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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

sábado, 5 de janeiro de 2019

Malã e Cazão, duas firmas, dois caracteres, dois brigantinos de lei

Por: António Orlando dos Santos (Bombadas)
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")

Desde o tempo em que comecei a reconhecer as várias pessoas que me rodeavam que a figura do Senhor Malã se destaca no meu imaginário, sendo que o seu rosto está sempre moderadamente alegre e os seus olhos vivos têm um fulgor de coisa nova, que ele recorridamente transmitia aos interlocutores. -Hás-de ganhar muito com isso, hás -de!


Era invariavelmente a frase que colocava ao outro em expectância para a possibilidade de novidades criptadas. O tio Malã tinha o apelido de Gomes, apelido que partilhava com gente inumerável da cidade o que o fazia um homem de família alargada e de amizades incontáveis. Para mim era alguém que sobressaía na Babel que a mim me parecia Bragança, naquele tempo, vendo nele um mestre não só no seu ofício como aconselhador capaz de indicar o caminho mais seguro, aos que por vezes andavam perdidos no labirinto em que se transformava a vida de alguns, no tempo em que não ter emprego ou não ter dinheiro era sinónimo de fome.
O outro personagem admirado por mim, era o Senhor Cândido Cazão que me parecia um gentleman que possuía o dom de se relacionar de igual forma com ricos e pobres. Possuía ainda algo que era raríssimo nos homens daquele tempo, acompanhava a esposa sempre que ela circulava pelas ruas da cidade tanto na ida e vinda para a loja na Rua Alexandre Herculano, como no regresso a casa na Rua da Misericórdia.
Eu achava quase impossível que fosse verdade tudo o que se dizia dele e da sua relação com os outros comerciantes seus confrades; Queirós, Valentim, Liberal, O Aniceto, Arina e até com o seu irmão João Cazão das Solas e Cabedais que era também um tipo excepcional.
Como podia ele ter tempo e feitio para ser tão brincalhão e ao mesmo tempo conviver com a esposa e filhos de maneira tão elegante e burguesa, sendo que era o único casal que para fazer-se notado não precisava de andar a toda as horas na Igreja!
O meu indecifrável enigma durou até que já homem, me foi possível concluir que se pode ser um bom chefe de família e um bom esposo, e ao mesmo tempo bom companheiro de folia moderada e de humor refinado e inventivo. Só é necessário tê-lo na massa do sangue e ele tinha-o, verdadeiramente.
No entanto eu pretendo hoje dar a conhecer a influência que tiveram na forma como eu tentava seguir o exemplo destes meus conterrâneos que eram trabalhadores, bem dispostos e amigos do seu semelhante. 
O Soto do tio Malã era para mim um encanto, quando entrava para tirar medida para mais um par de botas. Era assim como um cerimonial que se repetia pelo menos duas vezes por ano e que começava com a minha mãe dizendo ao meu pai que estava eu a precisar de botas novas! O passo seguinte, depois da concordância do meu pai, era a minha entrada, assim como que envergonhado, pois invariavelmente todos se dirigiam a mim numa algazarra de feira, dado que todos me conheciam e me saudavam como se eu fosse o representante da tribo que habitava na mítica Caleja do Forte.
O tio Bernardino pai do Paulino, que normalmente estava à mesa a cortar obra, dizia sempre: -Aí está o mais novo da Caleja, que já limpa o Cú a um vidro e não se corta! O Luciano ria-se e com o seu ar de homem grande e pacífico, e se era caso do Sporting haver perdido, e para meter ferro ao João Santana, dizia: -Só é pena que até os mais pequenos são do Sporting porque os maiores logo bem cedo lhes lavam o cérebro. Saltava a terreiro o João Santana e o Mário irmão da Helena, que era gaspeadeira e é mãe do Paulo Bento. Cala-te lá gigantone, quanto davas para seres dos nossos.
