segunda-feira, 23 de julho de 2018

A economia de Bragança durante o Estado Novo (1926-1974)

Ao contrário da Primeira República, o Estado Novo interveio na economia, através de uma política de protecionismo e de dirigismo. Apoiou-se nas elites rurais, detentoras dos lugares cimeiros do Estado, que desiludidas com o liberalismo da Primeira República e receosas da emergente ameaça socialista, optaram pelo corporativismo.

Com o final da grande crise mundial de 1929, o corporativismo foi alcandorado a ideologia do Estado em vários países – Itália, Portugal, Espanha e França – sempre apoiado por uma parte importante das elites agrárias que facilmente esqueceram a componente anti-estatal do modelo ideológico original. Foi aliás este casamento entre Estado e proprietários rurais que permitiu algum sucesso ao modelo corporativo em Portugal, ao contrário do ocorrido nos outros setores de atividade. Lembre-se que, para Salazar, o ruralismo era “uma virtude, uma riqueza, uma honra devida ao passado histórico português”.
Com o lema “o trigo da nossa terra é a fronteira que melhor nos defende”, o Governo lançou as bases da organização da Campanha do Trigo para 1929-1930, tendo como objetivos principais:
• promover o aumento da produção do trigo até às necessidades do consumo, evitando a sua importação e consequente endividamento;
• dignificar a indústria agrícola como primeiro fator da prosperidade económica da Nação.
Definiram-se, como meios de ação, a assistência técnica e financeira, a organização de parques de material agrícola, a exploração direta de terrenos incultos, a concessão de facilidades para aquisição e escolha de adubos e sementes, demonstrações técnicas do uso de adubos, prémios e subsídios de cultura. Foi criado um subsídio de arroteia destinado a todos aqueles que produzissem trigo em terrenos incultos e vinhas, bem como a garantia de aquisição da produção a preço tabelado.
Embora se tenham conseguido aumentos da produção e até excedentes no ano favorável de 1932, a Campanha do Trigo foi responsável pela acentuada erosão de muitos solos de encosta. Refira-se que os acréscimos de produção foram conseguidos principalmente à custa do aumento da área cultivada e não do rendimento. Esta campanha levou a um intenso aproveitamento agrícola dos terrenos pobres. Abandonou-se quase por completo o tradicional sistema de rotação de culturas, deixando de se cumprir os prazos mínimos de pousio, o que provocou um esgotamento dos solos.
No dizer de Sidónio Pardal, “a estabilidade da paisagem foi, obviamente, afetada por essas vagas de arroteamento, conduzidas ao sabor da iniciativa individual de agricultores e proprietários sem qualquer planificação que atendesse às limitações de aptidão dos solos e às exigências do ordenamento da paisagem. Contudo, das campanhas cerealíferas interessa, essencialmente, reter não propriamente os efeitos de desestabilização ecológica mas o erro de duas políticas agrárias que apostaram no expansionismo da cultura extensiva e na conservação de relações sociais de produção humanamente insustentáveis”.
Para facilidade de análise, vamos dividir o período do Estado Novo em duas partes: de 1926 a 1950, englobando a Grande Depressão de 1929 e a 2.ª Guerra Mundial; e de 1950 a 1974, altura dos grandes movimentos migratórios que levaram milhares de bragançanos para outros destinos, dentro e fora do País.

Período de 1926-1950

Embora a agricultura concelhia continuasse a ser o grande setor de atividade, ocupando uma média de 67% de ativos, era no entanto responsável por uma situação de verdadeiro atraso económico da região. Com uma estrutura fundiária desequilibrada, pouco ou nada se modernizou em relação a períodos anteriores, muito por causa da impreparação técnica e cultural da maioria dos seus responsáveis. É bom lembrar que no Concelho de Bragança, em 1940, havia 67,3% de analfabetos.
A fragmentação das explorações agrícolas traduziu-se em blocos, entendendo-se por tal o número de parcelas que no seu conjunto formavam uma exploração, necessariamente afastadas umas das outras. Neste período temporal agravou-se o parcelamento da propriedade em Bragança (Gráfico n.º 22), já de si exageradamente elevado aquando da 1.ª República.
Como decorre do Gráfico n.º 22, o Concelho de Bragança apresentava uma elevadíssima percentagem de explorações agrícolas com seis e mais blocos, quer quando comparada com a média do Distrito, quer em relação à média do Continente, o que pressupõe uma certa tendência para a inviabilidade económica das empresas assim compostas.
O centeio continuou a ser a principal cultura, com fracos rendimentos por hectare. No dizer de Águedo de Oliveira, “sabe-se que o rendimento normal da cultura, por hectare, se situa pelos 1 900 kg. No Concelho de Bragança esse rendimento foi de 1 080 kg em 1942, 722 kg em 1943, 597 kg em 1944, 562 kg em 1945 e 720 kg em 1946”.

