S. Vicente, S. João, Santa Maria e S. Tiago são as quatro paróquias antigas em que se dividia Bragança ao tempo das Inquirições de D. Afonso III. S. Vicente era da apresentação real, mas D. Sancho I cedeu desse direito em favor do concelho.
Extinguindo-se a paróquia por falta de moradores, ficou reduzida a um benefício simples com obrigação de duas missas semanais. Em acto de visitação, o bispo de Miranda D. António Pinheiro mandou demolir o corpo da igreja por ameaçar ruína, e como a confraria de Santa Cruz se obrigava a reedificá-la, caso lhe fizessem doação dela, assim lho outorgou o mesmo prelado por escritura de 6 de Setembro de 1569, confirmada pela Nunciatura a 12 de Março de 1571 (546), podendo esta receber todas as esmolas, legados pios, etc., que lhe fossem deixados, e os beneficiados apenas as ofertadas com a expressa declaração a S. Vicente ou Santo Ildefonso, devendo haver sacrário para administração do Viático aos enfermos.
Esta confraria de Santa Cruz teve o piedoso exercício de enterrar os mortos antes da erecção das Misericórdias e estava erecta na antiga capela de Santa Catarina, depois encorporada na igreja de S. Francisco(547). Arruinando-se esta pelos anos de 1641 e suscitando-se dúvidas acerca da sua reedificação, os mesários, valendo-se da concessão do bispo Pinheiro, de que até aí ainda não usaram, transferiram-na para a igreja de S.Vicente.
«O bispo D. Antonio Pinheiro reformou esta confraria com Estatutos, e quasi a fundou de novo como consta do livro antigo da mesma e provisões juntas e lhe deve esta cidade a memoria, tanto da conservação da confraria, como deste templo, pela doação que lhe fez» (548).
Estes Estatutos vigoraram até Agosto de 1754, data daqueles por que agora se rege.
O actual templo foi reedificado pouco depois de 1683, por neste ano se ter arruinado o antigo, devido a cair sobre ele a alta e forte torre «como a das muralhas antigas» que tinha.
Venera-se nesta igreja a imagem chamada Santo Cristo, de extraordinária devoção entre os crentes. É antiquíssima e já veio da capela de Santa Catarina.
Quando o templo estava em reedificação é que António de Morais Colmieiro, cavaleiro do hábito de Cristo, fidalgo da casa real e sua mulher D. Angélica Maria de Sousa, por escritura de 12 de Outubro de 1686, fizeram doação à confraria para nela ser colocada a milagrosa imagem do Santo Cristo «duma capella feita d’abobada e cantaria, com porta em frente da Igreja de S. Vicente» (549). Esta capela faz hoje parte do corpo da igreja, e concluída a reedificação do templo se trasladou o Santo Cristo ao seu lugar na capela-mor,
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(546) BORGES – Descrição Topográfica…
(547) ESPERANÇA – História Seráfica…, livro I, cap. IV, p. 50.
(548) BORGES – Descrição Topográfica…
(549) BORGES – Descrição Topográfica. A Confraria do Divino Jesus de S. Vicente, p. 10.
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obra sumptuosa de talha dourada, a que deu princípio o juiz da confraria Francisco de Figueiredo Sarmento, ficando nela a Senhora do Carmo e sede de sua confraria.
A Senhora de Roncesvales (Rasavales), venerada nesta capela, deixa supor correlação com as propriedades que o seu Santuário de Navarra tinha na cidade de Bragança, segundo apontam as Inquirições de D. Afonso III (550).
Os fundadores da capela haviam casado em Bragança, freguesia de Santa Maria, a 28 de Abril de 1665; foi seu filho o genealogista e escritor Baltasar de Sousa Colmieiro, nascido na mesma freguesia a 30 de Abril de 1693 e não em Vinhais como traz a História Genealógica, tomo VIII, pág. 18 das «Advertencias» (551).
Relativamente ao labor artístico deste templo, diz Borges (552):
«A capella-mór sem controversia he a mais rica e vistosa que ha nesta cidade toda coberta de entalhado, como tambem o arco e parte exterior com dous altares hum de S. Vicente e outro de S. Braz com Reliquia: e o bem delineado, e magnifico desta obra lhe tem grangeado o nome de Monte de Ouro». E, continuando a memorar as importantes cenas de que o templo tem sido teatro, aponta: nele «se cazou clandestinamente El Rey D. Pedro com D. Ignez de Castro, de que ha tradição constante, e de que foy nesta cidade o diz Faria na Europa, tomo 2.º, parte 2.ª cap. 4. fol. 182,Mendes Silva e outros.
Em hum arco, que está á mão direyta entrando pela porta principal está enterrado Martim Affonso Pimentel irmão de João Affonso Pimentel que foy senhor desta cidade, e passado a Castella o primeiro Conde de Benevente, filhos de Rodrigo Affonso Pimentel comendador mayor da Ordem de Santiago, e de D. Lourença da Fonseca, e netos de João Affonso Pimentel e de D. Constança Rodrigues de Moraes, filha de Ruy Martinz, ou Pirez de Moraes, desta cidade, de quem fala o Conde D. Pedro, tit. 48, § 1.º, e Haro, Nobiliário genealógico, tomo I. L. 3. cap. 4, e da ascendencia dos Pimenteis por todo o tit. 35 trata o Conde D. Pedro... Diz Haro supra, fol. 135 verso, que o tumulo de Martim Affonso Pimentel está junto ao altar do Sancto Christo, e assim era quando escreveu; agora fica junto ao de S. Braz porque o Sancto Christo se trasladou para a capella-mór».
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(550) Santuário Mariano, tomo V, livro III, p. 645.
(551) Sobre a genealogia desta nobre família publicou o erudito Francisco de Moura Coutinho um bem documentado estudo em A Pátria Nova, semanário de Bragança, desde 6 de Maio a 10 de Junho de 1908.
(552) BORGES – Descrição Topográfica….
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É curiosa, por mostrar o modo de celebrar as festividades nessa época, a seguinte notícia que copiámos da acta da mesa do Senhor Jesus de S. Vicente, de 2 de Março de 1649. Segundo ela, para a festividade da Santa Cruz (3 de Maio) «o Juiz da confraria daria a cera e seda aos mordomos e mais officiaes, para que todos juntos armem a Igreja o melhor que possa ser – mais daria tres touros para se correrem na vespera da festa, com seus palanques feitos – outro mordomo na vespera da festa, nessa noite, fogo bastante para lançar da torre com suas luminarias – outro, uma comedia, com todos os seus apparatos, – outro, uma dança na vespera da festa, até ao fim da procissão – outro, o escrivão, que dava as cruzes e pendões que pudesse trazer para a procissão».
MEMÓRIAS ARQUEOLÓGICO-HISTÓRICAS DO DISTRITO DE BRAGANÇA
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