O tio Malã ria-se e acalmava as hostes, levantando-se e ordenando: -Tira lá os butes que eu quero -te despachar senão estes lobos ainda te comem, e eu punha o pé direito em cima dum papel costaneira e depois de riscar à volta do pé, não deixando de fazer as curvinhas que os cinco dedos imprimiam e dizendo para me calçar de novo, escrevia no cimo da metade da folha de costaneira. Garoto do Luís Bombadas. P' ra semana estão prontas, pomos brochas ou cravinhos? Eu respondia: -Três cravinhos só na biqueira. Respondia o tio Malã, é biqueiro o lafrau. Só quer três cravinhos que é para não "esbarar "ao descer a rua.
Eram verdadeiramente os meus, a gente com quem sempre me identifiquei, que eu sabia que quando o meu coração pulsasse de dor ou alegria, eles estariam comigo como, haviam estado os nossos maiores, os meus e os deles, sempre que as diferentes ocasiões se apresentaram. 
A excepção era quando o Sporting ganhava ao Benfica, aí o João Santana e o Mário, moíam a paciência do Luciano. 
A relação com o Senhor Cândido Cazão e a sua Sapataria começou já na década de sessenta. Já eu trabalhava e portanto já ganhava algum dinheiro e nesse tempo surge em Portugal um novo conceito de sapato, era o calçado Campeão Português, quente no Inverno e fresco no Verão. Era assim a frase publicitária que era repetida até à náusea na Rádio, muito particularmente no Rádio Clube Português que era a estação comercial que estava em voga.
O preço de cada par era de 100$00 indistintamente do tamanho dos sapatos e estes predicados fizeram desta marca que era exclusivo da Sapataria Cazão para a área de Bragança, um sucesso da Indústria do Calçado apoiada pelo novo método publicitário que alterou todo o velho paradigma da Técnica de Vendas e Publicidade. Deixei assim de usar botas e passei a usar sapatos, aliás como todos os meus condiscípulos, nos tempos da nossa criação.
Com a mudança no uso de calçado passei a ter mais relacionamento com o Senhor Cândido Cazão e por conseguinte com a esposa do que resultou uma amizade e respeito que durou até que ambos se finaram deixando-nos a todos os brigantinos mais pobres sem termos quem nos ensinasse a arte de ser cavalheiro e burguês no sentido que a palavra tem na Língua Italiana, (Borghese, si dice di persona o cosa qui denota mentalitá augusta o rispetto per le convenzione.) O Senhor Cândido deixou Bragança e creio foi viver no Porto onde vivia o seu filho Rui e tornaram-se esparsas às vezes que tive o prazer de o rever, o tio Malã continuou a ser parte da minha vida, como "companheiro " nas viagens que na carrinha Ford Transit, do meu irmão Armando fizemos para acompanhar o Desportivo de Bragança que era a nossa paixão comum, bem assim como o Sporting e noutras viagens de puro lazer na companhia do Garrido, seu Primo e grande amigo, do tio Broco (Álvaro), Conés, César Cachimbo e tantos outros verdadeiros amigos que o estimavam e vibravam quando o seu filho Fernando, um dos melhores futebolistas que o GDB teve nas suas equipas, marcava os seus golos fantásticos que nos levaram a todos muitas vezes às lágrimas de alegria. Relembro Aveiro na final contra o Clube Oriental de Lisboa em que ganhámos por 5-3. A alegria era de todos, mas todos sabíamos que estava ali um homem que naquele dia subiu ao céu nas asas do orgulho humilde dos justos que se revêem na sua prole.


Resta-me hoje dizer-vos que eu sou feliz porque tive e tenho amigos que como eu amam a nossa terra como no-la ensinaram a amar gente da estaleca dos Senhores Manuel Gomes, o Malã e Cândido Cazão, ambos filhos desta cidade.




Bragança 04/01/2019
A. O. dos Santos
(Bombadas)


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