora de distância de um tribunal de família e menores. Com o alargamento da rede, apenas 282.177 pessoas ficarão a mais de uma hora de distância, apontam os dados coligidos pelo Ministério da Justiça. Para avaliar a situação actual e o impacto das alterações a que se propõe, o ministério socorreu-se de uma ferramenta informática de informação geográfica construída com o apoio da Nova Information Management School da Universidade Nova de Lisboa, que permite calcular a distância e o tempo entre as diversas freguesias e os tribunais que as servem.
Ministra admite dificuldades
Van Dunem não escamoteou as dificuldades que esta reorganização vai colocar quer ao nível dos magistrados, especialmente procuradores, quer dos funcionários judiciais, pela escassez de uns e de outros. Está em negociações com o Ministério das Finanças para “resolver questões relacionadas com a carreira” destes últimos.
As mudanças não ficarão, porém, por aqui. “Em 2017, quando a lei da reorganização judiciária fizer três anos, iremos fazer nova avaliação”, anunciou. A excessiva concentração de processos nalgumas secções dos tribunais das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto deverá originar novos desdobramentos não só em matéria de acções executivas, o nome dado aos processos destinados à cobrança de dívidas, como a modificações nos tribunais do comércio e do trabalho. Por outro lado, as localizações de alguns tribunais “não são as mais apropriadas, tendo em conta os municípios em que se inserem”, adiantou a governante.
Correio da Manhã
Sem comentários:
Enviar um comentário