Na origem destas baixas produtividades estão não só razões que se prendem com o fraco desenvolvimento tecnológico da agricultura concelhia, mas também com a Campanha do Trigo, que retirou à cultura do centeio algumas das terras que lhe estavam afetas, ficando apenas com as pouco profundas e delgadas. O preço do centeio variava em função da conjuntura interna e externa. Nos anos da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) houve uma acentuada subida dos preços dado o aumento de procura verificado, descendo a partir daí, para flutuarem sem grandes oscilações de 1947 a 1950 (Gráfico n.º 24).
A Campanha do Trigo fez aumentar a área de cultivo no Concelho, à custa do desvio de terrenos até então alocados ao centeio, como já dissemos, e ao aproveitamento de alguns incultos. De 1929 a 1940, houve um aumento médio de 7,4% da área cultivada. A este aumento correspondeu também um incremento da produtividade, motivado pela assistência técnica que foi dada aos agricultores, pela introdução de alguma maquinaria agrícola e pela utilização de sementes mais adequadas às condições edafoclimáticas existentes.
Com este pano de fundo – aumentos da área cultivada e da produtividade e garantia por parte do Estado da aquisição e escoamento da produção a preços tabelados e compensadores para os produtores –, verificou-se um acentuado incremento da produção de trigo ao longo dos anos de 1927 a 1949 (Gráfico n.º 25).

Da análise do gráfico n.º 25, é possível vislumbrar dois aspetos de fundamental importância:
• em apenas seis anos, de 1927 a 1933, período inicial da Campanha do Trigo, a produção cresceu um pouco mais de 60%;
• nos vinte e dois anos que vão de 1927 a 1949, com a campanha do trigo já em velocidade de cruzeiro, a produção aumentou 88%.
Para garantir o sucesso da Campanha do Trigo, o Governo cria, em 1932, um organismo de coordenação económica – a Federação Nacional dos Produtores de Trigo (FNPT) – destinado a garantir o escoamento das produções a preços subsidiados. O Concelho exporta, para além de trigo em grão, farinha transformada em unidades empresariais familiares, de pequena/média dimensão, de entre as quais a Mariano & Cª Lda, que viria posteriormente a deslocalizar-se para um concelho contíguo, e a Afonso Lopes & Cª Lda, surgida em 1928, e que ainda hoje mantém uma atividade normal, vendendo farinha e farelo para vários pontos do País.
A cultura do milho continuou com reduzida expressão, sendo o seu peso diminuto na agricultura do Concelho. Cereal destinado sobretudo à alimentação do gado, viu aumentar a sua importância ao longo dos anos da Segunda Guerra Mundial, dada a utilização da farinha para fabrico de pão (Gráfico n.º 26).

Não admira assim que nesse período tivesse um crescimento assinalável, chegando às 385 toneladas em 1940, 456 em 1941, 471 em 1942, 505 em 1943 e 482 em 1944. Posteriormente, e até 1950, as produções oscilaram à volta das 390 toneladas.
A produção de batata para consumo teve uma importância crescente neste período temporal, sobretudo nos anos de guerra, quando se assumiu, conjuntamente com os cereais, como a base fundamental da alimentação dos residentes deste Concelho. Apesar de uma mecanização ainda bastante incipiente, uma adubação mais correta fez aumentar a produtividade por hectare cultivado, o que se traduziu num importante aumento da produção. Esta, em termos médios, atingiu as 13 700 toneladas entre 1930 e 1946.
A comercialização da batata ressentia-se de uma enorme atomização da oferta, o que não só dificultava o escoamento, como fazia diminuir o preço de venda. É sintomático, a este respeito, o Gráfico n.º 27, que mostra a evolução dos preços de venda entre 1930 e 1946. 

