quarta-feira, 20 de março de 2024

Palaçoulo: “Encomendaram-se as almas” na noite de 19 de março

 Na noite de 19 de março, alguns moradores da aldeia de Palaçoulo recuperaram a antiga tradição de “encomendar as almas”, que consiste num ritual da Quaresma que leva as pessoas a percorrerem as ruas da aldeia, para lembrar a população de rezar pelos que já partiram.


Após anos de interrupção, um grupo de 30 pessoas, mulheres e homens, residentes em Palaçoulo, recuperaram a tradição da “Encomendação das Almas”.
A recuperação da tradição da “Encomendação das Almas” foi uma iniciativa da junta de Freguesia de Palaçoulo e insere-se no projeto “Aldeias sem Fronteiras”, cujo objetivo é agir contra o isolamento das pessoas idosas, recolher os seus saberes e transmiti-los às gerações mais jovens.

“Este projeto intergeracional visa aproveitar o conhecimento que as pessoas idosas têm da comunidade de Palaçoulo, como são as tradições locais e transmiti-las aos mais jovens, promovendo assim o convívio entre todos”, especificou o presidente da freguesia de Palaçoulo, Gualdino Raimundo.

Para o vice-presidente do município de Miranda do Douro, Nuno Rodrigues, a recuperação das tradições locais é importante na preservação da identidade da comunidade.

«Tradições como esta da “Encomendação das Almas” são um reflexo da história e dos valores cristãos da população de Palaçoulo. Por isso, felicito a freguesia de Palaçoulo por esta iniciativa que mantem viva a memória coletiva desta comunidade”, disse.

Em Palaçoulo, o ritual de “Anquementar las Almas” (em mirandês) iniciou-se no dia 19 de março, às 21h00, com a oração da Via Sacra, na igreja matriz. De seguida e sem iluminação pública, cerca de 30 pessoas, mulheres e homens, todos vestidos de negro iniciaram o ritual da encomendação, percorrendo em silêncio as ruas da localidade.

Em cada encruzilhada, o grupo parou e cantou quadras, marcadamente tristes e angustiosas, em sufrágio dos mortos e de alerta aos vivos. Finalizado o cântico, rezou-se um Pai-Nosso e uma Ave-Maria.

Segundo os historiadores, esta tradição que decorre até à Páscoa é também um convite ao recolhimento, à reflexão dos vivos.

Em Palaçoulo, no decorrer da “Encomendação das Almas”, toda a população da aldeia guardou silêncio. Antigamente, dizia-se que as pessoas que acordavam, acendiam e voltavam a apagar uma luz para comunicar que também iriam rezar.

Trata-se de uma tradição popular e este ano, em Palaçoulo, cantaram-se as estrofes:

À porta das almas santas
bate Deus a toda a hora.
As alamas lhe responderam:
Ó meu Deus que quereis agora!

Quero que deixeis o mundo
e venhais comigo para a glória.
Em companhia dos anjos
e da Virgem Nossa Senhora.

Pecador que estás dormindo
tropecas no pecado.
Oxalá não amanheças
no inferno sepultado.

Pecador que estás dormindo
acorda não durmas mais.
Olha que te estão chamando
as almas dos teus pais.

Que vos deixaram bens
e vós deles não vos lembrais.
Lembrai-vos com um Pai Nosso
já que não podeis mais.

Perdoa-me ó pecador
por te acordar a esta hora.
Se não me queres perdoar
adeus que me vou embora!


Segundo Alexandre Parafita, investigador do Centro de Estudos de Letras da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), explicou que a “encomendação das almas” é um dos ritos quaresmais de maior preponderância nas comunidades cristãs, em especial nos meios rurais.

Por norma, segundo o investigador, a tradição da “encomendação das almas” acontece nas sete noites de sexta-feira antes da Páscoa e manifesta-se “em cortejos lúgubres, com homens encapotados, mulheres de xailes negros pela cabeça, lanternas de azeite nas mãos e onde se entoam cânticos tristes e angustiosos em louvor e sufrágio dos mortos”.

HA

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