Mas há outras ideias que até podem parecer simples gestos, mas que têm um alcance inimaginável. Foi o que decidiu fazer o Grupo de Castanholas de Contins (Mirandela), que propôs à Direção-Geral dos Serviços Prisionais uma tarde musical para os cerca de 80 reclusos que estão a cumprir penas no Estabelecimento Prisional (EP) de Bragança.
Acompanhamos o grupo nesta visita ao EP.
Num amplo corredor, com celas de um lado e do outro, dezenas de reclusos que quiseram participar nesta tarde musical não escondem a alegria. “Esta festa ajuda a passar um bocado de tempo e a nossa cabeça está mais fora de outras coisas”, afirma um dos reclusos.
Também há quem já tenha aprendido a tocar castanholas e até a construí-las, no clube de construção de instrumentos musicais que existe na prisão. “Não é muito difícil e é sempre bom para nós”, afirma outro recluso. “Ver estas pessoas a tocar castanholas, concertinas e guitarras, trazem uma grande alegria a todos nós”, admite.
E quem ensina a construir as castanholas é Paulo Preto, que vai uma vez por semana à prisão. “Eles gostam de aprender, colaboram muito e dessa forma têm alguma ocupação”, diz. “Tratam-se de seres humanos que tiveram um azar na vida e que têm de cumprir por aquilo que fizeram de menos correto e que sirva de emenda”, lembra.
Nos últimos tempos também tem surgido a oportunidade de Jorge Fraga, que pertence às Castanholas de Contins, poder ajudar Paulo Preto nesta arte de construir castanholas. “Já dei aqui duas aulas aos presos, na parte exterior, que tem umas pequenas oficinas, acompanhada do professor Paulo Preto. Até porque o instrumento é muito antigo, que caiu em desuso, infelizmente, mas agora está aí de novo”, afirma.
Albino Falcão é professor de português e de francês, mas nos tempos livres gosta de ensinar música. “É com prazer que venho aqui ajudá-los, porque é um escape muito grande”, conta o docente que recorda com muita emoção uma frase que os reclusos lhe disseram: “Agradeceram-me por trazer um bocadinho de luz a um sítio tão escuro como este”. Desde então, “venho cá de coração cheio, onde as pessoas me tratam e reconhecem o valor”.
A presidente do grupo de castanholas de Contins, estava de coração cheio. “O que nos move é isto, é a solidariedade, um bocadinho de animação a quem está aqui dentro e foi um sucesso porque isto parecia um motim quando chegámos, foi uma festa bonita”, diz Sónia Mendonça. “Recebi abraços que nunca tinha recebido, de pessoas de Mirandela que conheço de passagem, e senti que precisavam de nos ver, do nosso abraço e foi tão bom”, conta com emoção.
O próprio psiquiatra do EP de Bragança valoriza a iniciativa. “Quando falamos em promoção da saúde mental, sobretudo em contextos destes de reclusão, em que há um afastamento e privação de liberdade, acho que iniciativas como esta só contribuem e até facilitam o trabalho que a gente tem aqui”, confessa Vítor Pimenta, lembrando que também é relevante a época em que se realiza. “Até pela questão sentimental, estão longe da família e estes eventos mantêm essa continuidade da pessoa humana”, sublinha.
O diretor do EP de Bragança elogia a generosidade do Grupo. “Foi a expressão máxima e genuína daquilo que deve ser a ajuda e o voluntariado do exterior para com uma instituição penitenciária”, refere Nuno Pires considerando que a iniciativa foi um sucesso. “Superou todas as expetativas, não só pelo facto de terem vindo aqui gratuitamente, como uma forma generosa e voluntariosa de estar na sociedade, mas também pelo modo como esta interação se conseguiu no ambiente prisional, numa dinâmica de osmose interativa que foi muito positiva, quer para os reclusos, quer para as pessoas que nos visitaram, quer para o mundo exterior”, acrescenta o diretor do EP que até já pensa em propor à Direção-Geral dos Serviços Prisionais que seja estabelecido um protocolo para que seja possível criar um grupo de aprendizagem de construção de castanholas. “No sentido de, institucionalmente, legalizarmos uma forma de colaborar também com o exterior na construção de Castanholas de Contins, que é um instrumento específico com uma história e com uma identidade com aquela aldeia”, refere Nuno Pires.
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