Se nos anos correspondentes à Segunda Guerra Mundial se verificou uma subida acentuada dos preços, nos restantes as oscilações foram frequentes e corresponderam não só à atomização da oferta já referida, como às flutuações do volume de produção (Gráfico n.º 27).
Continuou a produção da batata de semente, sobretudo em Montesinho e nas faldas da Serra de Nogueira.
Uma melhor adubação das terras, a utilização de alguma maquinaria e as boas condições edafoclimáticas existentes fizeram com que esta cultura gerasse importantes fluxos financeiros para alguns agricultores que procediam à sua exportação.
A castanha, neste período, retomou um pouco da importância que já tivera. Os anos de guerra fizeram com que voltasse a fazer parte da base de alimentação das pessoas, sobretudo nos meios rurais, conjuntamente com a batata e os restantes cereais. Relatos da época descrevem com pormenor as melhores formas de conservar este produto pelo maior prazo possível, permitindo assim o seu consumo por mais tempo.
A proliferação de pequenas unidades industriais de serração e marcenaria que nesta altura estavam sediadas na Cidade, a dificuldade em importar madeiras de qualidade para não sobrecarregar o endividamento e a procura crescente desta matéria-prima nos mercados, fizeram com que continuassem a ser abatidas áreas significativas de soutos – maiores eventualmente do que seria recomendado em circunstâncias análogas –, dada a elevada qualidade da madeira. Não admira assim que os preços subissem, tornando-se muito compensadores para os produtores, conforme pode ver-se no Gráfico n.º 28.
O Plano de Povoamento Florestal de 1938 iniciou a florestação dos baldios, forçando as populações das zonas de montanha a modificar repentinamente o seu sistema de pastoreio, proibindo as queimadas, e obrigando-as a aceitar o sistema de exploração florestal sem qualquer interferência na gestão. Além dos graves problemas sociais causados, este programa, baseado no pinheiro bravo, originou uma floresta destinada a arder. Na Serra de Montesinho, na Alta e Baixa Lombada, em Guadramil e na Serra de Nogueira plantaram-se inúmeros baldios com pinheiro bravo, privando os pastores dos pastos tradicionais.
A nível pecuário, o Concelho de Bragança aumentou significativamente os efetivos das raças suína e ovina (Gráfico n.º 29). A explicação para tal facto tem a ver, fundamentalmente, com a crescente preocupação com a alimentação em anos de racionamento, pelo que as famílias criavam vários porcos para consumo direto da carne e dos enchidos que curavam com o fumo das lareiras. A mesma preocupação levou ao crescimento do efetivo ovino; este, para além da carne, era fundamental para a produção de leite utilizado na alimentação humana.
Houve uma quase estagnação do efetivo bovino ao longo deste período, mas nada preocupante, dada a elevada base de partida (41 764 animais em 1935). Uma maior estagnação verificou-se na raça asinina, cujo efetivo teve alterações pouco significativas. As raças muar e cavalar tiveram importantes aumentos dos respetivos efetivos, já que era frequente a sua utilização para transporte de pessoas e alfaias para as explorações (Gráfico n.º 29).

Um tão significativo efetivo pecuário levou a Câmara Municipal a construir, em 1933, um novo matadouro, capaz de dar uma resposta cabal às inúmeras solicitações dos munícipes para abate das suas rezes em boas condições sanitárias.
Os agricultores concelhios tinham muita dificuldade em recorrer ao crédito, o que inviabilizava, na maioria das vezes, intenções de modernização ao nível da produção e da comercialização. Em 1946, o Grémio da Lavoura de Bragança recebe um ofício oriundo da Inspeção do Crédito Agrícola, que é de uma enorme clareza quanto ao problema do crédito. Diz-se no ofício que “ser agricultor, ser trabalhador do campo, ser tão-somente profissional da lavoura, embora honesto e diligente, não era qualidade bastante que recomendasse à usura das casas bancárias, para acudir às suas frequentes necessidades de dinheiro, e só dispondo de outros recursos, os representantes em valores imobiliários, conseguia alcançar o indispensável capital que o livrasse temporariamente das aflições de momento”. Um ano depois, em 1947, teve lugar uma reunião de agricultores do Concelho, na sala de sessões do Grémio da Lavoura, que deliberou a criação da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Concelho de Bragança, obedecendo à legislação então em vigor sobre tais práticas.
A indústria viu aumentar a percentagem de ativos ao longo deste período, atingindo os 5,8%. Surgiram várias unidades industriais, ligadas fundamentalmente à transformação de produtos do setor primário (moagens, padarias, pequenas unidades de enchidos, serrações), à construção de alfaias agrícolas e de ferramentas de carácter muito artesanal. As oficinas mecânicas, as fábricas de laranjadas, gasosas e pirolitos e as marcenarias que vinham do período anterior modernizaram-se, contribuindo para tal a utilização já possível de motores elétricos. A construção civil começou a ter alguma importância, surgindo neste período os primeiros construtores civis a tempo inteiro, dando resposta a pedidos de construção de novas habitações. Estes construtores civis vieram da zona do Minho, já com alguma experiência, muito contribuindo para a formação de mão-de-obra local para este setor.
Há uma dicotomia evidente entre a parte rural e a parte urbana do Concelho de Bragança, assumindo-se esta como essencialmente prestadora de serviços, sobretudo a nível dos funcionários públicos, dos professores, dos militares, dos polícias e dos comerciantes.
Em 1945, lançou-se o plano rodoviário nacional. Uma vez mais, o Concelho por um lado, e o Distrito de Bragança por outro, foram seriamente prejudicados em relação aos demais, apresentando um número de quilómetros construídos por cada 100 km2 de área muito inferior à média do Continente. De facto, neste plano, o Concelho de Bragança não representava mais do que 1,8% do total nacional, e o seu Distrito não ia além dos 5,4%.
As ligações rodoviárias, poucas e más, continuaram a manter o Concelho numa situação de isolamento, ocorrendo o mesmo com a ligação a Espanha: a única via de penetração estava em estado deficiente. O transporte ferroviário, sem qualquer investimento de modernização, mantinha o transbordo na estação do Tua, o que onerava as importações e exportações do Concelho.

Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa

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